Somos

Jefferson Pinheiro Eu sou a profissional do sexo com nojo do próprio corpo, vendo carinhos falsos como flores de plástico. Sou o rico que odeia o pobre. O pobre que odeia o rico. Sou o assassino fardado. O policial envergonhado da farda. Sou mais uma criança que morre de fome enquanto o mundo ri e se diverte. Sou o protesto na porta da fábrica. O sindicalista encomendado ao matador de aluguel. O homem-bomba aos pedaços antes da bomba. A menina com o rosto refletido no esgoto. Sou a deficiente na cadeira de rodas rasgando solitária as pedras da rua. O cara que saiu pra estuprar a garota após uma overdose de sexo pela TV. Sou o idoso que apodrece na fila do hospital público. A menina negra que só tem bonecas loiras pra brincar. Sou o voto nos filhos da puta que vende o futuro do país. O operário que não almoça. O rio poluído com os dejetos químicos das empresas. Sou o lobby de políticos pra favorecer latifundiários. O trabalhador mantido escravo na fazenda. A criança indígena assistindo desenho animado pela vitrine. A criança sem doce nem brinquedo que o noel esqueceu no Natal. Sou aquele que sofre em silêncio o que a vida lhe deu de presente. Sou os olhos fundos, gordos de lágrimas. Sou o cão sarnoso com a espinha quebrada a pau. O veneno no bucho do cão que desagradou ao vizinho. Sou o cego esperando ajuda pra atravessar a rua. A dignidade que não se quer enxergar no olhar do morador de rua. Sou a falta de oportunidade num país injusto. A menina que o pai vendeu ao gigolô. O menino pra quem você fechou o vidro. O cara comendo os restos do seu lixo. Sou a grávida descalça com um sorriso estranho, caminhando na chuva de inverno em meio ao trânsito. A menina que desmaiou de fome na escola. A seringa do pó. O sangue infectado com HIV. Sou a fatalidade que você atropela justamente quando encheu a cara de álcool. Sou mais um agricultor sob a lona, com bandeira e sem terra, plantado ao longo da BR 290. Sou mais um trabalhador sem trabalho, mais um número nas estatísticas. Eu sou o filho sem pai, a mãe sem marido, o pai sem mulher nem filho, sou mais uma família que se perdeu. O animal que nasceu pro abate sou dinheiro nas mãos de quem comprou a minha vida e vendeu a minha morte. Sou mais um menino sem teto, sem família nem governo que não tem pra onde ir e sobrevive de migalhas.A pobreza espancada e humilhada. Sou o medo na manhã do carcereiro, do presidiário, da visita íntima. Sou a manhã sem luz, presa, sufocada contra o tempo. O preconceito e o dinheiro na sentença do juiz. O suicida caindo do 17º desandar. A inundação das lágrimas que arrebentam com todas as portas e cavam todos os túmulos. A ligação que não foi feita, o abraço que não foi dado, a palavra de carinho que não foi dita, sou o gesto de amor que não se realizou. A cruz de braços abertos que vai se jogar do topo da igreja. Sou o suicídio da fé. A Constituição servindo ao pó na estante. A espinha na qual se alojou o projétil. O crânio prometido pra bala de fuzil. Sou a criança sem escola nem infância. O homem inventado por Deus, aprendo enquanto me arrebento. Sou o amor apodrecendo em frente à porta. Quem não tem pra onde correr. A resposta para o que você não quer perguntar, a explicação para o que você não quer saber. A esperança que se perdeu do futuro. Mas também sou a consciência que não se apaga, a voz que não cala e o punho cerrado contra a tua cara. O jornalismo e a catarse que não têm preço e o suor dos que não desistem de lutar. Sou o que guarda o segredo da dor. O que está por trás do que ninguém entende. Sou eu, você e todos. Porque não exista quem não esteja no sofrimento dos outros nesse dia comum perdido no espaço e no tempo.

2335 caracteres para falar do Brasil é pouco

Gustavo Türck Disseram que eu teria 3 mil caracteres para escrever no Bodoqe. Aí resolvi mandar um texto antigo que fiz. Interessante. Deve estar aqui do lado. Bom, o que já era pouco ficou menor ainda. Então fiquei pensando no que escrever neste pequeno espaço que sobrou. Tinha que ser sobre o Brasil, claro. Quem sabe sobre a situação econômica? Bom, mas daí eu teria que analisar todo o crescimento histórico desta colônia, culminando nos anos de Palocci & Cia, que mantêm a matriz tributária absurda, cobrando dos pobres impostos e isentando os ricos. Seria algo como um Robin Hood às avessas. Certamente eu faria a comparação com o regime feudal, quando os senhores das terras cobravam dos servos impostos até para usar ferramenta. Mas não ia dar certo.Muita coisa para falar e pouco espaço para escrever.Desisti. Daí pensei em escrever sobre o Judiciário. Nosso presidente já disse, certa vez, que os caras têm uma caixa preta. Olha, só se for cheia de dinheiro, porque o que ganha grana essa gente… Se eu fosse escrever sobre esse poder, diria que eles formam uma casta praticamente impenetrável. Eu teria que falar sobre os astronômicos salários dos juízes e desembargadores e certamente teria que levantar o fato do tal de Auxílio Moradia.Onde já se viu isso?! Quem ganha salário mínimo no Brasil tem que se virar para morar onde der, mas quem ganha 5 dígitos de salário tem ainda auxílio para morar?! Meu Deus. Ah! E certamente eu teria que contar a história do casamento da filha do presidente do Tribunal aqui do Rio Grande do Sul. Um tal de Stefanelo. Foram distribuídas na festa caixas dos mais caros charutos cubanos e tiarinhas de antenas. Aquelas tipo marciano. Só que na ponta, ao invés das costumeiras bolinhas, havia cifrões. Isso é tripudiar na pobreza. Imagina como se acendiam os charutos nessa festa… E eu poderia também estar falando dos nossos deputados que decidem o tamanho do seu salário e só legislam em causa própria, ou então da questão do ensino na universidade que ao invés de formar cidadãos forma mão-de-obra qualificada. Eu poderia falar ainda da mídia brasileira, na mão dos grandes grupos, virada em novela e noticiário de agência. Ou então da Venezuela! Isso! Que Brasil que nada! Vou escrever sobre Hugo Chávez! A Verdadeira Revolução não Será Televisionada! Vamos lá, então… Ih! Acabou meu espaço… BRASIL “Brasil, mostra a tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim”, confia em mim Brasil, confia… Bandeira, auriverde pendão, estandarte de um povo sofrido. Tens a imagem de teu povo. Judiada, maltratada, pisoteada, mas viva! Apoiada em mãos trabalhadoras, por detrás de sua fazenda encontra-se teu filho. Esperançoso, o último a morrer! Por mais que uns se perguntem “Mas que país é este?!”, ou de versos em prosa destoem o caminhar glorioso de uma gente de fé, com futuro, tua glória, teu colorido preto-e-branco mantêm-se imponente. Por mais que mãos estrangeiras venham te afagar para logo depois rasgar-te, destruir teu patrimônio, ainda sobra a tua gente, a tua música… Pátria amada idolatrada, meu lar… Salve, salve! Não tens culpa de quem a dirige, assistes a uma degradação um tanto perene, um desrespeito para com tuas majestosas estrelas, tua voz se faz rouca, “Ordem e Progresso”… Dos filhos deste solo és mãe gentil, mãe chorosa, desesperada. Tens o solo, tens os filhos, mas a estes é negado teu colo, teu amor, tua terra… Lábaro estrelado, maravilhoso pano de fundo de injustiças, parque de diversões do capital!!! Teus enteados não a deixarão só!!! Urge respeito ao teu desenho!!! Vamos, bandeira, ensina-me a ser forte! A ter esperança! A amar-te… Vamos, bandeira, de mãos dadas decidir nosso futuro. Em punho a tua coragem, o teu choro raivoso me guiarás ao teu coração! Sentirei a tua dor, sou teu filho… “Eles” sentirão o teu, o nosso perdão…Às margens plácidas de um riacho, se fez um país, uma nação, consumou-se um povo, um amor. A tua literatura, tua poesia, tua juventude, nossa… Destoa ao longe o brado retumbante “PÁTRIA AMADA BRASIL”!!!

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ABC DO REPÓRTER MARGINAL

Por Guilherme Azevedo, jornalista Este ABC vem sendo cantado diariamente, faça chuva ou faça sol, feriado laico ou santo, na frente do edifício-sede do Grupo A Verdade, que edita os diários A Verdade e A Verdade Sangrenta e o semanário A Verdade Rosada. Alencar Almeida – chapéu-coco na cabeça, óculos escuros de grossa lente, camisa xadrez, calça de brim, bengala branca, viola na mão direita, chinelo branco de dedo e prato de alumínio para esmola no chão – é orepórter disfarçado de cego, esmoleiro e cantador. Pela manhã e à noite, na chegada e na partida do senhor Rosebud, o Diabo, dono e publisher de A Verdade, no curto trajeto entre o alto prédio e olongo carro negro que leva e traz o ex-patrão do nosso herói, Alencar Almeida tange o seu ABC na violinha. Entre os dois pontos, são 113 seguranças e onze segundos cronometrados, o que equivale, em média, em ritmo acelerado, a uma estrofe, estrofe e meia, antes de o senhor Rosebud adentrar o seu cupê e nosso repórter ser muito gentilmente arremessado, com mala e cuia, ao outro lado da rua. Se hoje a execução do ABC pára no meio da letra D, por exemplo, recomeça amanhã do mesmo ponto. E o fato é que o senhor Rosebud já ouviu o ABC inteiro, de A a Z,pelo menos duas dúzias e meia de vezes. “Mandem essecego pro diabo!”, já virou ali refrão.Eis o ABC, de A a Z: Avante, jovem repórter!Vá com fé no seu caminhoCom a pauta do coraçãoLargue essa aí no escaninhoDicas de plástica? Não!Basta de assunto daninho Bendito o seu destinoSempre avesso ao disparateDe falar sempre do ricoDe Mileide, socialateSe lá na Cohab não háDinheiro nem para o mate Cuidado com o editorDo que será que ele ri?Será sorriso sinceroOu mais fino bisturi?Que corta a ânsia de justiçaQual facão pobre siri Deixe a sua Musa o guiarAcredite em seus sentidosSe a sua alma disser que simSiga até de olhos cerzidosA pauta boa já ressoaEstá no ar, em seus ouvidos Escreva sobre o sem-vozO largado à própria sorteSobre quem vira mancheteApenas na hora da morteLouvando quem bem mereceFerindo ladrão de porte Fuja dessa redaçãoJornalismo sem a ruaÉ pura adivinhaçãoÉ só em foto ver a luaPropaganda de cosméticoViagem em furada falua Golpeie, só se necessárioSua palavra, sua armaDe fino grosso calibreO amor à Justiça, seu darmaSua guerra, sua calmaA insatisfação, seu carma Hoje, anteontem, amanhãNo seu caminho imutávelSempre em busca da poesiaNa trilha do indispensávelDo fútil tem alergiaAcha o novo desconfiável Incorruptível eternoPois não valoriza a granaNem carro, luxo ou cargoDe sua convicção emanaDoce aroma, clara chamaAo leitor jamais engana Jornalista que se prezaPois trabalho é sacerdócioPelo bem da maioriaCom a pena não faz negócioTexto não é moeda de trocaNem momento de ser dócil Lide, prisão do bom textoSêmen da esterilidadeEles dizem que é ciênciaPara chegar à verdadeMas você, repórter, sabeQue é pura comodidade Meça toda a sua cidadeAnde muito, muito a péOuça a voz que vem das doresO grito mudo, sem féJamais duvide do choroDa Maria pelo Zé Namore a sua realidadeEla lhe espera lá foraEla lhe sorri, o chamaReclama, por você imploraNão dê uma de cego, surdoOlhe a Primavera que aflora Oriente-se pelo céuSeu amor, astronomiaGuie-se também pelo chãoSua certeza, geografiaSeu sonho gira feito astroSua ação reta como guia Prepare-se para o nãoPara muita, muita pedraE não tema, pois diz TaoPalavra sábia, bem vedra:O universo favoreceOs bons, a eles sempre medra Quimera, ali é o seu reinoOnde reencontra igualdadeJornalismo, amor, poesiaSua suma Santa TrindadeMas qual! Que triste surpresa!Abre o olho, é só falsidade! Realidade, exemplo daMelhor grande reportagemJornalismo com poesiaO povo sem maquilagemTexto com profundidadeEscrito após muita aragem Ser a cada dia mais simplesSábio, correto e sensívelÉ o único objetivoApalavrando o indizívelEmocionando a razãoTingindo o supravisível Todas as formas, palavrasSentimentos, sensaçõesTodos os ritmos, períodosAs vozes, interjeiçõesJornalirismo: aqui podeTudo, menos restrições Umbrosos tornaram os camposMas brilhante o seu fino açoCurvilíneos os caminhosMas retilíneo o seu traçoEstreitas as parcas sendasMas ampla a chã, seu regaço Virtuose em descobrir almasEm revelar na entrevistaO melhor que há de cada umSempre garimpa a ametistaOnde tantos só acham breuDo real é fiel retratista Xeque-mate, match pointNa falsa neutralidadeJornalista tem sim ladoÉ fraude a sinceridade?Boa a verdade do patrão?Chega de passividade Zéfiro traz a Boa NovaVem aí outro jornalismoBem mais humano, mais realRepórter salvo do abismoDe volta ao centro da ruaVida sem ilusionismo.