Blogagem coletiva com Moradores de Rua
São pessoas que cruzamos pelas ruas diariamente. Às vezes estão mais presentes no nosso cotidiano, que nossa própria família. Mas como é a realidade – não dos donos da rua – mas, dos moradores das ruas? Pessoas que estão presentes, mas que nunca procuramos saber quem realmente são. Por medo? Por nojo? Por preferir ignorar? Seja qual for o motivo, a verdade é que quando conversamos com essas pessoas, vemos uma outra verdade. Aquela que vai além da noticiada, que vai além do que se vê, que acaba com o medo, com o nojo, com a ignorância e, muitas vezes, podemos inclusive nos identificar. No dia 4 de setembro de 2008, estivemos conversando com um grupo de moradores de rua procurando quebrar barreiras e acabar com preconceitos que não têm razão de existir. Entrevistaram: Claudia Cardoso, Gustavo Türck, Têmis Nicoladis, Rafael Corrêa, Licurgo Urquiza, Eduardo Seidl, Cássio Maffazziolli, Nanda Isele Gallas Duarte, Manoel Madeira, Natália Alles, Clarinha Glock, entre outros. Gustavo Türck [GT]: E gostaria que vocês começassem, se apresentando e falando um pouco do próprio projeto do Boca de Rua e da situação de vocês mesmo. E aí nós vamos abrir, é livre, é bem em clima de bate-papo pra ser bem informal, né? Adriano [Don]: Prazer, meu nome é Adriano da Silva Bandeira, faço parte do jornal dos moradores Boca de Rua…Muitas coisas que eu fazia de errado… o jornal mudou a minha vida. Agora é trabalho, eu vendo o meu jornal… Na sinaleira, eu não vendo o meu jornal. Eu vendo o meu jornal onde eu trabalho no Senac, ali no Senac na Cel. Genuíno, aí quando eu vou cuidar os carros dos meu cliente, aí já deixo… Bah, tu é do Boca de Rua? A gente já viu esse jornal na TV. Pois é, eu trabalho nesse jornal agora. Agora vai fazer sete anos que eu trabalho no jornal Boca de Rua. Que eu entrei no jornal, quando o jornal fez 1 ano. Agora, eu já sou mais um rapper, né, eu era rapper, mas eu… deixava um pouco o rapper pra fazer as coisas de errado que eu fazia antes. Eu cheirava cola, andava na rua assim, bah, pra mim era uma bagunça a rua… Eu tava sempre no meio das pessoas, assim, querendo mexer, roubar… Agora, eu não faço mais isso. Agora, se eu não tenho nada para mim fazer, eu descanso, porque eu trabalho de noite. O Manoel foi lá me ver, lá… Bah, Don, como tu conhece todo mundo aqui? Mas claro! Moro lá desde os 6 anos. Não é, Manoel? Eu conheço todo mundo lá. Maneco [M]: Bom dia, meu nome é Roberto dos Santos Fogaça, sou parente do Fogaça, mas sou morador de rua porque eu gosto muito de ficar na rua… Faz 3 anos que eu to na rua… Moro no Jardim Planetário. Nós perdemos um monte de parceiro já, não é nem 1 nem 2, perdemos a Chineza que agora foi pouco tempo aí, estamos um pouco chocados, a realidade é ruim, o jornal tá crescendo cada vez mais e vai ficar muito bom. Sou morador de rua, mas tenho casa, mas não gosto de ficar em casa. Gosto de ficar mais com os meus parceiros. Nem gosto de falar muito, dá vontade de chorar, sempre fui um cara chorão…Bah, eu não gosto de falar muito. Gosto muito de morador de rua. Não gosto de rico, meu irmão. Rico quer ver o pobre lá embaixo. Agora, nós vamos ter um filhinho que vai nascer, aí, coisa mais linda, com a Michele – ela não está aí… Gilmar [Gi]: Eu desejo boa tarde, meu nome é Gilmar, eu trabalho no Boca de Rua… Eu entrei nesse trabalho, através de uma senhora, que é a dona Rosina. Encontrei ela lá na Rua da Praia, aí ela perguntou: “Olá, tudo bom, tranqüilo…eu to te convidando pra entrar, aí, num trabalho que a gente tá investindo. É um trabalho que a gente tá unindo as pessoas, aí, pra quem quiser trabalhar… A gente fica muito agradecido…que é através do jornal Boca de Rua”. Só quando inaugurou o jornal, nós começamos lá na praça do Rosário. Lá onde tem o cachorro-quente, lá, onde tem o Colégio do Rosário. Lá a gente conheceu um monte de pessoa e várias amigas lá… E foi ali que inauguramos o nosso trabalho de jornal. E eu só tenho uma coisa pra dizer, eu gostei de trabalhar…eu espero que o jornal nunca acabe…eu só espero que o jornal continue…Às vezes eu ando por aí perdido de noite, daí eu fico pensando… Quando eu era de menor, eu fazia várias coisas erradas. Eu pegava, fazia coisas que não era para mim fazer, porque eu peguei isso aí na Febem. Quando eu caí na Febem da Cruzeiro, fiquei quase 1 ano lá… Mas eu gostei, era muito legal o monitor lá… Só que minha família é de Canoas, eu gosto daqui de Porto Alegre, por causa dos meus colegas, das minhas colegas… A noite é cruel, né… Eu respeito as pessoas para ser respeitado… eu ajo com as pessoas como as pessoas agem comigo. Se a pessoa chegar e falar comigo numa boa, eu falo numa boa. Se a pessoa engrossar, eu também engrosso. Não é que eu quero me aparecer, eu sou igual a todo mundo. Eu não sou rico, eu sou pobre. Para parar na prisão, alguma coisa a pessoa tem que fazer, porque a troco de vão, ninguém vai parar atrás de uma prisão. Então, eu prefiro mais a minha liberdade. E meu nome é Gilmar… André [A]: Boa tarde senhoras e senhores, meu nome é André Luís, moro na rua desde os 7 anos de idade… Graças ao meu bom deus, eu… através de um colega daqui do jornal, fui convidado a participar do jornal Boca de Rua… Vim parar na rua por motivo de doença… Conheci o jornal Boca de Rua, e vim pra cá, e comecei a trabalhar…Achei o jornal muito legal… Através …