O livro chegou pelo meu irmão mais novo, Robson. Depois, muitas amigas e amigos envolvidos com a resistência da utopia receberam o seu. Dia desses, quando os anos contaram 40, me entregaram mais um. Logo vai parar em outras mãos prometidas pra poesia. Parece que essas histórias conversam comigo como se também fossem minhas. De certa forma são. As carrego no esmalte dos dentes, e com elas mordo meus dias e noites de amor e de guerra. Hoje, me alimento delas. Me inspiro, respiro, miro e vou. Você pode vir, pode ir também:
O vento na cara do peregrino
Edda Armas me falou, em Caracas, do bisavô. Era pouco o que ela sabia, porque a estória começava quando ele andava pelos setenta anos e vivia em uma aldeia nos confins da comarca de Clarines. Além de velho, pobre e mambembe, o bisavô era cego. E se casou, não se sabe como, com uma menina de dezesseis. Volta e meia, escapava. Ela, não: ele. Escapava e ia para a estrada. Agachava entre as árvores e esperava um ruído de cascos ou de rodas. E então saía do mato e pedia que o levassem a qualquer lugar. Assim o imaginava, agora, a bisneta: no lombo de uma mula, morrendo de rir pelos caminhos, ou sentado atrás de uma carroça, envolvido por nuvens de pó e agitando, feliz, suas pernas de passarinho.
por Eduardo, o contador das histórias do mundo do lado de cá.