Travessia

Chove forte. A noite chegou a pouco na cidade. Numa esquina movimentada, em frente à universidade, os olhos dos carros furam com fachos de luz o rio que desce escorrendo pelo ar. O sinal amarela, avermelha, fecha. Do outro lado da larga via uns 30 estudantes começam a atravessar. Um rapaz espera, espera, espera, e como todos o ignoram também começa a travessia. Nos encontramos no meio da avenida, quando ele esbarra com o corpo e a bengala num capô de uma caminhonete que avançou para cima da faixa de segurança. Estendo a mão, seguro seu braço, volto com ele. Me pergunta que caminho faço. Vou no sentido contrário ao dele, mas quero voltar mais. Então ele insiste, diz que não precisa, que está acostumado.

Fico olhando o jovem menino se distanciar na calçada escura, com os pés nos poços d’água, sob o barulho das buzinas e dos motores, dos pingos que espancam o chão e arrancam pedaços da laje e cheiros da terra. Muitas vozes seguem próximo a ele, mas nunca junto, nunca cruzam palavras com o caminhante, que se guia pelos sons da rua, pelos passos contados, pelas pedras que reconhece. Nem outras mãos o procuram quando ele precisa atravessar de novo, pra chegar à parada do ônibus. Fico pensando se alguém por ali fala em coisas que precisam mudar e sonha com outro mundo.

2 Comentários

  1. A vida não seria bem mais interessante se as pessoas estivessem dispostas a se ajudar, a cooperar?! Tenho certeza que sim, seria.

  2. A realidade é muito dura as vezes…mas que bom que alguns cronistas da vida nos facilitam o olhar com textos como esse. Lindo, Jefferson!

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