Distorções e ilusões nos índices sobre o SUS

Recebemos do Lucio Barcelos, um dos mais ativos médicos na luta por um sistema de saúde público de qualidade, o artigo IDSUS: uma montagem pseudo-científica . Lucio foi um dos pricipais articuladores para o vídeo que fizemos sobre as filas nos postos de saúde da capital.

Só para reforçar a ideia de que seria preciso ouvir os usuários do SUS, caso o governo quisesse avaliar, de fato, a qualidade do atendimento, deixo aqui mais um relato, para se somar aos milhões que existem no país. Outra vez tenho um problema de saúde que não será resolvido pelo sistema público, mesmo que eu não tenha condições financeiras para pagar por um plano de saúde (nem ache isso correto). Há 10 meses o cotovelo direito me dói. Há três meses e meio fiz uma consulta no Centro de Saúde Modelo e há dois meses e 10 dias aguardo a marcação de um exame para que o médico possa fazer o diagnóstico. Acabei de saber com a atendente do posto de saúde que o exame que aguardo não tem previsão de ser liberado, e que não deve demorar menos de seis meses. Bueno, neste tempo meu cotovelo piorou, e já tenho muitas dificuldades para trabalhar. É triste que a saúde dos cidadãos não tenha prioridade nos investimentos dos governos:

IDSUS: uma montagem pseudo-científica

Não bastassem os graves, crônicos e aparentemente insuperáveis problemas de modelo, acesso, qualidade e gestão do Sistema Único de Saúde, acabamos de receber do governo federal um Índice de Desempenho do SUS, que, não só não ajuda os gestores, como prejudica municípios que, historicamente tem investido na construção do SUS.

O governo do Estado do RS, antes de gastar o dinheiro da população com propaganda enganosa, de página inteira, deveria consultar sua área técnica (seus epidemiologistas), para saber o quanto vale um índice construído com indicadores completamente independentes, que não tem relação entre si e que, do ponto de vista epidemiológico, não tem qualquer valor.

De acordo com o Dr. José Noronha, diretor do CEBES (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde) e médico do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/Fiocruz) “parte da tecnocracia do Ministério da Saúde acaba de brindar a sociedade brasileira com um disparate metodológico a título de atender a fome do chamado “ranqueamento” que freqüenta com avidez uma parte da grande mídia brasileira”. O IDSUS, presta na verdade um desserviço ao SUS e aos bons gestores. Ainda, de acordo com Noronha, “A proposta central é de que a saúde é multidimensional e deve ser avaliada matricialmente e não somando variáveis de dimensões diferentes (como faz o IDSUS) para chegar a um índice único. O IDSUS soma mortalidade infantil com acesso, com taxa de cesarianas, freqüência de consultas pré-natais com cobertura nominal de PSF e mais outros tantos para chegar ao tal indicador Único e classificar estados e municípios”. Deu no que deu. O RS e Porto Alegre, terceiro e quarto colocados, na classificação do IDSUS, possuem sistemas de saúde, abaixo da crítica.

O governador do Estado e seu Secretário da Saúde, deveriam visitar as filas de pacientes, na madrugada, ou ficar 4,5, até uma semana, sentados em cadeiras desconfortáveis, nas emergências do Clínicas ou do Conceição, para depois gastar o dinheiro do distinto público, com publicidade questionável.

Que, na verdade, não engana ninguém que use o sistema. Melhor ainda, o governador deveria ir a uma unidade básica e solicitar a um clínico, um exame especializado ou uma internação em um hospital público ou conveniado.

Ele teria uma noção do tempo interminável e ofensivo de espera para conseguir um ou outro daqueles procedimentos. Sem falar que ele teria que passar pelo inferno que são as famosas “duplas portas”, dos hospitais, com a honrosa exceção do Grupo Conceição.

É importante salientar que o IDSUS, entre outras coisas, não mede o tempo de espera nas filas e tampouco a distancia que os pacientes percorrem para ter acesso aos serviços. Mais ainda, a composição do tal indicador único, para reforçar sua inutilidade, não leva em consideração o fato de que uma parcela da população (25%) utiliza planos privados de saúde. E que nos estados do sul e do sudeste, essa proporção da população deve ser maior.

Fica a sugestão ao governo do Estado, para que ele encomende uma pesquisa, ouvindo diretamente a população que utiliza o Sistema Único de Saúde, para saber sua opinião sobre o acesso e a qualidade dos serviços que lhe são ofertados.

Lucio Barcelos – Médico Sanitarista
Março de 2012

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