IV Fórum Social das Américas

O Coletivo Catarse está na capital do Paraguay realizando a cobertura do IV Foro Social Américas, que reuniu mais de 10 mil pessoas na Marcha de Abertura realizada ontem, 11 de agosto. Diversas organizações sociais da América Latina caminharam mais de 5 km contra as bases militares instaladas na Colômbia. O FSA terá 04 dias de debates com 10 painéis reflexivos e 350 atividades autogestionadas, incluindo a atividade do Coletivo Catarse sobre a importância da comunicação livre e da autogestão democrática como ferramentas de mudança social. O programa do Forum, além dos debates e reflexões, tem como meta a criação do Comitê da Rede de Defesa da Humaninad, que integra intelectuais, artistas, organizações sociais, professores, políticos, campesinos e indígenas. Fotos: Sarah BritoReportagem: Sérgio Valentim

Na cidade, o gado que o patrão abate

7h45min da manhã. Os ônibus entupidos de carne humana correm desesperados pelas ruas. É preciso entregar a tempo a encomenda dos patrões. Gente é servida no café da fábrica. Gente que sangra presa às cadeiras do escritório. Nas salas sem sol, embaixo das lâmpadas fluorescentes, o cheiro triste das almas submetidas, que trocam luz por salário, tempo por produção. Pedaços de sonhos apodrecem a cada hora, nas ligações de negócios que desprezam a vida lá fora. Vão se apagando, carcomidos pelos vermes dos anos vendidos aos interesses do comércio e da indústria. Melhor aceitar a hipnose, garantir o emprego, fazer a prestação. A publicidade já descobriu em que coisas a felicidade se esconde. Agora só falta comprar o carro, o apartamento, a viagem. Ou trocar o tênis, a TV, o telefone. Cada um cabe dentro de seu próprio bolso. Pior acordar, pensar, sofrer, sentir a dor de ser o lucro de alguém. Não há quem não jogue um minuto desse jogo, não sirva ao sistema. Na teia da cidade, o veneno percorre tudo: cada pano sobre o corpo; cada gole tomado na bica; cada pedra que veio pra calçada tem um tamanho, uma marca, um número na contabilidade capitalista. E pra cada cabeça há um tipo de morte, num tempo e lugar que seja. (as fotos foram cedidas pela internet, e livremente adaptadas ao aniquilamento do espírito humano)

Bataclã FC

Ensaio de criação rumo ao terceiro CD… No violão Filipe Narcizo, na percussão Alessandro Brinco, na bateria Lucas Kino, no baixo Marcelo da Redenção e na câmera Têmis Nicolaidis. Casa do Bódi, 2 de agosto de 2010. Acesse o site da banda.

Nossa morte, na morte do touro

Nunca tinha ouvido falar de Ezio Flavio Bazzo, um senhor de cabelos e barbas brancas que escreveu um livro chamado A arte de cuspir (também escreveu outros), e que se apresenta: “Gosto de bisbilhotar a vida dos homens e das mulheres mais bem pagos do planeta. Isto me dá uma visão exata de quanto a terra ainda é um vasto e lúgubre prostíbulo. Sim, um prostíbulo com cinquenta ou sessenta putos cobertos de ouro e com milhões de panacas enterrados na merda…” Nunca tinha ouvido falar até agora, quando recebo um email da Claudia Lulkin com um texto dele. Não gosto de algumas coisas: é preconceituoso, despreza. Mas ajuda a enxergar parte da estupidez humana. A Claudinha, econutricionista vegana e educadora popular que tive a sorte de conhecer este ano, sabe que na morte do touro vai também a nossa: idiotas brincando de lança, sangue e morte. Por isso me entrega o texto, sabe que precisamos de palavras cortantes a se enfiar na carne dessas ideias imbecis que as pessoas reproduzem porque sempre foi assim e porque um dia alguém inventou que o assassinato de touros era cultura, e cultura se repete mesmo se for cruel, porque não é pra pensar, mas fazer e seguir matando e morrendo no prazer de ver a morte. Finalmente proibiram as touradas na Catalunya (para ler na íntegra o texto de Ezio, clique aqui) … Domingo. Dezenove horas em ponto. As arquibancadas estão lotadas. Começam os rituais. O presidente dá o sinal de entrada. Vai iniciar o Primeiro Terço. Bandas, gritos, correrias, portões que se fecham. A troupe de matadores já se exibe na arena, um «não-sei-quê» de afeminado, com calças ridículas e apertadas que lhes salientam as nádegas e os genitais. Ainda não vi o touro, mas já torço por ele. Nas arquibancadas os vendedores de bebidas, chapéus, fotos de toureiros e de postais se apressam. Cada idiota puxa sua câmera fotográfica, seu binóculo, sua filmadora. É necessário registrar a espada enterrada no corpo do touro ou, por que não, os chifres do animal estraçalhando o corpo do toureiro. Sinto que desejaria imensamente assistir a uma tormenta de chifradas, de coices e de imprevistos. Penso involuntariamente em Apis, o touro sagrado dos egípcios. Quando um touro morria e era «entronizado» um novo, era dado às mulheres apenas um período de quarenta dias para visitá-lo. Durante essas visitas elas levantavam as roupas e lhe mostravam a vulva… … Os dois mal encarados que me venderam os bilhetes na rua fumavam como loucos e pareciam ciganos. Os ciganos que Lorca, num surto lirico tanto elogiou em seu Romancero gitano.“El gitano es lo más elevado, lo más profundo, más aristocrático de mi país, lo más representativo de su modo y el que guarda el ascua, la sangre y el alfabeto de la verdad andaluza y universal..”.Verdade ou apenas a velha, frívola e conhecida tapeação dos intelectuais para com os fodidos e condenados da terra? Pelo menos os espanhóis de hoje, esse povo que até bem pouco tempo jogava gatos amarrados nas fogueiras de São João, não pensam e não sentem nada disso a respeito dos ciganos. Pelo contrário, se pudessem, os mandariam de volta para o país idílico e imaginário de onde vieram ou instalariam uma nova Treblinka para eles em algum rincão espanhol. O portão é aberto e um touro mais preto que o azeviche entra em fúria, olhando para todos os lados, dando pequenos saltos como se fosse levantar vôo. Elege uma das bandeiras rosas e dispara contra ela. De seu nariz já escorre um líquido fumegante. Defeca, como se estivesse literalmente cagando para o mundo. Os toureiros se protegem atrás de paredes de cimento e de superstições… Ele ameaça enfiar os chifres no concreto, mas recua… Não é bobo. Os toureiros se exibem. Passos ensaiados para cá, passos ensaiados para lá. Parecem galos de briga depenados. O touro fecha os olhos e se lança sobre a capa vermelha. Não acha corpo algum. Derrapa na areia. Defeca. Dá uma rápida olhada para a platéia. Gritos. Silêncios. Cheiro de merda e de suor. O rabo para cima. Oitocentos quilos de ódio e de fel. A língua para fora. De sua pica escorre um jato de sêmen. Admiro-o por não ter vergonha de suas excrescências… Alguém das arquibancadas pede que o toureiro lhe corte as orelhas. La oreja… la oreja… la oreja… … Nova investida. Os chifres passam a um milímetro das tripas do toureiro. Gritos. Assobios. Aplausos. Uma pequena interrupção para que entrem os dois cavalos, protegidos nas laterais por uma couraça e com vendas nos olhos. O touro se lança sobre um deles, enfia-lhe as duas aspas com tanta fúria que o levanta da areia. O cavaleiro, por sua vez, em seu exercício de crueldade, mete-lhe o arpão no pescoço e o cavalo permanece indiferente, como se não tivesse a mais mínima idéia daquilo que estava acontecendo. Torço cada vez mais para meu herói negro e solitário, mas percebo que já está entregue. Num novo assalto contra o cavalo caí de joelhos… Gritos, xingamentos… É evidente que para o touro esta é uma luta perdida. A organização do espetáculo não permitiria qualquer possibilidade de vitória para ele. Desfilar pela arena com o toureiro espetado nos chifres se esvaindo em sangue seria o fim. Soçobrariam os negócios, o sindicato dos toureiros e o pessoal dos Direitos Humanos iriam a ONU pedir providências. As poucas vezes que houve uma chifrada fatal foi mais por negligência da equipe do que por bravura do touro. Goya desenhou exaustivamente essa barbárie e Lorca a cantou em poemas e em prosa. Picasso e outros espanhóis, apesar do folclore cult que pesa sobre eles, não passaram imunes a esse costume sanguinolento. Rafael Guerra, conhecido por «Guerrita» organizou em 1896 uma espécie de tratado, em 5 vol. sobre a tauromaquia. E um tal de Pascual Millán, em 1888 escreveu em 258 páginas Escuela de tauromaquia de Sevilla y el toreo moderno, o que significa, em última instância, que essa loucura vem …

Último round

Julio Cortázar escreveu em Último round sobre a sílaba viva, as notícias de maio de 68, o turismo pra ver a vida apodrecendo nas praças da Índia, sobre que todo homem é ao mesmo tempo seu sonho. Escreveu também sobre Os amantes : Quem os vê andando pela cidade se estão todos cegos? Eles dão as mãos: algo fala entre seus dedos, línguas doces lambem a úmida palma, correm pelas falanges, e lá em cima está a noite cheia de olhos. São os amantes, sua ilha flutua à deriva rumo a mortes de grama, rumo a portos que se abrem entre lençóis. Tudo se desarruma através deles, tudo tem sua senha escamoteada; mas eles nem mesmo sabem que enquanto rolam em sua amarga areia há uma pausa na obra do nada, o tigre é um jardim que brinca. Amanhece nas carroças de lixo, começam a sair os cegos o ministério abre suas portas. Os amantes esgotados se olham e se tocam outra vez antes de cheirarem o dia. Já estão vestidos, já vão pela rua. E é só então quando estão mortos, quando estão vestidos, que a cidade os recupera hipócrita e lhes impõe os deveres cotidianos.

Povo que não esquece

O que vemos nas ruas de Buenos Aires são inúmeras manifestações contra uma história de opressão, censura e violência. O que se nota, também, são muitas manifestações em relação à política presente. Eles não esqueceram da sua história e da sua maneira continuam lutando… Fotos: Têmis e Gustavo – Buenos aires, janeiro de 2010