Jefferson Pinheiro
Houve um tempo no Brasil, que índios foram mortos pra servir de comida aos cães. Foi no interior de Minas Gerais, na região do Vale do Rio Doce. A Corte Portuguesa queria botar a mão nos minérios daquela área. Em decreto, mandou dizer que qualquer “obstáculo ao progresso” devia ser eliminado. Aquela medida, hoje, é lida como uma carta de guerra aos indígenas. Na verdade, uma permissão oficial para o extermínio.
Ali, o primeiro contato entre os colonizadores e os índios se deu em 1850, mas somente com a abertura da Estrada de Ferro Vitória-Minas, construída entre 1905 e 1911, foi que os brancos invadiram a região. Uma parte dos Borum tentaram resistir e: – massacre! Outra, como tática de sobrevivência, preferiu o caminho da assimilação, misturando seu sangue com o dos invasores e trocando a mata pela cidade – um processo de aculturação tão contundente que os filhos desta união não conseguem se enxergar como índios. Um terceiro grupo reagiu ao perigo do confronto recuando na floresta até o seu limite, quando então o governo resolveu fundar um aldeamento (os aldeamentos não serviam para proteger os indígenas ou garantir-lhe terras, mas para confiná-los num espaço conveniente às forças políticas e aos interesses econômicos). Ainda assim, o SPI (Serviço de “Proteção” ao Índio) arrendou a área aos agricultores, que exploravam os Borum como mão de obra escrava. Acreditavam (será?) os senhores de terno que o aprendizado nas lidas da enxada e do arado seriam um estágio benéfico aos indígenas. Estes, em homenagem a um de seus líderes que pensava o contrário, passaram a se chamar Krenak.
Então, na década de 50, os homens de colarinho resolveram construir uma prisão só para os índios, como forma de dar um corretivo nos rebeldes que não estavam dispostos a passar pelo processo de qualificação profissional imposto ou dividir as suas terras com os colonos. O lugar passou a ser muito freqüentado pelas lideranças indígenas e os krenak foram proibidos de falar a sua língua dentro das próprias casas.
Chegou o período da ditadura e os fardados milicos indicaram um interventor para o estado de Minas, que resolveu simplificar o conflito. Saqueou as terras que pertenciam aos krenak (mesmo que o assunto fosse de competência federal) e presenteou-as aos agricultores. Os índios foram distribuídos para outras tribos ou abandonados nas cidades próximas.
Pois bem, e as mulheres? Foram elas e as crianças remanescentes – já não havia mais homens adultos – que na década de 90 rumaram por dias a pé de volta pra casa e conquistando o apoio de parte da opinião pública, resgataram em 1996 o que os brancos haviam lhes roubado: o lugar original de viver.
Foram elas também, que no encontro com o útero fecundo da mãe-terra, e determinadas a não mais serem violentadas em seus direitos, iniciaram o processo dos krenak de se apropriarem do estudo formal. Hoje, todo jovem krenak em idade universitária está cursando a faculdade.
Esta história foi contada no Fórum Internacional Povos Indígenas em agosto de 2005, na PUC, em Porto Alegre, por Jaider Batista da Silva, Reitor do IPA Metodista. Descendente do povo krenak, junto com sua mãe e outros de mesmo sangue, construíram um grupo de solidariedade que propiciou apoio e infra-estrutura para os indígenas cursarem a universidade. Estes jovens continuam morando na aldeia e preservando a cultura, mas o povo krenak adquiriu autonomia e hoje é ele quem decide até onde os brancos podem ir nas trocas que estabelecem.
Jaider lembra que a universidade domina o aprender a aprender e o aprender a ensinar – conhecimentos diferentes da sabedoria. Neste espaço são os índios que trafegam com maior naturalidade, contribuindo muito para o aprender a ser.
Este texto não é uma fábula, portanto, não precisaria ter uma mensagem como desfecho, mas, se o Reitor quis lembrar Paulo Freire, por que eu o excluiria desta história!?: “Não importa o que fizeram de nós. O que importa é o que fazemos com o que fizeram de nós”.
Os krenak chegaram a ser considerados extintos. Hoje, são 300 pessoas.