Por Luciana Ballestrin
Muitos de nós ainda não perdemos completamente a capacidade de nos colocar no lugar dos outros. Simpatia, empatia. No ocorrido de hoje em Santa Maria, temos vários “outros” em questão: as vítimas, familiares, amigos, colegas, vizinhos, conhecidos. Fora deste circuito está o resto. As vítimas eram jovens, estudantes universitários; muita vida, sorriso, sonhos, futuro. Quando isso é interrompido estúpida e simultaneamente para 233 pessoas no mesmo lugar, há o choque. Nas mentes, reproduz-se o cenário do horror, do pânico, do caos, da luta para sobreviver, da consciência de estar deixando o mundo sem querer. Pensa-se: tudo podia ser evitado, e se eu ou um dos meus estivessem ali, punição urgente para os “culpados”. O estranho ente “opinião pública” ronda, agora mais pluralizada pelas redes sociais. A mídia hegemônica sempre explorou e espetacularizou a dor e o sofrimento. Nas redes, belas formas de solidariedade e apoio, manifestações psicopáticas, humor deslocado. O sofrimento à distância, dizem, causa solidariedade entre estranhos na sociedade do risco. Mas, a sociedade civil tem o seu limite, a ação não se universaliza, o poder público não pode ser substituído. Como resto, pergunta-se quem são os responsáveis pelo desastre. Fiscalização, prudência, cuidado, o público, o privado. Como socióloga e professora universitária de uma universidade federal do interior do Rio Grande do Sul, imaginei meus estudantes, com os quais volta e meia brigo, ali. Esta imaginação perseguiu o meu domingo, me fez chorar. E sou o resto. Para os outros, imagino, sofrimento não quantificável, dor imensurável, pesadelo sem fim, tristeza beirando à loucura. A luta no luto. Deixo a última frase de Carlos Drummond de Andrade no poema O desaparecimento de Luisa Porto: “já não adianta procurar minha querida filha Luísa que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo com inúteis pés fixados, enquanto sofro e sofrendo me solto e me recomponho e torno a viver e ando, está inerte gravada no centro da estrela invisível Amor”.