Gustavo Türck
Como seria bom manipular nossas mentes para apagarmos aquilo que incomoda. Nesse mundo em que parece cada vez mais difícil a participação das pessoas nos processos de mudança, às vezes aquela fuga pela esquerda – sem neologismos aqui – parece ser a melhor alternativa para se sobreviver com sanidade.
Pois bem, estamos em um consultório e vamos, através do milagre da associação lingüística, iniciar o procedimento de saneamento mental. O Doutor diz: “Não tenha medo, apenas fale aquilo que queres apagar de sua memória. Temos um equipamento de última tecnologia que mapeia o caminho dessas associações através da construção dos signos e significados dentro da mente. Para cada palavra existe um impulso elétrico específico que representa esta mesma palavra e o seu signo respectivo. Porque todo o processo de construção da linguagem está associado ao fato de observarmos certo acontecimento e o associarmos a uma palavra, uma imagem, seja objetivo e concreto, ou simplesmente subjetivo. Podemos, através dessa tecnologia, inclusive, acabar com conceitos distorcidos e construídos totalmente através de associações arbitrárias vindo de fontes duvidosas. São expressões como: verdade dos fatos, liberdade de imprensa, terrorismo, opinião pública, bom senso, entre outras. Na realidade, isso que estamos fazendo não seria bem apagar a memória, mas limpá-la para que seja possível uma nova oportunidade de construção de significâncias”. Começa logo essa porra! “Calma! Não se esqueça, o processo somente estará terminado depois que essa sensação de sequidão na boca cessar…”.
E, então, você começa:
Bush, Afeganistão, Iraque, mísseis, USA, assassinato, terrorismo, mortes, mentira.
Dinheiro, mortes, Coca-Cola, McDonald`s, câncer, ataque cardíaco, Colômbia, cocaína, tráfico, polícia.
Golpe, capital estrangeiro, grande imprensa, mídia, novelas, Globo, aculturação, Veja, falso jornalismo, difamação, calúnia.
Mentira, Istoé, Época, cinema nacional enlatado, Xuxa, Angélica, Tchan, prostituição infantil, manchete, Zero Hora.
Rigotto, FARSUL, agronegócio, Dorothy, madeireiros, garimpeiros, MST, Pará, assassinato, Sperotto, PFL, PSDB, PP, soja, transgênico, câncer.
Desocupação, morte, Goiânia, Pará, Carajás, agronegócio, colheitadeira, soja, transgênico, destruição florestal, seca, exploração, assassinato.
ACM, neto, FHC, PSDB, PFL, PP, privatizações, bilhões, milhões, precatórios, mercado, dólar, bancos, lucro.
Ódio, bilhões, Valério, Dantas, Barbalho, Magalhães, Cardoso, Delúbio, Dirceu, Genoíno, pasta rosa, Mello, salário mínimo, direita, CPI.
Mentira, Veja, impeachment, PT, Lula…
Termina. Você acorda e sua cabeça está leve, mas o Doutor alerta: ”Agora é que se inicia o verdadeiro processo de re-significação”. Putz! “Entenda o seu processo cognitivo, tome decisões, constitua sua opinião analisando fatos, assimilando visões, pontos-de-vista e, então, conclua!”. Putz, de novo!
O homem passou pela era da imprensa escrita, entrou no rádio, mergulhou na da TV e, agora, emerge nas ondas da internet. O banco de dados da humanidade está mais acessível, mas mais complicado. É como se vivêssemos em uma biblioteca enorme em que houvesse apenas poucos Eco e Morin entre milhões de Coelho e Potter – nem a maravilhosa Alice saberia o que fazer direito com esse coeficiente de dificuldade.
Mas, ainda assim dá. Temos é que tomar posse da nossa formação de opinião. Não dá mais para ir atrás de quem usa os “ias” da vida. O Futuro do Pretérito é pior do que mentir descaradamente. É simplesmente um tempo verbal que não existe! “Fulano de tal TERIA falado…”; “Beltrano TERIA entregue mala…”. Como assim?! Afinal, falou ou não falou? Entregou ou não entregou? Isso tá pior do que fofoca da novela das oito…
Que se inicie logo a reciclagem das fontes de informação! Pois, cedo ou tarde, quando menos esperamos, caímos nessa rede hipnótica do pensamento monolítico e da opinião enlatada.
Ok, continue lendo a Zero Hora, mas leia também o Brasil de Fato! E, se já lê a Istoé, pra que ler Veja?! Vá ler a Carta Capital, a Caros Amigos! Acesse a Agência Carta Maior, procure política no site de TODOS os partidos. Assista a menos novelas, ou melhor, não assista a nada da dramaturgia brasileira. É horrível como fonte de re-significação. Assim você vai se poupar de bobagens enormes como achar que “A Casa das 7 Mulheres” é um registro histórico autêntico…
Pelamordedeus. Comece logo, enquanto é tempo. Porque não vai rolar tão cedo um consultório como esse do início do texto. A não ser em roteiros do Charlie Kaufman….
Kaufman é o roteirista de pérolas como Quero ser John Malkovich, Adaptação e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças – ASSISTA A TODOS!