Lideranças Guarani exigem ações da FUNAI no RS

Documento final da reunião de lideranças Guarani no Rio Grande do Sul, junho de 2010: Nós, lideranças das aldeias Guarani de Passo Grande, Petim, Coxilha da Cruz, Água Grande, Pacheca, Itapuã, Lami, Estiva, Lomba do Pinheiro, Varzinha, Arroio Divisa, articuladas através da CAPG – RS (Conselho de Articulação do Povo Guarani-RS), nos reunimos nos dias 08, 09, 10, 11 de junho na área indígena Flor do Campo, em Passo Grande, município de Barra do Ribeiro – RS para tratar dos problemas que afetam nosso povo. A reunião teve como eixos de reflexão: a morosidade dos poderes públicos no desenvolvimento das políticas de assistência, uma vez que estas deveriam ser efetuadas de forma eficiente e continuadas nas comunidades Guarani no estado do Rio Grande do Sul; às questões fundiárias, em especial a demora nas ações de demarcações das terras; os impactos que as duplicações das BRs 116 e 290, projetadas pelo governo federal, causarão sobre as nossas comunidades, que vivem nas margens destas rodovias. Queremos ressaltar que na região de abrangência direta e indireta das duplicações das duas rodovias federais estão sendo desenvolvidos os trabalhos de identificação e delimitação das terras de Arroio do Conde, Petim, Passo Grande, Ponta da Formiga, Itapuã e Morro do Coco. Além destas áreas, que estão sendo estudadas por dois GTs, é necessário que a Funai cumpra com sua obrigação e constitua um outro grupo de trabalho para identificação e delimitação das terras do Lami, Estiva, Capivari e Lomba do Pinheiro. Este grupo de trabalho deveria ter sido criado pela Funai em 2009, no entanto o órgão indigenista vem protelando esta decisão. Nós reivindicamos também que seja retomado o procedimento de demarcação da terra de Irapuã localizada nas margens da BR 290, entre os municípios de Caçapava e Cachoeira do Sul e que foi paralisando há quase uma década, sendo que desde então as nossas famílias permanecem na beira da estrada sem ter a possibilidade de entrar na terra tradicional e lá construir uma vida mais digna. Nós lideranças Guarani exigimos que: – sejam demarcadas todas as nossas terras Guarani conforme determinação Constitucional; – seja assegurado, pela Funai, o bom êxito dos trabalhos de identificação e delimitação das áreas em estudo, uma vez que existem grandes pressões de autoridades e da mídia local contra os trabalhos dos GTs; – seja criado imediatamente o GT para as terras de Capivari, Estiva, Lomba do Pinheiro e Lami; – sejam retomados os estudos de identificação e delimitação da terra de Irapuã; – sejam retirados os ocupantes não indígenas da terra do Cantagalo, que foi homologada, no entanto a Funai e o Incra não procederam aos estudos para efetuar o pagamento das benfeitorias de boa fé e o reassentamento das famílias; – sejam respeitas e assumidas as propostas das comunidades Guarani que estão sendo encaminhadas ao Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte – DNIT quanto as compensações e mitigações pelos impactos que as duplicações irão causar sobre as terras e sobre a vida dos Guarani. Passo Grande, 11 de junho de 2010. Conselho de Articulação do Povo Guarani-RS Não esquecemos como o Estado do RS desrespeitou, humilhou e foi violento com o povo Guarani há dois anos. O vídeo é um exemplo de como as populações indígenas são freqüentemente tratadas pelas autoridades em nosso país: Mais sobre o que aconteceu no dia primeiro de julho de 2008, clique aqui.

A história da água potável (The Story of Bottled Water)

Indicação de Jacques Saldanha, permanente colaborador do Coletivo, editor do site Nosso Futuro Roubado. Dos mesmos produtores que “História das Coisas”Lançado em março de 2010, o filme The Story of Bottled Water explora ao longo de sete minutos os ataques da indústria de garrafas d’água sobre a água de torneira, bem como o uso de sedutoras campanhas publicitárias com motivos supostamente sustentáveis para encobrir as montanhas de lixo de plástico que produzem. Nos Estados Unidos, mais de meio bilhão de garrafas d’água são consumidas semanalmente. A conclusão do filme convida os espectadores a consumir água de torneira, não apenas assumindo um compromisso pessoal de evitar a água de garrafa, mas também cobrando investimentos que disponibilizem água de torneira potável para todos. Visite o site oficial: https://storyofstuff.org/bottledwater/ Padrões de manipulação na grande imprensa: a inversão Como filiados de carteirinha ao Centro de Estudos Comparados das Sacanagens da Mídia Corporativa, não poderíamos perder a oportunidade para relacionar o recado do filme ao caderno Planeta [Sustentabilidade e Meio Ambiente], do O Estado de S. Paulo, edição especial sobre água, de 22 de março de 2010 [que estava na gaveta esperando um boa oportunidade]. Reparem o título da contracapa ao lado: “Não basta matar a sede. Tem de ter grife” e preço$ das garrafas [clique na imagem]. E o destaque: “Marketing, tradição, acidez e quantidade de bolhas transformam garrafinhas d’água em um mercado bilionário”. Mas logo abaixo do destacado blábláblá consumista está o assunto que realmente interessa e que deveria estar como destaque da página: “É hora de fugir do engarrafento”, entrevista com a jornalista americana Elizabeth Royte, autora do livro How water went on sale and why we bought it, algo como Loucos por água – Como a água passou a ser vendida e por que nós a compramos [imagem abaixo]. Para o professor Perseu Abramo, padrão de inversão é o que “opera o reodernamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas partes, a substituição de umas por outras e prossegue, assim, com a destruição da realidade original e a criação artificial de outra realidade. É um padrão que opera tanto no planejamento como na coleta e na transcrição das informações, mas que tem seu reinado por excelência no momento de preparação e da apresentação final, ou da edição, de cada matéria ou conjunto de matérias” [do livro Padrões de manipulação na grande imprensa, editora Fundação Perseu Abramo, página 28]. “É hora de fugir do engarrafamento de água”“Eu me sinto uma idiota comprando água engarrafada”, diz a jornalista americana Elizabeth Royte, autora do livro: Bottlemania – How water went on sale and why we bought it (Loucos por água – Como a água passou a ser vendida e por que nós a compramos)”. Sua inspiração veio do fato do mercado de água engarrafada ser o que mais crescia entre as bebidas, “Comecei a pensar como a gente chegou a o ponto de ter 50 bilhões de garrafas descartadas por ano nos EUA” disse Elizabeth em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. Ela explica que antes do uso de cloro no sistema de tratamento público, fazia sentido comprar garrafas de água, mas com a chegada de água tratada nas casas das grandes cidades, o mercado mudou. “Foi nos anos 80 que criaram a idéia de que era fundamental para a saúde beber muita água. ‘Uma ação esperta do marketing desta indústria”. Com a cultura de beber tanta água durante o dia veio a importância da portabilidade da mesma. “Nos anos 90 a Coca-Cola e a Pepsi perceberam que estavam perdendo espaço para este mercado e na época elas vinham sendo criticadas por estimular consumo de refrigerantes. Decidiram então, entrar neste mercado. E elas tinham muito dinheiro para investir em propaganda. “Foi aí que a água engarrafada ganhou um grande empurrão”, revela Elizabeth. A jornalista conta que bebe a água da torneira de sua casa e aconselha a todos a fazerem o mesmo. Para quem ficar inseguro com essa opção, ela sugere levar uma amostra da água para um laboratório. Se a qualidade não for comprovada, a americana defende o uso de um filtro. “Aí basta comprar uma garrafa reutilizável e levá-la sempre, assim como seu celular e suas chaves. Não é preciso comprar água privatizada em pequenas garrafas de plástico!”

A agricultura e o Código Florestal* – será só isso?

Na semana de repercussão sobre projeto para alterar o Código Florestal prioritariamente aos interesses da agricultura comercializada, as fotos da postagem logo abaixo sobre o Rio Maquiné denunciam um dos pontos mais critcados do relatório apresentado pelo deputado Aldo Rebelo [PC do B-SP] na comissão especial da Câmara dos Deputados: a redução de 30 para 7,5 metros a área mínima de preservação ambiental às margens dos rios. Um trabalho dos ruralistasO texto do deputado comunista, considerado “o pior retrocesso ambiental dos últimos 45 anos da história do país”, foi um serviço cobrado dos cofres públicos pela advogada e consultora jurídica da frente parlamentrar do agronegócio Samanta Piñeda. O pagamento de R$ 10 mil está registrado em duas parcelas iguais de R$ 5 mil divididas entre os gabinetes de Rebelo e do presidente da comissão especial, Moacir Micheletto [PMDB-PR], via verba indenizatória a que os deputados têm direito para o funcionamento de seus gabinetes. As informações são do O Estado de S. Paulo, terça-feira, 8 de junho. *O título da postagem é reprodução do artigo de Aldo Rebelo e explicita a conveniência do deputado com as demandas da política mercantil para o meio ambiente imposta pelos ruralistas.Será mesmo que existe escassez de terras agricultáveis no Brasil? Ou um bloqueio à expansão do agronegócio? É o Código Florestal que coloca os produtores rurais na ilegalidade? Não seria a Bolsa de Valores de Chicago?O maior problema ambiental brasileiro é a questão fundiária. Mesmo que todos os produtores rurais regularizassem suas terras e obedecessem ao Código Florestal, ainda existiriam 100 milhões de hectares de vegetação não protegidos ambientalmente e que podem, portanto, sofrer com desmatamentos. O levantamento faz parte de um estudo elaborado pela Universidade de S. Paulo com a de Chalmers, na Suécia, usando os dados oficiais mais recentes [Probio, do MMA; Inpe e Imazon].

Maquiné está com sistema ecológico degradado

O Rio Maquiné apresenta dezenas de trechos comprometidos em sua qualidade ambiental, com leito assoreado e margens desprovidas de vegetação ciliar. Pela importância ecológica regional e social, o rio necessita de ações urgentes para reverter ou minimizar esse quadro. Localizada entre a escarpa do Planalto [Serra do Mar] e o Oceano Atlântico, a bacia hidrográfica do Maquiné possui 422km2, com grande diferença de altitude entre a nascente e a foz, em torno de 800m, com média de volume de chuvas anuais em torno de 2.000 mm e uma capacidade expressiva de água transportada. Por isso, constrói extensas planícies de sedeimentos que são intensamente exploradas para o uso agrícola. O projeto da ONG ANAMA de Recuperação de Áreas Degradadas, patrocinado pelo Programa Petrobras Ambiental, contratou a empresa Âmbar, que prepara o diagnóstico para intervir no rio. Na entrevista mais abaixo, a geóloga Adriane Venzon faz uma avaliação sobre as primeiras visitas de reconhecimento. Partindo de uma visão sistêmica, onde água-solo-floresta-clima estão relacionados, estão sendo realizadas ações específicas em 25 pontos críticos do rio, num total de 2.500 metros de extensão: no ambiente de leito, onde há acúmulo de seixos e cascalhos, o excesso desse material será removido e utilizado para contenção dos desbarrancamentos e caso ainda haja excesso para calçamento de vias públicas. Nas margens dessas áreas, no ambiente de terra, será feito reflorestamento com espécies nativas encontradas na região. Todas essas ações estão sendo apresentadas à comunidade e são licenciadas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam/RS), que colaborou desde a elaboração do projeto. ***EntrevistaQuais foram os trechos visitados?Os seis trechos iniciais localizados na parte do rio que atravessa a área urbana, em direção à montante. São trechos importantes, que serão os primeiros a serem trabalhados. Você poderia descrever a situação das áreas?Me chamou atenção o assoreamento do rio, em especial dois trechos acima, onde o canal original está bastante desviado e já corre por dois caminhos. E a questão das margens que estão também bastante degradadas, o que facilita processos erosivos. Que tipo de uso da terra pode ter levado a essa situação?Ali é uma região muito conhecida pelo plantio de hortifrutigranjeiros e no decorrer dos anos foi feita uma ocupação das Áreas de Preservação Permanente do rio. Mas não foi somente o fator antrópico, ele se soma ao natural, que é o assoreamento da calha do rio, o que leva à alteração do comportamento hidrodinâmico do seu fluxo e faz com que ocorram erosões nas margens. Que tipo de ações e intervenções o projeto prevê para a recuperação dessas áreas?Estamos ainda fazendo um reconhecimento. Sabe-se que serão trabalhados 25 trechos, que já estão pré-selecionados, mas para serem executados dependem da concordância dos proprietários. Então, isso também depende da receptividade deles – pelas informações, tem sido boa, com planejamentos de 20, 30 metros de trechos onde vai ser permitida a recuperação da mata ciliar.O desassoreamento será feito através da limpeza da calha do rio, com equipamentos apropriados, dentro dos critérios ambientais, para normalizar seu fluxo. Porque em vários trechos ele represa, o que provoca as cheias. No momento em que ele perde o fluxo e a velocidade, na incidência de chuvas de precipitação muito alta, fatalmente vai extravasar. Depois dessa primeira etapa de reconhecimento, qual a próxima fase do projeto?Parte técnica de levantamento específico para cada trecho. Fazer o diagnóstico e apresentar para a Fepam. E obter a licença de instalação que dará possibilidade de realizar a intervenção. O que te chamou mais atenção até agora?Foi a consciência dos proprietários do entorno do rio. Eles entendem que temos que tentar recuperá-lo, para evitar os efeitos das cheias que acabam por atingir direto aos que vivem na margem. Tem sido feito um trabalho, nesse sentido, muito positivo. Depoimentos de agricultores atingidos pelo assoreamento: José Ervino Jacob – da Linha FagundesLogo que eu vim morar aqui, há 30 anos, o canal do rio era aqui. Nos últimos dez anos é que se formou essa ilha, com as pedras se amontoando no meio do leito. Isso dividiu o rio em dois canais e arrombou a estrada que passa aqui ao lado. A prefeitura foi colocando essas pedras para as margens, mas abriu um canal muito pequeno, então, aterrou novamente. Essa árvore foi arrancada dos barrancos e parou aqui, mas essa é só um exemplo, porque o que desce de árvore quando dá enchente… E uma árvore do tamanho dessa, aqui nesse ponto, represa muito mais pedra. Elton Bopsin – da Linha CachoeiraQuando eu era pequenote, o rio tinha outra formação, com seus contornos bem marcados. Nos últimos 20 anos as pedras foram acumulando, alterando o curso e agredindo os barrancos, com a força da água cada vez mais forte. E ninguém sabe de qual maneira ele pode vir a ficar mais para a frente. O tempo é o resultado disso e se querem melhoria é preciso preservar as margens, mas a prioridade é a canalizacão do rio, aprofundando a calha e fazendo com que a água não escorra para fora do leito. Eu defendo isso como um primeiro passo, até que me provem o contrário. Reflorestar, hoje, vai demorar para dar resultado e, nesse tempo, o rio pode comer mais um tanto de barranco. Por Julia Aguiar e André de OliveiraFotos: Dilton de Castro / ANAMA

Nora e o morro

Nora-morro, com megafone, na rua, no palanque, na viela, estralando pipoca e gargalhando com as crianças, gritando, sorrindo e caminhando, nascida com o sol e fecundada pela terra. Como disse um morador, lá no morro as raízes das pessoas se confundem com as raízes das árvores. Nora-pedra, encravada, não está em cima do morro, mas dentro dele, assim como ele está dentro dela.

Aprender a viver na cidade

A Cris Rodrigues, do blog Somos Andando, conversou com o geólogo Rualdo Menegat, professor do Instituto de Geociências da UFRGS e doutor na área de Ecologia da Paisagem. Partindo do Morro Santa Tereza, as questões nos fazem pensar que precisamos aprender a viver na cidade, que é mais do que sobreviver. O caminho não é individual, não é o egoísmo. Qualquer saída para o caos é coletiva. Tem que haver respeito pela diversidade, pela biodiversidade. Mais, tem que haver empenho em preservá-la. Precisamos de espaços de respiro, onde ainda possamos alimentar nossa humanidade, seja aliviando os olhos com uma mancha verde ainda não concretada, um tempo pra um chimarrão na frente de casa com os vizinhos ou se encantar com o sabiá distraído no galho de uma pitangueira. Se não nos interessa mais essa sintonia, se não conseguimos compreender que existem interesses vitais e anteriores aos do mercado imobiliário, bem, aí já nos quebramos. A entrevista completa está publicada no Sul21. Recortamos uns trechos pra você ler aqui também, porque a prosa está muito boa. Mas se quiser entender tudo dentro do contexto, precisa ir lá. Pode-se discutir a relação do Morro Santa Tereza com a cidade pontualmente, ou a discussão é mais ampla e aprofundada? …Para a megacidade de Porto Alegre não faz falta nenhum edifício que a torne mais atrativa, mais bonita, mais interessante, ela não precisa de novas construções arquitetônicas para conseguir atrair investimentos. Nós já somos 4,5 milhões de habitantes (Região Metropolitana) numa enorme plataforma de concreto que não precisa mais de edificações. Cada metro quadrado de área verde, isso sim, ela precisa. Seus estoques ambientais estão no limiar, reduzidíssimos, porque os processos da megacidade são muito rápidos. De que forma esse pedacinho de Porto Alegre, o Santa Tereza, se insere nesse contexto da megacidade? Qual a importância dele nesse contexto? Assim como a megacidade tem seus ícones arquitetônicos, urbanísticos… da mesma maneira nós precisamos dos nossos ícones ambientais. Não é que não pode existir cidade, não é mais essa a nossa visão. O que nós não podemos mais admitir é uma cidade como se ela fosse uma cápsula fechada, que exclui, que varre de si a natureza, mas como um ambiente capaz de interagir com a natureza. E esse ambiente é ao mesmo tempo ambiental e cultural. Qual é a importância ambiental de manter essas manchas? Entendendo esse sítio como parte de uma megacidade, ou seja, que sofre uma pressão imensa. Então nós temos que ter uma estratégia ambiental e cultural, senão ela soçobra. Se for só ambiental, vão ficar meia dúzia de ecologistas se desesperando para defender o impossível. Temos que entender a margem do Guaíba como um corredor ecológico, ambiental e também cultural, porque o Guaíba pode ser um local de fruição, de prazer. E com isso nós culturalmente sinalizamos que a água do Guaíba é importante. Essa é a primeira conectividade. A segunda é a dos morros. Essas manchas dos morros podem se comunicar entre si e com o corredor da margem. O Morro Santa Teresa tem importância ecológica e ambiental em termos de sustentação das outras manchas. Hoje a cidade vê como ameaça a defesa dos nossos estoques ambientais. Mas nós é que estamos ameaçados por essa cidade, as pessoas sentem que ela está violenta, parada, desleixada, caótica, e as pessoas tendem a se perguntar por quê. O Jornal do Comércio fez um levantamento que em quatro meses foram aprovados 1.289 projetos imobiliários em Porto Alegre, com 1,5 milhão de metros quadrados de área construída. Que consequências isso traz? Desastrosas. A cultura humana está empobrecendo, como se nós estivéssemos lobotomizando aquilo que define a essência do ser humano, que não é andar sobre duas pernas, não é só ter um cérebro grande. O que é essencial é a capacidade desse indivíduo bípede, com seu cérebro, de interpretar a paisagem e transformar essa interpretação em cultura, em instrumentos que lhe possibilitam sobreviver. Se eu estou transformando a paisagem num imenso monólogo, numa mesma linguagem que nada informa, bom, eu estou conduzindo esse cérebro ao seu embotamento. E de quem é a responsabilidade por a gente ter chegado a esse ponto? Essa responsabilidade é muito grande, então nós vamos dizer que ela é uma responsabilidade civilizatória. O problema não é dessa cidade nem daquela, não é desse país nem daquele. O elemento operador dessa cegueira, como diria o Saramago, é a ideologia urbana. Se você perguntar para o cidadão o que ele quer da cidade, ele quer que seja veloz, limpa, não quer pensar de onde vêm os materiais que ele consome e para onde vão depois de serem consumidos. Ele quer que a cidade tenha todas as ofertas disponíveis no planeta. A cidade tem em essência duas importantes ideologias: a da voracidade e a da velocidade. E essa voracidade é tão estúpida que, dada a enormidade de rejeitos que a cidade produz e que poderiam ainda ser usados, nós poderíamos ter qualidade de vida para imensos contingentes populacionais. A cidade tem que pelo menos deixar de ser egoísta com seus rejeitos. Ela precisa ser transformada na sua ideologia profunda, para que queira menos e assimile mais. E a outra ideologia urbana, que é terrível, é a velocidade, responsável por nós não olharmos mais o jardim do nosso edifício, a rua. Antigamente era muito comum as pessoas de um edifício, de uma casa, sentarem-se na frente, na calçada, pra tomar um chimarrão. E hoje, você vê ainda? Essas coisas tão importantes da vida comunitária a cidade perdeu. Esse é o grande perigo. Essa é uma tendência que não é local, é mundial.Sim, é da civilização. Mas falando de Porto Alegre, parece que agora finalmente vai ser aprovada a revisão do Plano Diretor. Para que direção essa revisão está levando Porto Alegre? O Plano Diretor atende à normatização imobiliária e à cobrança de impostos que deriva disso, o quanto o caixa do município vai encher. Não se discute a gestão integrada da cidade. Ela cresce, se complexifica, se torna veloz, se torna voraz …

Tartarugas podem voar

Lembro que saí da sala de cinema e parei na calçada. Não sabia mais pra que lado ir. Nem se eu tinha que ir. Meus pés não se moviam. Estava destruído, despedaçado. Eu vivia no mundo em que “tartarugas” voavam nas mãos de crianças. E agora, o que eu tinha que fazer? Recebi hoje este convite: A Liga dos direitos Humanos da UFRGS realiza nesta quarta-feira, 09 de junho, o CineDHebate 2010, com a exibição do filme Tartarugas podem voar (Drama, 2004, Irã/Iraque, dir. Bahman Ghobadi). Após a exibição haverá debate com Dagmar Camargo, coordenadora do Conselho de Rádios Comunitárias do Rio Grande do Sul e Especialista em Direitos Humanos ESMPU/UFRGS. O CineDHebate em Direitos Humanos começa às 19h, na Sala Redenção/Cinema Universitário da UFRGS. A entrada é franca. Informações pelo email ligadireitoshumanos@ufrgs.br e pelo site.

Quem vai em busca do que é direito tem razão

Àquela hora, o céu tava de cara amarrada. Mas não importa, a juventude marchava com luz própria pela rua. Quando o caminho se fecha, o pessoal dos movimentos sorri. E se movimenta: “vamos pelo meio da praça então!” Eu ali, de canto, fazendo meu trabalho. Quem vai em busca do que é direito tem razão. A violência é do Estado. Ronaldo, lá de cima do carro lembrou: “Somos como massa de pão. Quanto mais bate, mais cresce”. E essa massa crescida tem peso! Jogo de corpo, sabedoria. A Nora, moradora da Vila Gaúcha, disse umas palavras duras para os que jogam mole na Assembleia. Eles precisavam ouvir, mas não estavam ocupados com o povo. Amanhã, os parlamentares nos dizem se votam para meia dúzia de empresários, ou com vinte mil brasileiros, mulheres e homens que afirmam aqui sua cidadania. Fotos de Eduardo Seidl, do Sul 21.

Ontem e amanhã, no Morro Santa Tereza

Se alguém ainda não entende por que o Morro Santa Tereza interessa tanto as construtoras, que mobilizam seus amigos no governo do estado para se apossarem da área, olhem esta vista: As fotos, tiradas por Ana Lúcia, são do campinho de futebol, que fica bem no meio do morro, entre a Vila Gaúcha e a Vila Santa Tereza. Deve doer nos que acreditam que só gente rica tem direito a usufruir da beleza da vida e a morar em lugares onde se pode ver da janela ou da porta de casa o sol descer no rio, numa cópula dourada que emudece e embriaga qualquer um. Passamos a tarde de ontem lá, conversando com algumas lideranças comunitárias. Seu Darci, presidente da associação de moradores da Vila Gaúcha, diz que não tem nada contra a Copa do Mundo em Porto Alegre, pelo contrário. Pensa que a comunidade poderia se beneficiar com o evento, ao invés de ser expulsa da área para que empreeendimentos de luxo se instalem ali. Sonha com uma escadaria que ligasse a avenida Padre Cacique com o campinho de futebol, que seria reconstruído pra receber jornalistas de todo mundo, caçadores de imagens e histórias que a comunidade abasteceria com riqueza. Seria simples, lógico e justo, não vivessemos numa luta de classes. Os que estão no topo da pirâmide econômica têm ojeriza a essa expressão. Têm medo de que, em algum momento, os que estão na base se deem conta que podem enfrentar os negócios dos de cima se unindo e mobilizando, como agora fazem os 20 mil moradores das cinco comunidades atingidas pelo projeto de lei 388, que a governadora armou pra lhes arrancar do local onde estão há 70 anos. Mas pessoas têm raízes. Não é fácil cortá-las quando elas descobrem isso.

Dias e noites de amor e de guerra

O livro chegou pelo meu irmão mais novo, Robson. Depois, muitas amigas e amigos envolvidos com a resistência da utopia receberam o seu. Dia desses, quando os anos contaram 40, me entregaram mais um. Logo vai parar em outras mãos prometidas pra poesia. Parece que essas histórias conversam comigo como se também fossem minhas. De certa forma são. As carrego no esmalte dos dentes, e com elas mordo meus dias e noites de amor e de guerra. Hoje, me alimento delas. Me inspiro, respiro, miro e vou. Você pode vir, pode ir também: O vento na cara do peregrino Edda Armas me falou, em Caracas, do bisavô. Era pouco o que ela sabia, porque a estória começava quando ele andava pelos setenta anos e vivia em uma aldeia nos confins da comarca de Clarines. Além de velho, pobre e mambembe, o bisavô era cego. E se casou, não se sabe como, com uma menina de dezesseis. Volta e meia, escapava. Ela, não: ele. Escapava e ia para a estrada. Agachava entre as árvores e esperava um ruído de cascos ou de rodas. E então saía do mato e pedia que o levassem a qualquer lugar. Assim o imaginava, agora, a bisneta: no lombo de uma mula, morrendo de rir pelos caminhos, ou sentado atrás de uma carroça, envolvido por nuvens de pó e agitando, feliz, suas pernas de passarinho. por Eduardo, o contador das histórias do mundo do lado de cá.