Suíte Senzala

A realização deste documentário sobre o Tambor de Sopapo vem surpreendendo a quem está se envolvendo. Por um lado já imaginávamos – e nos propusemos a tal – que iríamos encontrar um sem número de histórias envolvendo a matriz negra da história do Rio Grande do Sul. Agora, para o que não estávamos preparados era encontrar e descobrir o que realmente estamos desvendando aos poucos. O Sopapo, instrumento lindo, mítico, carrega na sua genética não parte, mas a própria história do que aconteceu nesta região das Américas.
Pelotas hoje é uma cidade estagnada, com uma nuvem de energia latente que paira sobre as cabeças de quem vive ali, algo pulsante, vivo, obscuro. E o Sopapo vem tocando e registrando este caminhar há séculos, até parar e se esconder para retornar como parte do profano – do sagrado, do elemento espiritual que acompanhava os escravos, ao profano das festas de carnaval.
E Pelotas calou sua própria história.
Os negros não queriam contá-la, pois desejavam se esquecer e não perpetuar com lembranças período tão sombrio, por isso passaram apenas a bailar no toque do tambor, tão lindo, tão retumbante e ressoante, que se bate com as mãos tocando o couro do animal sacrificado para a consagração da carne.
Os brancos trataram de apagá-la pelos seus interesses de manutenção da ordem. Seu poder sobre os negros se mantinha, assim, intacto, mesmo sem a escravidão legalizada, sobre a nova ordem da escravidão social. Os brancos criaram seus heróis assassinos, um hino mentiroso e uma bandeira que se diz verde e amarela riscada pelo vermelho do sangue dos heróis farroupilhas, sem dizer que este sangue, este líquido sagrado derrubado a troco de nada nas terras gaúchas, é dos negros, dos escravos que encamparam a luta dos oligarcas das charqueadas pela sua própria liberdade, tendo sido traídos friamente pelas mãos daqueles que hoje dão nomes às ruas de todas as cidades do estado. Foram massacrados para que não voltassem à terra em onde trabalhavam para reinvindicar, enfim, seus direitos de homens livres.
Hoje, Pelotas purga e cala esta história.

Ouça mais uma música que será trilha do filme, na voz da cantora pelotense Giamarê, gravada em uma versão demo no estúdio da Casa Brasil Dunas (foto).

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