O açúcar (çarcara), refino da cana e da beterraba, delícia rara, utilizada em pequenas doses para aromatizar e medicar no Império Persa, foi apropriado pelos árabes e popularizado na Europa, vendido nas farmácias em doses “homeopáticas”.
Vens e vais de civilizações atrás desta riqueza, Portugal lidera o comércio e produção da cana-de-açúcar, com as primeiras mudas vindas da Ilha da Madeira. O solo nordestino tinha “ a terra gorda” – massapé. O clima, as águas, a fertilidade das terras, permitiam safras a cada três meses, enquanto nas Antilhas, 16 meses. Mais que cinco colheitas.
A fertilidade vinha da matéria orgânica da própria Mata. O equilíbrio na Mãe Natureza se mantém quando há variedade de espécies vegetais e de animais. A economia monocultora rompe esse equilíbrio quando escolhe uma planta que vale mais que as outras e ocupa quantidades imensas de terra. Latifúndio e Monocultura. Isso adoece o sistema natural.
A cana ocupou toda a zona litorânea, em Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Sergipe numa faixa de 200 km de largura. No engenho, a cana e a vida se transformam: açúcar para o mundo de lá, para os doces daqui, para a água ardente, aguardente…
Casa Grande e Senzala. Os filhos, os netos. O Senhor do Engenho, o dono de tudo e de todos, barão da terra, bancou a festa da Coroa Portuguesa, usando o chicote sobre o Negro escravo. O latifúndio monocultor e escravocrata incendiou o nordeste, queimou as matas para abrir espaços de plantio e expansão, perdeu as madeiras de lei, eliminou a flora regional e espécimes da fauna. Gerou a seca.
Entre 1560 e até 1850, traficou quase 20 milhões de pessoas de pele negra, excelentes agricultores; atrasou a civilização africana, que possuía agricultura diversificada em terras de posse comunal, trabalho coletivo, relações tribais, ligas artesanais, comércio regulamentado, metalurgia e Universidades.
A Igreja Católica cobrou 5% para afirmar – segundo seus preceitos, que essa criatura não tem alma e precisa ser convertida ao bom caminho. Foi a última instituição a apoiar a campanha abolicionista. A alma, religiosidade, ritos, o canto, a dança, aprisionados! A diferença. A dor, o trabalho de sol a sol.
A fuga dos engenhos e daquela vida de “porrada” é a maneira de recuperar a HUMANIDADE. O espaço livre, o espaço sagrado. Voltar a SER! O Quilombo dos Palmares, belíssima região, na Serra da Barriga (hoje União dos palmares, Alagoas) lutou 67 anos, recriou uma organização baseada na propriedade coletiva, comunal, a terra para produzir alimentos- milho, arroz, feijão, abóbora, mandioca, cana-de-açúcar para rapadura e aguardente, faziam cestos e outros utensílios da palha das palmeiras, tinham metalurgia para a força guerreira e o trabalho agrícola.
Chegaram a gerar inveja e ódio pela quantidade de alimentos produzidos enquanto a crise do comércio açucareiro deixava os senhores de engenhos em fome. Nenhum produto influenciou tanto a história do mundo como o açúcar. Seu processamento em cristaizinhos brancos é resultante do múltiplo processamento químico do caldo de cana. Da cana é extraída toda a fibra. Perdem-se as vitaminas.
Nos últimos 100 anos o consumo de açúcar passou de 5kg/pessoa/ ano para 45kg/pessoa/ano. Hoje o açúcar está nas pastas de dentes, biscoitos salgados e doces, conservas, fermentação de pães, confeitaria, refrigerantes. Associados a festa e alegria. O organismo recebe altas doses de produto desconhecido de sua fisiologia, gerando diabetes, obesidade, doenças no coração, hipertensão. Agride o sistema imunológico. Uma endemia, quase epidemia! O organismo humano precisa de glicose, não de “açúcar”. E a glicose é obtida a partir dos grãos (cereais integrais: arroz, aveia, milho,centeio, cevada, trigo, todos os feijões (de todas as cores), nos legumes, verduras, frutas, sementes como de abóbora, de melão, linhaça. Algumas frutas e verduras podem ser produzidas na comunidade.
A saúde do povo voltará quando se utilizarem mais alimentos naturais e menos produtos coloridos, aromatizados, saborizados artificialmente. E, também usando plantas medicinais que ajudam a baixar a glicose no sangue. Importante, ainda, é melhorar as condições ligadas ao lixo, ao esgoto, às moradias…todos movimentos importantes.
Três séculos foram necessários à consciência européia: a primeira sociedade anti-escravista (inglesa) é de 1792. Em 2007, foi inaugurado o primeiro Museu da Escravidão, em Liverpool, um dos centros do mercado de negros.
E no Brasil? Ah, Brasil!
BRA… $$$$$$$$$$$$$$$$il…
Por Claudinha Lulkin, nutricionista ambientalista e educadora popular.
Esta matéria é parte de uma aula sobre Diabetes, apresentada na Cozinha Comunitária da Maria da Conceição, em agosto de 2007.