Lixo doméstico, produção da ignorância

É praticamente pop-art: quase nada significam de realidade os desenhos com ciclo de setas que nos acostumamos a enxergar nas trocentas embalagens que inundam nossos olhos, inventadas pelos fabricantes que nos enrolam atestando ser possível dar um fim para aquilo que produzem, sem convicção nenhuma de seu destino final. P-u-r-a-l-o-r-o-t-a. O que existe é a perpetuação da ópera do consumo, um sintoma civilizacional trágico, tangente ao raciocínio da natureza. Gosto muito da citação: “O fetiche se constitui pela sua inatingibilidade. Quanto mais distante se apresentam [as mercadorias], mais desejadas são. Os ditadores de ontem e de hoje servem-se ainda destas estratégias para se perpetuarem na arte de serem adorados. Uma vez bolinadas, conhecida sua materialidade, o encanto fenece. De forma inteligente os sistemas criam outros, e outros tantos para continuar a ópera”, trecho de As mesmices globais, de Pedro Figueiredo, em suas histórias de pedras. Pedro é um catador de primeira, porque acha um cabra bom, vai lá e investe, transforma, eleva. Pudera, é um divino educador. Estava conosco na elaboração da reportagem popular que realizamos para os catadores aqui do Estado e agora lançamos na rede. O trabalho atendeu a uma iniciativa da Rede de Economia Solidária – IDEIA, formada por 15 galpões de triagem do Rio Grande do Sul. Nos foi proposta a realização de uma reportagem cinematográfica que buscasse conscientizar a população sobre a importância de separar corretamente seus rejeitos domésticos, além de divulgar a situação dos trabalhadores que desenvolvem a fundamental função de triar os materiais que consumimos. O resultado desse encontro separamos, aí abaixo, em três janelas de vídeo. Porém, vale destacar que decidimos não tratar nesse trabalho de um fato fundamental gerado pelo descaso com o que consumimos: o mercado do lixo é dominado pela lógica mafiosa da acumulação de capital por benefício da negligência geral. Para denunciar isso com força numa reportagem é preciso ter bala na agulha – que nós da imprensa marginal pouco temos. Informações não nos faltaram, foram amplamente levantadas. Mas prometemos conversar sobre isso com Michael Moore.

Globalitarismo da mídia

Em suma: repetição servil da interpretação dos fatos. Essa a visão de Milton Santos, geógrafo e intelectual baiano, registrada pelo documentarista de maior audiência do Brasil, Silvio Tendler. “Existem fatos. As notícias são interpretacões desses fatos. Como as grandes agências de notícias pertencem às grandes empresas, os acontecimentos são analisados de acordo com os interessas pré-determinados”, narra o ator Milton Gonçalves, entre as falas do outro Milton. O diretor vai além da crítica e propõe o jornalismo das causas populares, apresentado como contraponto. Arriba, na primeira janela de vídeo, o capítulo específico sobre mídia de Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá, documentário de Tendler, que lança no 23 de abril seu novo filme Utopia e Barbárie, um voo sobre os acontecimentos mundiais desde a queda do muro de Berlim, com o trailer aí abajo: Carta Capital está nas bancas com uma boa matéria sobre Tendler [o texto também está disponível no site]. “Documentar é meu patrimônio, tenho de acreditar nele”.

Ester Gutierrez fala da intenção de apagar a história dos escravos de Pelotas

O Coletivo Catarse está em Pelotas realizando as filmagens do Projeto Tambor de Sopapo: resgate histórico da cultura negra do extremo sul do Brasil, e neste sábado entrevistamos a professora do curso de Arquitetura da Universidade Federal de Pelotas, Ester Gutierrez, que pesquisou a história das charqueadas e publicou o livro Negros, charqueadas & olarias: um estudo sobre o espaço pelotense, fruto do seu mestrado em história. Ela nos contou que a destruição das senzalas e das estruturas de produção do charque, que deveriam ser patrimônio cultural preservado para contar uma parte obscura da história, foram sendo destruídas sem nenhum controle. A tentativa de apagar uma parte da históriadas charqueadas, segunda a professora, é pelo fato de tratar-se de um tempo dramático de sofrimento para os escravos e para esconderuma realidade ainda presente na cidade. A entrevista ocorreu na charqueada São João, em frente ao que sobrou da antiga senzala doméstica, ao lado da casa grande do charqueador, um dos únicos resquícios materiais da história dos negros escravizados em Pelotas.

Iconoclasta, avante!

História, materialismo, monismo, positivismo e todos os “ismos” desse mundo são ferramentas velhas e enferrujadas que já não preciso ou com as quais eu não me preocupo mais. Meu princípio é a vida, meu Fim é a morte. Gostaria de viver minha vida intensamente para poder abraçar minha morte tragicamente. Você está esperando pela revolução? A minha começou muito tempo atrás! Quando você estará preparado? (Meu Deus, que espera sem fim!) Não me importo em acompanhá-lo por um tempo. Mas quando você parar, eu prosseguirei em meu caminho insano e triunfal em direção à grande e sublime conquista do nada! Qualquer sociedade que você construir terá seus limites. E para além dos limites de qualquer sociedade os desregrados e heróicos vagabundos vagarão, com seus pensamentos selvagens e virgens – aqueles que não podem viver sem constantemente planejar novas e terríveis rebeliões! Leia a continuação do texto de Renzo Novatore, escrito em janeiro de 1920, no blog Ponto de Vista. Foto de divulgação do belo filme O Céu de Suely

Salvemos o Cais Mauá da especulação imobiliária

Por Tania Jamardo Faillace (escritora, jornalista e delegada da RP1 de Porto Alegre) Publicado originalmente em Minha Cidade. A ideia de transformar o Cais Mauá, no Centro de Porto Alegre, em qualquer coisa que não um porto, foi-nos apresentada ainda no primeiro semestre de 2009, no Forum Regional de Planejamento 1. São oito Foruns em Porto Alegre, que, em tese, constituiriam o controle social do planejamento na cidade, mas que, uma vez que não têm acesso aos orçamentos nem poder de veto, acabam na base do aconselhamento, e, quando seu representante no Conselho do Plano Diretor é realmente representativo, têm direito a um voto. Esses oito votos, de fato, submergem dentro dos votos das entidades, quase todas elas ligadas ao setor econômico da construção e da corretagem, e/ou ao setor governamental, e que sempre votam juntas. Mas isso ao nível do Conselho do Plano Diretor, uma instância mais elevada. Ao nível dos habitantes de Porto Alegre, as regionais agregam vários bairros e distritos. O de número 1 abrange dezenove bairros da área mais populosa da cidade, a partir do bairro Centro, onde se encontra o Cais Mauá. Pois bem, lá pelas tantas nos apresentaram um projeto que não é projeto, pelo menos não projeto arquitetônico ou urbanístico, mas um projeto de engenharia financeira, para conseguir algum rendimento de um cais que, inexplicavelmente, foi desativado pelo governo do Estado. O Cais Mauá é bem equipado e nunca se conflitou com a área urbana e o bairro Centro. Pelo contrário, já foi ponto de atração para os moradores, os turistas, as escolas, pelo atraque e visitação a navios mercantes de várias nacionalidades, navios-escolas, navios militares, navios de pesquisa oceanográfica etc. A paixão pelo rodoviarismo, instituída com o advento das montadoras de carros que inundaram o País nos idos dos anos 1960, e continuam aqui – após suas matrizes terem quebrado financeiramente no resto do mundo, e elas viverem de esmolas governamentais – acentuou-se no Rio Grande do Sul com a instituição da indústria do pedágio nos idos dos anos 1990. Se uma carga paga preços exorbitantes para ser carregada e ainda é onerada com os pedágios ao longo de todo o seu trajeto, e muitos se sentem felizes com isso, por que racionalizar o transporte e reativar os portos, aliviando e protegendo as estradas do tráfego pesado e abusivo? É isso o que está no fundo da proposta de transformar o Cais Mauá numa área comercial como qualquer outra, com um gigantesco estacionamento para 5 mil carros – congestionando ainda mais o fluxo de veículos no bairro Centro – ensejando mais alguns shoppings, supermercados e edifícios de escritórios, enquanto, no mesmo bairro, há cerca de uma centena de prédios comerciais desocupados, à espera de algumas reformas. Para quem não conhece Porto Alegre, seu Centro é afunilado, isto é, converge para ele um número muito maior de veículos do que suas vias comportam, porque há um estímulo da Municipalidade ao estacionamento nas pistas de rolamento mediante aluguel temporário, os famosos e famigerados parquímetros, caça-níqueis oficiais, que ajudam a perpetuar a insanidade do transporte individual sobre rodas numa metrópole. O projeto, apresentado pela presidência da Caixa RS, ligada ao Banrisul, segundo nos foi apresentado tanto na RP1, como na Câmara de Vereadores para a votação dos vereadores amigos do concreto, se baseia num sistema de arrendamento e sub-arrendamento. O porto é de propriedade da União. Esta o arrendou para o Estado com contrato vigente até mais treze anos, o qual pode ser renovado ou rescindido conforme o interesse dos parceiros. Tratando-se de uma área ribeirinha a curso d’água navegável, não pode ser vendido nem doado nem penhorado. Assim, a idéia poderia ser somente o arrendamento dos prédios que lá existem, sem mexer na estrutura física do porto, que já deveria ter sido tombado, pois faz parte do Centro Histórico de Porto Alegre e integra sua paisagem tradicional. Mas alguém resolveu contemplar também o empresariado da construção além dos favorecidos supermercadistas. Concebeu alterar seu regime urbanístico, além das normas do Plano Diretor da Cidade, antecipando-se à homologação de sua revisão, realizada no segundo semestre de 2009, e propôs dois ou três espigões com 100 metros de altura (mais ou menos 30 andares), quando o limite em Porto Alegre é 52 metros. Também haveria outros prédios um pouco menores (30 metros) acotovelando-se com a Usina e a Chaminé do Gasômetro, verdadeiro emblema paisagístico e turístico de Porto Alegre na Ponta do Gasômetro, que perderia sua singularidade e comprometeria a identidade visual da cidade e sua orla. Os prédios de 100 metros, de frente para o famoso pôr de sol do Guaíba, certamente o tapariam para o resto da cidade que lhes ficasse atrás. Foram situados imaginariamente no local mais tumultuado da ponta do Centro: do outro lado do dique contra as cheias, a poucos metros da elevada da Rodovia Castelo Branco e da Estação Rodoviária de Porto Alegre. Não sendo isso suficiente, também ficariam do outro lado da linha do Trensurb, trem metropolitano, absolutamente inexpugnáveis e inalcançáveis, juntamente com o estacionamento, a não ser pelo portão principal do cais, a uns dois quilômetros de distância, sem falar dos riscos de enchentes e subidas do rio, uma vez que estariam além do dique protetor. Por essa excepcional oportunidade, o empreiteiro não teria a propriedade do terreno, mas apenas o arrendaria por sessenta anos, com perspectiva de mais sessenta de prorrogação, quando então os imóveis de cem metros, arquicentenários, voltariam ao poder público. Não sendo proprietário dos imóveis, o infeliz empreiteiro não poderia vender suas unidades, apenas também arrendá-las. E o ocupante dos prédios, sujeitos à trepidação do intenso tráfego local, com conseqüente taxa de ruídos e poluição sonora e aérea, tampouco poderia tornar-se um feliz proprietário, apenas um inquilino, a ser compulsoriamente despejado em 120 anos – o que, afinal, não seria uma desgraça completa. Ora, nós, moradores de Porto Alegre, e mili tantes comunitários, temos idéias melhores e muito mais viáveis e até rentáveis economicamente, como a recuperação do transporte hidroviário para atracamento no Cais …

A ESCOLA ITINERANTE EXISTE PORQUE HÁ POVO ITINERANTE

“O camponês não pode deixar seu trabalho para andar várias milhas para ver figuras geométricas incompreensíveis e aprender os cabos e os rios das penínsulas da África e se encher de termos didáticos vazios. E os fllhos dos camponeses não podem se afastar léguas inteiras, dias após dias, da estância paterna para ir aprender declinações latinas e divisões abreviadas. E prossegue, se referindo àquela época – a Escola Itinerante é a única que pode remediar a ignorância camponesa. E, nos campos como nas cidades, urge substituir o conhecimento indireto e estéril dos livros, pelo conhecimento direto e fecunda da natureza (Martí, 19950) […] […] Comprova-se cada vez mais que as comunidades acampadas recusam uma escola autoritária, fechada em seus muros, distanciada da vida, centrada na sala de aula e perpetuadora das desigualdades presentes na sociedade capitalista. Convictos de que nenhuma escola é neutra, os camponeses e trabalhadores organizados têm tentado, de todas as formas, estudar e compreender esta “velha” escola, e a partir dela forjar uma “nova” escola. Por isso, rejeita-se a decisão autoritária do governo Yeda Crusius e Ministério Público gaúcho, para quem a escola deve atender aos interesses do sistema capitalista, estando os trabalhadores impedidos de recriar suas formas de vida e educação”. Trechos de “Escola Itinerante – na fronteira de uma nova escola”, livro-tese de Isabela Caminil [na foto], apresentado ontem como lançamento da Expressão Popular [R$ 18]. A professora Marlene Ribeiro, sua orientadora, destaca o compromisso de Isabela com os movimentos populares. “Ela nos instiga a revisar e descobrir sobre o projeto social em que estamos engajados – se popular ou capitalista -, uma vez que não há neutralidade – toda a ação é orientada por uma determinada visão de mundo e concepção política […] Leia o livro de Isabela e tome a sua decisão”, escreve no texto de abertura. Marlene também apresentou ontem seu livro “Movimento Camponês: Trabalho e Educação” [R$ 20], apanhado teórico dos seus 25 anos de pesquisa na área. “Todas as revoluções tiveram a participação decisiva do campesinato, que é um sujeito histórico em permanente ação”. Para comprar: clique aqui e aqui Assista trecho de nossa reportagem É Possível [realizada antes do não reconhecimento dos escolas pelo governo estadual, com a extinção do Parecer nº 1.313/96, do Conselho Estadual de Educação]:

Agenda importante: MST, segunda, na UFRGS

O educador Giovani Vilmar Comerlatto irá defender sua tese de doutorado “A Dimensão Educativa da Mística na Construção do MST como Sujeito Coletivo”, na Faculdade de Economia da UFRGS (Av. João Pessoa, 52 – Campus Centro). Dia 15.3, segunda, às 14h. Após a defesa acontecerá um ato de apoio ao MST. Vários movimentos estão sendo convidados a participarem. “É uma oportunidade de apoio aos movimentos sociais que estão sendo perseguidos pela virulência do capital”, diz Giovani. Depois, às 17h, no auditório da mesma Faculdade de Economia, haverá o lançamento dos livros “Movimento Camponês: Trabalho e Educação”, de Marlene Ribeiro, e “Escola Itinerante – na fronteira de uma nova escola”,de Isabela Camini. Ambos pela Editora Expressão Popular. O livro “Movimento Camponês: Trabalho e Educação”, de Marlene Ribeiro, é fruto do trabalho de pós-doutorado da professora e aborda a importância da educação no movimento camponês e nos espaços urbanos. Já o livro de Isabela Camini, “Escola Itinerante – na fronteira de uma nova escola”, trata da experiência de uma educação emancipadora promovida pelo MST em seus acampamentos: a escola itinerante. O livro é originado da tese de doutorado de Isabela. O tema proposto por Isabela é bastante atual, já que as escolas itinerantes do MST foram alvo, no ano passado, de ação do Ministério Público do RS e do governo estadual, que tentaram encerrar com a experiência, justamente no Estado em que surgiram estas escolas. No entanto, o MST prossegue com as aulas em seus acampamentos.

Pelo direito de ficar em casa

Centenas de moradores das vilas Gaúcha, Figueira, Padre Cacique, Ecológica e União Santa Tereza foram pra rua hoje pela manhã, manifestar contra o projeto do governo do estado que quer despejá-los de casa. Todas essas comunidades serão prejudicadas pela venda da área da FASE (Fundação de Atendimento Sócio-Educativo), na avenida Padre Cacique, em Porto Alegre. Nádia, uma das lideranças, explica que a instituição fez, na década de 70, usucapião da área em que estão 2.000 famílias. Muitos foram pra lá ainda na década de 30. Seu pai, funcionário da antiga FEBEM, se fixou no local em 1958. Antigamente era comum que trabalhadores residissem nos terrenos anexos às instituições públicas. Agora, o governo de Yeda Crusius quer negociar a área com investidores imobiliários sem considerar as pessoas que vivem lá. Nenhuma menção a eles foi feita no projeto de venda enviado a Assembléia. Neri, vice-presidente da Associação de Moradores da Vila Gaúcha, diz que o real motivo do governo querer vender o terreno é a especulação imobiliária. A área é grande e fica em uma zona nobre e que receberá pesados investimentos para a Copa do Mundo de 2014, portanto bastante visada por empreiteiras e construtoras. O projeto do governo nem sequer aborda a situação dos moradores e o que será feito caso o terreno seja vendido. Os manifestantes seriam recebidos hoje numa audiência às 9h na Assembléia Legislativa.Às 8h da manhã, em frente à Prefeitura de Porto Alegre, os moradores batucavam e cantavam pela permanência em suas próprias casas. Em alguns momentos, dançando sua indignação na calçada, lembravam as mobilizações na África do Sul do apartheid.Esta moradora levou fotos do cotidiano das comunidades.Esta mulher sabe que não pode depender apenas dos homens pra encontrar justiça.Esta outra dizia para a popualção que não tivessem medo. Só queriam ser ouvidos e permanecer onde sempre estiveram.