Julio Cortázar escreveu em Último round sobre a sílaba viva, as notícias de maio de 68, o turismo pra ver a vida apodrecendo nas praças da Índia, sobre que todo homem é ao mesmo tempo seu sonho. Escreveu também sobre Os amantes :
Quem os vê andando pela cidade
se estão todos cegos?
Eles dão as mãos: algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e lá em cima está a noite cheia de olhos.
São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo a mortes de grama, rumo a portos
que se abrem entre lençóis.
Tudo se desarruma através deles,
tudo tem sua senha escamoteada;
mas eles nem mesmo sabem
que enquanto rolam em sua amarga areia
há uma pausa na obra do nada,
o tigre é um jardim que brinca.
Amanhece nas carroças de lixo,
começam a sair os cegos
o ministério abre suas portas.
Os amantes esgotados se olham e se tocam
outra vez antes de cheirarem o dia.
Já estão vestidos, já vão pela rua.
E é só então
quando estão mortos, quando estão vestidos,
que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os deveres cotidianos.