Dona Noeli mora num beco que começa na Rua São Leopoldo, Vila Jardim, em Porto Alegre. Estivemos com ela para um projeto fotográfico com as famílias do bairro.
“Quando eu comprei, isto aqui (este terreno) era uma igrejinha católica. Não era esta casa. Eu comprei mesmo por causa do lugar, não pela casa. Inclusive, quando eu me mudei pra cá, não pude nem colocar a geladeira pra dentro com medo de afundar o assoalho, de tão velha. E depois, passou um tempo, eu consegui deixar ela melhorzinha, melhorei um pouquinho a casa. Esta já é a segunda que eu fiz com casa premontada que eu comprei bem baratinha. Nem era pra ter feito a casa com as madeiras verdes. E fiz logo em seguida que eu comprei, abriu todas as frestas, foi bem mal feito. Essa casinha foi levantada numa tarde de domingo, da uma e meia até às dez da noite, pra nós não ficar na rua. Um senhor veio e disse: ‘Garanto que até às 10 horas da noite a senhora está dentro da tua casa.’ E aí nós começamos. Todo mundo, eu e as gurias, a mãe daquele ali. Cada uma num prego ajudava a botar as madeiras, e o assoalho nós fomos pregando. Olha, todo mundo botou a mão!”
“Tem que tá cuidando quando os guris começam a jogar bola. Me dá um estado de nervo! Ontem mesmo quase a bola pegou num fio. Se pega no fio com força, nós podíamos tudo se queimar. Teve uma noite que foi um sacrifício apagar o fogo nesse poste. A sorte que a minha filha atinou a pedir um sarrafo e bater pra apagar o fogo. Foi batendo e conseguiu apagar. Foi bem encostado da casa, neste poste aqui. Que ia acontecer? A malocada tudo ia morro abaixo. É um perigo…”
“Faz quanto tempo que o DEMHAB ficou de me dar as madeiras pra reformar a casa? Esqueceram de mim?! Eles vieram aqui há pouco tempo, trazendo as coisas do meu filho, o Miro. Eles estiveram aqui e olharam de novo. “A gente vai trazer pro teu filho e depois pra senhora.” Então trouxeram pra minha irmã ali embaixo e nem falaram mais. E eu também larguei de mão. O Leomar que falou com eles a primeira vez. Trouxe eles aqui dentro, me cumprimentaram, eles olharam. E eles se comprometeram. Mas esqueceram de mim…”
Na rua em pedaços, pedaços de casa, Noeli-pedaços junta tábua com tábua, carne com carne, riso com choro. De tantas histórias, um quebra-cabeças, contra o mundo se quebra. Mãe-coração, avó-coração, a mulher pulsa. Uma flor no quintal, as dores secam no varal nos dias de luz. Foto-família é liga, é cimento nas paredes e assoalhos, onde tudo se pisa, todos se pisam, se penduram, se sustentam. Uma casa suspensa na ladeira dos sonhos. O lugar, o tempo, o caminho, a morte, a vida. Noeli-fibra, Noeli-raiz, Noeli-esperança.
Estamos devendo pra ela um vídeo pra levar ao DEMHAB (Departamento Municipal de Habitação) sua denúncia e seu pedido de ajuda.
Fotos de Fernanda Rechenberg, depoimentos de Dona Noeli e nosso texto sobre ela integram o livro Famílias do Jardim
Clique neste link para baixar o catálogo de fotos Famílias do Jardim.