A reforma agrária só vai acontecer se o latifúndio estiver de acordo

Quinta-feira, 24 de julho, 13h. Depois de dois dias e meio de marcha, mais de 600 integrantes do MST chegavam à sede do INCRA, em Porto Alegre, para reivindicar o atendimento de um acordo que prevê assentar duas mil famílias no Rio Grande do Sul ainda este ano. O primeiro prazo, de assentar mil famílias até abril, não foi cumprido. A marcha começou cedo, antes das 7h. A alvorada no ginásio da Federação dos Metalúrgicos de Canoas foi às 4h. No meio da manhã, quando entravam em Porto Alegre, os trabalhadores foram recebidos por um enorme contingente armado da Brigada Militar. Todos foram revistados, muitos colocados contra a parede, seus pertences vasculhados, mesmo que se soubesse que nada “perigoso” seria encontrado, como não foi. Quando a marcha foi interrompida pela polícia, os jornalistas das grandes empresas de comunicação estavam lá para captar que os sem terra seriam abordados como criminosos. Nas notícias que escreveram depois não estranharam isso. Pareceu-lhes justo ou normal. O que suas imagens e textos nunca registram é que esses trabalhadores organizados, homens e mulheres humildes, são humilhados pelas forças de segurança. São oprimidos. O noticiário os confunde (e é impossível acreditar que faça isso inocentemente) com pessoas oportunistas e violentas, mesmo quando são vítimas do oportunismo do sistema e da violência de estado. As iniciativas do jornalismo independente, sejam elas tocadas por jornalistas formados ou não, acabam sendo, quase sempre, os únicos espaços em que movimentos sociais que contestam a estrutura e a lógica do sistema podem expor suas verdades. Naquele dia, enquanto a mídia corporativa selecionava uma ou outra declaração oficial recolhida às pressas, preparando as informações que iriam novamente envenenar a opinião da população contra um movimento popular legítimo; no momento em que o superintendente Mozart Dietrich explicava a dezenas de integrantes do MST, no auditório do oitavo andar do INCRA, que está tentando adquirir áreas para assentamentos, mas que não pode divulgá-las nem para o próprio Movimento, com receio de que a informação chegue aos latifundiários e que eles estraguem as negociações, pressionando os fazendeiros a não venderem as terras, como já fizeram antes, duas jovens lideranças do MST estadual participavam, por uma hora e meia, de uma espécie de entrevista coletiva informal concedida a seis blogs gaúchos. Uma conversa franca, aberta, reveladora. Dessas que nunca chega à população pelas páginas dos grandes jornais e revistas. Contraditoriamente ou não, foi numa sala cedida pelo Sindicato dos Jornalistas, no centro da cidade, onde encontramos Gilson, filho de assentados, 23 anos de idade e desde os quatro vivendo em acampamentos e assentamentos, e Cristiane, também filha de assentados e há dois anos acampada em Tupanciretã, formada numa escola do Movimento em curso técnico agropecuário, com habilitação em agroecologia, ambos integrantes do setor de frente de massa do MST. Entrevistadores: Gustavo Türck (Alma da Geral); Claudia Cardoso (Dialógico); Wladimir Ungaretti (Ponto de Vista); Hélio Paz (Resistência pós-moderna); Rodrigo Cardia (Cão Uivador) e Jefferson Pinheiro (Agência Subverta!). As fotos, que acompanham a entrevista abaixo, são uma seqüência de acontecimentos durante a marcha, desde a saída do acampamento em Nova Santa Rita até a hora em que os sem terra deixaram o Incra, depois de ocuparem o prédio por oito dias. Gustavo (Alma da Geral): Você está a quanto tempo no Movimento? Gilson (MST): Eu tinha quatro anos de idade… Hoje tenho 23 anos. Gustavo: Então você praticamente cresceu dentro do Movimento… Gilson (MST): Exatamente. Cristiane (MST): Antes de ir acampar eu morava com meu pai, que também é assentado há uns oito anos, na cidade de Jóia. Gustavo: Qual a finalidade da marcha e a necessidade de fazer pressão in loco no INCRA? Cristiane (MST): O principal objetivo desta marcha que iniciamos em Nova Santa Rita é vir até o INCRA cobrar aquele acordo que fizemos no final das marchas do ano passado, quando íamos rumo a Coqueiros do Sul. O INCRA e o Ministério Público Estadual assinaram esse acordo de assentar mil famílias até abril, duas mil famílias até o final do ano. E nós já passamos da metade do ano e ele ainda não cumpriu nada. Gustavo: Vocês têm informação da quantidade de famílias, que desse acordo eles assentaram? Cristiane (MST): Saiu agora uma área pequena em são Gabriel, que cabe no máximo 40 famílias. Ungaretti (Ponto de Vista): Nós estamos num processo eleitoral e ontem eu fotografei todos os candidatos a prefeito dessa cidade, com seus respectivos cabos eleitorais, dentro da Federasul, uma entidade patronal, e nenhum deles recebeu, como candidato, os integrantes do Movimento que entraram na cidade de Porto Alegre. O que vocês acham disso? Gilson (MST): No planejar a marcha nesse momento eleitoral, pensamos: nós podemos sair às ruas, erguer as bandeiras, dialogar com a sociedade, fazer o debate. Estamos num momento eleitoral em que muitas forças e entidades da esquerda estão envolvidas nas campanhas… Sobre o fato de não nos receberem, nós do Movimento Sem Terra apostamos no Lula e ele não deu retorno nenhum pra nós. Chegamos até a dizer que ele traiu a classe trabalhadora. Portanto, dali pra frente (da sua eleição), não apostamos mais em candidato e não acreditamos mais em mudanças radicais através apenas do voto – no supermercado Nacional, que nós íamos fazer um ato em frente, nós estávamos denunciando o capital, então veio a repressão – é necessário outro argumento, fazer um outro fato da democracia, além do voto. Porque pelo voto, pelos candidatos, pelos governos não se pauta e não se faz nada da classe trabalhadora, dos pobres e dos oprimidos. Ungaretti: Eu acompanhei a marcha e percebi que a imprensa, a mídia corporativa, só estava presente exatamente no momento em que a Brigada Militar começa a revista. Ela não acompanhou a marcha, só está presente num ato de revista de vocês. E, como jornalista tenho uma opinião por que isso acontece dessa forma. E mesmo que possa parecer óbvia a pergunta e a resposta, eu gostaria de escutar, vocês estão enxergando a forma como a mídia corporativa, a grande mídia faz …

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