Guerra da rua, guerra da alma

Escrever tem sentido? A pergunta me pesa na mão. Se organizam alfândegas de palavras. Para que nos resignemos a viver uma vida que não é a nossa, nos obrigam a aceitar como própria uma memória alheia. Realidade mascarada, estória contada pelos vencedores: talvez escrever não seja mais que uma tentativa de pôr a salvo, em tempos de infâmia, as vozes que darão testemunho de que aqui estivemos e assim fomos. Um modo de guardar para os que ainda não conhecemos, como queria o poeta catalão Salvador Espriú, “o nome de cada coisa”. Quem não sabe de onde vem como pode averiguar aonde vai? Do livro Dias e noites de amor e de guerra, escrito por Galeano.

A alforria de um cooperado

Jefferson é um cidadão comum.Na sua vida batalhou por diversas coisas.Uma delas foi a sua própria educação.Como muitos, embarcou na aventura do crédito educativo – a única alternativa que teve para manter seus estudos em jornalismo.Formou-se, fundou a Catarse.Jefferson continuou pagando, pagando e pagando…Já não pagava mais o justo, mas, sim, o juro – como muita gente neste Brasil.Mas, como honesto que é, continuou pagando, pagando e pagando…Mas Jefferson trabalha – e muito!Jefferson é, também, um sonhador com objetivos bem claros.A Catarse é sua, é sua cara, imagem e semelhança.Pelas suas forças e pelas forças de seus colegas, Jefferson quitou sua dívida com os escravistas modernos das financeiras que pipocam por aí.Ficou a dívida com a cooperativa, sua segunda casa, que não cobrou um centavo sequer de juro – até porque Jefferson não poderia cobrar juro de Jefferson.Ontem, no dia 1º de abril de 2010, Jefferson se sentiu mais livre, mais leve.Conseguiu pagar a última parte daquilo que devia para quitar 15 anos de prestações do seu diploma.Jefferson é muito mais jornalista, profissional, do que o curso que ele fez o pretendia fazer.Jefferson pagou muito mais do que deveria pagar.Mas cumpriu o seu compromisso, por justo que é.Não fosse a Catarse, onde estaria Jefferson hoje?Oras, Jefferson É a Catarse.Todos nós somos Jefferson!!! Esta é uma homenagem de seus colegas, meu amigo!Parabéns!!! obs: este foi o brinde com umas cervejas artesanais sensacionais que tomamos na Toca do Vice (VInho e CErveja), clique aqui para conhecer, vale muito a pena!

Grande parte deste vídeo foi filmado pelas crianças do Ventre Livre, editado pela Catarse e representa um trabalho de 9 meses neste Ponto de Cultura.

Coletivo Catarse com ONG ANAMA no Programa Petrobras Ambiental

A ONG ANAMA, de Maquiné, foi selecionada no Edital 2008 do Programa Petrobras Ambiental, com o projeto de Recuperação de áreas degradadas da sub-bacia do rio Maquiné, sendo um dos dois contemplados no Rio Grande do Sul. Os recursos foram disponibilizados no início deste ano. Vá para o site da ANAMA! Para desenvolver as ações de Comunicação, a ANAMA contratou o Coletivo Catarse, que será responsável pela realização de um vídeo educativo, pela criação de todas as peças gráficas, edição de livro e cartilha, produção de boletins informativos trimestrais e atualização do site da ONG, onde você já pode encontrar informações sobre: – a reforma do viviero da Fepagro onde serão abrigadas as mudas que reflorestarão a mata ciliar e a germinação das primeiras sementes de árvores nativas;– o mestre do Terno de Reis de Maquiné que foi contemplado com o Prêmio Culturas Populares 2009, do MInistério da Cultura;– a oficina sobre biofertilizantes que reuniu diversos agricultores da encosta da Serra que estão interessados em transitar para a agroecologia;– baixar o livro “História Natural e Cultural de Maquiné”;– visualizar o Guia de Ecoturismo de Maquiné– y otras cositas más. Clique aqui e navegue por lá! Sobre o Petrobrás Ambiental:Este projeto reflete um anseio da comunidade, em especial daquela diretamente envolvida com o rio. As ações propostas pelo projeto foram debatidas em diversas instâncias institucionais que representam a comunidade, além de visitas específicas com agricultores proprietários de terras que margeiam o rio. Nascendo de uma demanda social e ecológica, são previstas ações nas quais a comunidade também é protagonista, participando desde a coleta de sementes para produção de mudas, cursos até o efetivo plantio e monitoramento”, explica seus coordenadores. Devido às situações complexas envolvendo eventos climáticos extremos, relevo com alta declividade e desmatamentos, esta sub-bacia apresenta-se comprometida em sua qualidade ambiental, com o rio assoreado e ausência de mata ciliar. Pela sua importância ecológica regional e social, necessita de ações urgentes para reverter ou minimizar esse quadro.Para intervir nesse ambiente, adotamos a visão ecossistêmica e propomos ações conjugadas e complementares: a) reflorestamento conforme processo de sucessão ecológica, com espécies pioneiras e secundárias em áreas desnudas e adensamento com espécies climax em áreas florestadas (25.000 mudas);b) manejo racional de abelhas nativas, responsáveis pela polinização da floresta;c) proteção das margens e encostas (2500m) com material retirado do próprio leito do rio;d) programa de educação ambiental para 205 pessoas, com dias de campo com alunos, professores e agricultores, além de cursos de ecologia florestal e manejo de abelhas nativas. Foto: Dilton de Castro [Equipe do Coletivo Catarse entrevista agricultor em área assoreada do Rio Maquiné]Logomarca: criação Coletivo Catarse

Suíte Senzala

A realização deste documentário sobre o Tambor de Sopapo vem surpreendendo a quem está se envolvendo. Por um lado já imaginávamos – e nos propusemos a tal – que iríamos encontrar um sem número de histórias envolvendo a matriz negra da história do Rio Grande do Sul. Agora, para o que não estávamos preparados era encontrar e descobrir o que realmente estamos desvendando aos poucos. O Sopapo, instrumento lindo, mítico, carrega na sua genética não parte, mas a própria história do que aconteceu nesta região das Américas.Pelotas hoje é uma cidade estagnada, com uma nuvem de energia latente que paira sobre as cabeças de quem vive ali, algo pulsante, vivo, obscuro. E o Sopapo vem tocando e registrando este caminhar há séculos, até parar e se esconder para retornar como parte do profano – do sagrado, do elemento espiritual que acompanhava os escravos, ao profano das festas de carnaval.E Pelotas calou sua própria história.Os negros não queriam contá-la, pois desejavam se esquecer e não perpetuar com lembranças período tão sombrio, por isso passaram apenas a bailar no toque do tambor, tão lindo, tão retumbante e ressoante, que se bate com as mãos tocando o couro do animal sacrificado para a consagração da carne.Os brancos trataram de apagá-la pelos seus interesses de manutenção da ordem. Seu poder sobre os negros se mantinha, assim, intacto, mesmo sem a escravidão legalizada, sobre a nova ordem da escravidão social. Os brancos criaram seus heróis assassinos, um hino mentiroso e uma bandeira que se diz verde e amarela riscada pelo vermelho do sangue dos heróis farroupilhas, sem dizer que este sangue, este líquido sagrado derrubado a troco de nada nas terras gaúchas, é dos negros, dos escravos que encamparam a luta dos oligarcas das charqueadas pela sua própria liberdade, tendo sido traídos friamente pelas mãos daqueles que hoje dão nomes às ruas de todas as cidades do estado. Foram massacrados para que não voltassem à terra em onde trabalhavam para reinvindicar, enfim, seus direitos de homens livres.Hoje, Pelotas purga e cala esta história. Ouça mais uma música que será trilha do filme, na voz da cantora pelotense Giamarê, gravada em uma versão demo no estúdio da Casa Brasil Dunas (foto).

Lembrança dos crimes da ditadura militar: fazei isso em memória delas

por José Ribamar Bessa Freire São mulheres de diferentes cidades do Brasil. Algumas amamentavam. Outras, grávidas, pariram na prisão ou, com a violência sofrida, abortaram. Não mereciam o inferno pelo qual passaram, ainda que fossem bandidas e pistoleiras. Não eram. Eram estudantes, professoras, jornalistas, médicas, assistentes sociais, bancárias, donas de casa. Quase todas militantes, inconformadas com a ditadura militar que em 1964 derrubou o presidente eleito. Foram presas, torturadas, violentadas. Muitas morreram ou desapareceram lutando para que hoje nós vivêssemos numa democracia. As histórias de 45 dessas mulheres mortas ou desaparecidas estão contadas no livro “Luta, Substantivo Feminino”, lançado quinta-feira passada, na PUC de São Paulo, na presença de mais de 500 pessoas. O livro contém ainda o testemunho de 27 sobreviventes e muitas fotos. Se um poste ouvir os depoimentos dilacerantes delas, o poste vai chorar diante da covardia dos seus algozes. Dá vergonha viver num mundo que não foi capaz de impedir crimes hediondos contra mulheres indefesas, cometidos por agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte. Rose Nogueira – jornalista, presa em 1969, em São Paulo, onde vive hoje. “Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Segurei os seios, o leite escorreu. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele (delegado Fleury) ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’”. Izabel Fávero – professora, presa em 1970, em Nova Aurora (PR). Hoje, vive no Recife, onde é docente universitária: “Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico. Fomos literalmente saqueados. Levaram tudo o que tínhamos: as economias do meu sogro, a roupa de cama e até o meu enxoval. No dia seguinte, eu e meu companheiro fomos torturados pelo capitão Júlio Cerdá Mendes e pelo tenente Mário Expedito Ostrovski. Foi pau de arara, choques elétricos, jogo de empurrar e ameaças de estupro. Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara, ameaça de estupro e insultos, eu abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar”. Hecilda Fontelles Veiga – estudante de Ciências Sociais, presa em 1971, em Brasília. Hoje, vive em Belém, onde é professora da Universidade Federal do Pará. “Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer’. (…) me colocaram na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à ‘tortura cientifica’. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia. Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição de Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia”. Yara Spadini – assistente social presa em 1971, em São Paulo. Hoje, vive na mesma cidade, onde é professora aposentada da PUC. “Era muita gente em volta de mim. Um deles me deu pontapés e disse: ‘Você, com essa cara de filha de Maria, é uma filha da puta’. E me dava chutes. Depois, me levaram para a sala de tortura. Aí, começaram a me dar choques direto da tomada no tornozelo. Eram choques seguidos no mesmo lugar”. Inês Etienne Romeu – bancária, presa em São Paulo, em 1971. Hoje, vive em Belo Horizonte. “Fui conduzida para uma casa em Petrópolis. O dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores, arrastou-me pelo chão, segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou me estrangular e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam- me e deram-me pancadas na cabeça. Fui espancada várias vezes e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios. O ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se o ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Esse mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante esse período fui estuprada duas vezes pelo ‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”. Ignez Maria Raminger – estudante de Medicina Veterinária presa em 1970, em Porto Alegre, onde trabalha atualmente como técnica da Secretaria de Saúde. “Fui levada para o Dops, onde me submeteram a torturas como cadeira do dragão e pau de arara. Davam choques em várias partes do corpo, inclusive nos genitais. De violência sexual, só não houve cópula, mas metiam os dedos na minha vagina, enfiavam cassetete no ânus. Isso, além das obscenidades que falavam. Havia muita humilhação. E eu fui muito torturada, juntamente com o Gustavo [Buarque Schiller], porque descobriram que era meu companheiro”. Dilea Frate – estudante de Jornalismo presa em 1975, em São Paulo. Hoje, vive no Rio de Janeiro, onde é jornalista e escritora. “Dois homens entraram em casa e me sequestraram, juntamente com meu marido, o jornalista Paulo Markun. No DOI-Codi de São Paulo, levei choques nas mãos, nos pés e nas orelhas, alguns tapas e socos. Num determinado momento, eles extrapolaram e, rindo, puseram fogo nos meus cabelos, que passavam da cintura”. Cecília Coimbra – estudante de Psicologia presa em 1970, no Rio. Hoje, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e professora de Psicologia da Universidade Federal Fluminense: “Os guardas que me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam minha fragilidade e constantemente praticavam vários abusos sexuais contra mim. Os choques elétricos no meu corpo nu e molhado eram cada vez mais intensos. Me senti desintegrar: a bexiga …