Só faltava a Nêga Lû virar filme

Se a Nêga Lû, ao invés de morrer virou purpurina, um filme sobre ela era o brilho que faltava. Um acerto de contas com a memória de uma personagem marginal que impactou o universo gay de Porto Alegre.

Uma “bicha” que circulava por vários mundos da capital e marcava em todos os espaços. Transgressora, viveu intensamente a contracultura dos anos 70 e 80, e enquanto alguns de seus amigos lutavam contra a ditadura militar, ela revolucionava os costumes. Uma celebridade popular que frequentava da Esquina Maldita aos bairros de periferia. De integrante do coral da UFRGS e da OSPA a pai de santo e rainha da Banda da Saldanha, no carnaval. Suas histórias estão vivas na lembrança da boemia da cidade. É sobre ela que Ana Mendes, Natália Chaves Bandeira e Célio Golin trabalham num curta-metragem que deve estar pronto ainda em 2014, numa parceria do Nuances com o Coletivo Catarse. “Ela vai olhar o filme de lá e dizer: ‘o que estas loucas fizeram comigo?!’”

 

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Nêga Lû em destaque no jornal do Nuances.

 

Quem foi a Nêga e por que fazer um filme sobre ela?

Célio: Conheci a Nêga Lû pessoalmente, e o Nuances sempre teve uma proposta de fazer um resgate histórico da questão gay, as lésbicas, travestis, das “bichas” de Porto Alegre. Principalmente nesta questão mais transgressora de comportamento, da história mesmo que faz parte da cultura, da política e da arte da cidade. Já em 2005, surgiu a ideia de fazer um documentário sobre a Nega Lu. Porque ela participou de um processo, viveu um momento histórico da cidade, do estado e do país muito importante, que foram as décadas de 70 e 80, toda a questão da repressão da ditadura militar, da contracultura, da contestação da estética, da forma de se vestir rompendo com aquele padrão mais formal, vindo as roupas coloridas, colares, boca de sino…

E a questão gay da sexualidade é uma coisa muito forte. Nesta época, era mais um dos componentes que transgredia toda esta coisa careta, conservadora. E a Nêga Lû, negra, de família humilde, nasceu num bairro razoavelmente nobre, o Menino Deus, mas que também era historicamente um local de origem negra. E como ela conseguiu viver e circular por vários ambientes da cidade nesta efervescência cultural e política, desde a Esquina Maldita, Coral da UFRGS, OSPA, convivia com as pessoas, digamos, mais intelectualizadas, do campo da arte, e com as bichas da periferia, com as pessoas comuns…

Ela foi se tornando uma pessoa muito conhecida e ocupou um espaço extremamente importante. Tinha gênero feminino, mas não se vestia necessariamente como mulher. Tinha voz extremamente rouca, grave, que chamava atenção quando falava. Era bem ousada, atrevida pra conversar com as pessoas, pra conhecer, conviver. E circulou no Bom Fim, no meio da loucura, da droga, conviveu com tudo isso. Então nada mais interessante do que fazer um documentário e resgatar esta história.

A ideia do filme surgiu antes dela falecer?

Célio: Sim.

Ana: A única imagem em vídeo que a gente tem da Lû foi captada já com uma ideia deste projeto, o aniversário da Lû que o André (do Coletivo Catarse) filmou, com a proposta de fazer um documentário. Um projeto que foi engavetado e que no ano passado o Célio nos convidou para retomar. Que bom que eles tiveram esta ideia em 2005 antes da Lû morrer, porque o material de acervo é realmente uma coisa que está sendo complicada durante o processo de pesquisa.

Em que etapa está o filme?

Ana: Na véspera da filmagem. A Lû tem esta característica de ter circulado por muitos universos, ter frequentado a elite de Porto Alegre, e ao mesmo tempo os bairros mais pobres. Era pai de santo também, então tem uma circulação grande em vários contextos. A gente não consegue dizer que a pesquisa está finalizada e que estamos iniciando as filmagens com este universo contemplado. Eu acho que a Lû é infinita. A gente deu um ponto final, mas todo dia tu encontra alguém na cidade dizendo: “eu tenho uma história”.

Natália: Isso também é um argumento para que o filme exista. Ontem a gente bateu na porta de um bar pra usar de locação. Expliquei que a gente está fazendo um filme sobre a Lû. Ele, que falava comigo só da janela da porta disse: “ah, eu conheci a Nêga Lû”, e abriu o bar e nos recebeu. Foi ao acaso. Na verdade, em qualquer lugar que a gente vá, toda a vez que falamos sobre o filme todo mundo conhece a Lû. Mas a Nêga Lû não está na história de Porto Alegre, entendeu? Mas se todo mundo conhece ela, como assim?

Ana: Inclusive, o Marcelão (da produção do filme) está nos ajudando na pesquisa de acervo e está difícil de encontrarmos esta palavra-chave “Nêga Lû”. Nos museus de Porto Alegre não existe. Então, um serviço que a gente também quer fazer para a cidade é, depois de reunir este material, que a gente já tem algumas coisas mas queremos mais, é doar pra fototeca. Ver quem pode receber isso e finalmente colocar esta palavra na história da cidade.

Célio: Esta questão da memória é muito importante porque a Lu foi, digamos assim, uma personagem marginal na cidade. E extremamente importante, significativa, tanto que, agora, como as gurias estão falando, a toda hora aparece alguém dizendo isso e aquilo. Eu converso com alguém que: “bah, eu conheço isso da Nêga Lû”. Outro diz “gente, isso também não pode ficar de fora do filme”. Mas é só pensar politicamente e ver como a cidade esquece e deixa estas pessoas de fora da história. Ela era negra, bicha, e por mais que tenha frequentado grandes círculos intelectuais e conhecesse o pessoal da mídia, era uma pessoa marginal, tinha vida marginal.

Na década de 70, 80, não se filmava. Acontecia um monte de coisas, mas ninguém estava com uma máquina tirando foto. Raramente aparecia alguém… Eu vi um documentário sobre o Bom Fim, o Escaler, o Bar do João, e achei extremamente limitado em termos de imagem. Não apareceu os punks, por exemplo. Como é que tu faz um documentário sobre o Bom Fim, década de 70 e 80 e tu não mostra os punks, que estavam diariamente no meio da Osvaldo Aranha? Eles fechavam a avenida e não aparecem no documentário. Ou seja, tinha também esta dificuldade…

Nêga Lû na primeira Parada Livre em Porto Alegre, em 1997
Nêga Lû na primeira Parada Livre em Porto Alegre (1997).

Este é o maior desafio para o filme, encontrar imagens que possam ajudar a contar a história dela?

Ana: Não sei se é o maior desafio, mas esta é uma preocupação bem grande porque a gente não tem a Lû aqui pra contar as histórias, pra ela mesma narrar o que viveu. Então, o material de acervo enriqueceria muito. A gente pergunta para os amigos que viveram com ela quando criança, se ela já tinha estes trejeitos femininos, se já se apresentava como uma pessoa diferente, se destacava, e as pessoas dizem que sim. Então, ter um material imagético da Lû com 10 anos de idade seria muito bom, e isso a gente ainda não conseguiu acessar. Temos material da Lû quando ela saiu no jornal, no carnaval, coisas assim, mas o álbum familiar dela a gente ainda está querendo acessar.

Vocês estão numa segunda experiência de dirigirem um filme juntas. O primeiro foi o Clube do Choro, que trata da boemia, e a Nêga Lû também está neste universo. Como é o processo da criação compartilhada? Se dividem, se completam?

Ana: É a segunda experiência com documentário e, não sei, parece que eu sempre trabalhei com a Nati. A gente veio de outras áreas e começou a criar uma concepção de cinema, de documentário que a gente imaginava juntas, estudamos juntas. No Clube do Choro a gente viu muito filme, debatia muito, bebeu das mesmas influências. Entre nós duas existe um consenso do que é cinema documental e como a gente quer tratar as narrativas e as pessoas, o tratamento e o cuidado que temos com elas. O Célio acho que acaba sentindo esta harmonia no trabalho e está dando muita liberdade pra gente fazer as escolhas. Como foi amigo pessoal da Lû, pra ele deve dar uma ansiedade de contemplar certas coisas. A Lû que tu tem na tua cabeça, né?

Natália: E as Lus que a gente está descobrindo.

Célio: Eu não tenho experiência com produção. Entrei por este interesse pessoal e do Nuances de fazer o documentário sobre uma pessoa que a gente conhecia. Favoreceu no sentido de passar mais informações, mas na realidade quem está dirigindo e vai ser responsável é a Nati e a Ana.

Tu além de fazer parte da equipe, é fonte também…

Célio: Claro. Eu conheço muitas pessoas que conviveram com ela, amigas de infância da Lû, que se criaram juntas. Então estas pessoas também me passavam muita informação dela de outras épocas. As gurias estão conhecendo a Lû mais de fora, que também é interessante, porque pode ser uma forma muito mais completa, porque o meu olhar é viciado, de amigo. Conheci A Lû nos últimos 10 anos de vida dela. E a bicha ferveu muito mais e foi muito mais louca quando eu nem morava em Porto Alegre. Quando as coisas aconteciam: drogas, rock and roll, putaria, ditadura, política e transgressão. Então tem olhares diferentes, que são importantes.

O cinema, mesmo documental, é um exercício de recriar? Como é ter responsabilidade sobre a recriação da história de alguém? O filme é para ser um documento, uma homenagem, uma celebração?

Natália: Tem esta concepção de documentário que já está um pouco superada, de documento-verdade. O que é verdade? São olhares. Esta é a dificuldade que a gente tem pra fazer o filme. Mais do que recolher imagens dela, a gente chegar numa Nêga Lû que componha todas as variantes da vida dela. A Nêga Lû que cantava na OSPA; a Lû que sambava na frente da Saldanha; a que era mãe de santo. Tem uma porção de coisas que são muito diferentes umas das outras. E acho que neste sentido o documentário é uma composição de uma personagem da história de Porto Alegre. Eu não diria que o filme é um documento, documentário-verdade ou celebração de uma pessoa. Acho que é um pouco de tudo. Na verdade, é uma grande composição de um personagem. Ela vai olhar o filme lá e dizer: “o que estas loucas fizeram comigo?!”.

Célio: Acho que não vai ser: “Esta foi a Nêga Lû”. É um pouco de tudo mesmo. Um documentário meio novela das seis, meio ficção. Realmente não sei o que vai acontecer nestes 15 minutos.

Nêga Lû no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre
Nêga Lû em um Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.

Ana: Claro que tem os assuntos da Nêga Lû que nos interessa mais, os recortes, nossos olhares como ponta de lança, mas também tem o acaso que coloca pessoas na nossa frente. São os porta-vozes da história da Lu. Outro dia o Marcelão estava questionando por que a gente ia filmar tanto determinada pessoa. Eu disse: “A Nêga Lû morreu. Os porta-vozes da história da Lû são estas. As pessoas que conviveram com ela e que um pouco da história destas pessoas a gente quer saber, porque são reflexo do que a Lû foi ou poderia ser. Tem pessoas que a gente cruza e pensa que se a Lû não tivesse morrido, se não tivesse tido um fim tão rápido, e com pobreza, com tanta dificuldade material de viver que teve, talvez ela fosse este cara que está dando aula, fazendo coreografia de dança para as meninas. A gente fica imaginando o que a Lû seria. O acaso que nos coloca na frente de bons narradores da sua própria vida e da vida da Lû, e eles acabam ajudando a recortar o que o filme vai ser.

Vocês já pensaram que mensagem querem passar? Têm a preocupação do que vão levar pras pessoas sobre a Lû?

Célio: Muitas pessoas mantinham uma relação afetiva com a Nêga Lû, adoravam ela. E pode ser que (o filme) decepcione estas pessoas. Porque tendo uma relação afetiva, possuem uma visão dela, uma expectativa. E talvez pra alguém: “Ah, esta aí não é bem a Lû que eu conheci”. Porque ela circulava em muitos lugares. Pras vizinhas, era uma bicha que ia lá brincar com as crianças, uma relação que tinha com aquelas pessoas. Mas saía dali e encontrava um bofe na esquina, já era outra Lû. Não é que ela mudava de personalidade, mas mudava de atitudes e estratégias de sobrevivência e de vivência, como qualquer pessoa faz. A gente não é o mesmo com todo mundo.

Natália: A nossa primeira pré-entrevista para o filme fizemos com o Célio. Foi tomando uma cerveja e aquele dia eu e a Ana saímos: “Bah, a gente aprendeu 50% do que precisava entender sobre a bichice”. Em princípio, era uma coisa que nos deixava um pouco preocupadas, de que forma tratar isso no filme. Por exemplo, agora a gente fala “bichice”, mas antes de conversar com o Célio a gente dizia “os gays”, os homossexuais.

Ana: Não estereotipar mesmo.

Célio: Porque vai aparecer no filme, por exemplo, as pessoas se referindo a Lû como o Luiz Aírton, no gênero masculino. Porque na família, para o sobrinho dela, o Éber, uma criança com 5 ou 6 anos, era o tio e não a tia Lû. Quando eu chegava lá e a Lû não estava em casa, encontrava a irmã dela que dizia: “o Luiz Aírton não está, não veio, ele foi no supermercado, tá na esquina…” Mas claro, quando chegava nós, as outras bichas: “e aí Lû?”. Já era outra coisa, outro papo, o gênero mudava também. Isso vai aparecer.

Ana, Célio e Natália durante a entrevista
Ana, Célio e Natália durante a entrevista

Ela era militante do movimento pela diversidade sexual?

Célio: Não. A Lû não era muito engajada na política. Tanto que na Esquina Maldita, ela até sofria… Estava ali tomando cerveja e vivendo o lugar. A Esquina Maldita, os bares, o Alasca era do pessoal da esquerda que combatia a ditadura militar. Eram lugares de reflexão política e de pensar estratégias de como acabar com o capitalismo e derrubar os militares. E a bicha estava ali no meio daquilo. Mas claro, sentando em cima do balcão, dando show, cantando. E algumas coisas que ela reclamava, historicamente aparece, por exemplo, muitas daquelas pessoas de esquerda, os intelectuais achavam que a bichice era um desvio burguês, que aquilo não era importante politicamente, socialmente, estas coisas de movimentos de mulheres, negros e muito menos das bichas. Até porque tinha uma visão de muitos comunistas, e até hoje acho que tem gente que pensa assim, que se acabar o capitalismo, acaba também a homofobia, acaba a bichice, a viadagem, que todos os “desvios” são produtos do capitalismo. Uma visão totalmente oportunista e sem a menor noção política e histórica. E a Lû viveu isso. Quando eu conversava com ela, transparecia isso. Porque ela não era engajada pra fazer a revolução. Ela era uma pessoa engajada para revolucionar os costumes.

Ana: Ela era uma revolução em pessoa.

Célio: Ela era uma boêmia.

Ana: Em uma entrevista que fizemos com uma jornalista, a gente estava falando do período da ditadura, e aí lembramos daquela música do Geraldo Vandré “Pra não Dizer que não Falei de Flores”. E acho que a Lû representa bem isso, é a purpurina ali no meio da ditadura militar. Mas passados os anos, hoje em dia se reconhece que era uma atitude contestadora, era uma atitude política.

Célio: Os Dzi Croquetes viveram nesta época. E vai dizer que aquilo não era política, que eles não fizeram política? Tanto que hoje nós vivemos numa sociedade mais conservadora de costumes e padrões. Se hoje aparecer um grupo como eles vai dar escândalo, as bichas se pelando e fazendo tudo aquilo. Se avançou tanto, tem tantas conquistas, o movimento gay e tudo… E pra muita gente da esquerda os Dzi Croquetes eram umas bichas transloucas. E eram. Mas era político, porque cultura e arte é político. Bom, isso é um discurso bem idiota… Mas é que tem gente que acha que político só se resume num cassetete na mão contra o capitalismo.

A Lû morreu em 2005, o Nuances já existia desde 91. Eu conheci ela em 90, mais ou menos. E ela nunca foi militante do Nuances, nunca foi em reunião alguma, não se interessava. Mas ia nas paradas livres, quando a gente fazia algum evento ia lá dar o “close” dela. Quando a gente precisava fazer alguma coisa que ela fosse um personagem importante, ela ia. A Lû aparecia lá na sede só pra bater papo, mas nada de estar preocupada se vai ter uma lei isso ou aquilo para as bichas. Ela vivia a vida, o dia a dia. Tanto que morreu cedo por causa disso, não cuidou da saúde. O negócio dela era tomar uma cervejinha, fazer festa, como milhares de pessoas.

O universo dela é muito rico. Vocês pensam também em como esteticamente contar isso?

Ana: A gente já teve pipocos de ideias sobre isso. É um documentário de 15 minutos e permite que se trabalhe uma linguagem mais experimental, mas ainda não está definido. Acho que isso vai vir muito depois de tudo filmado. Mas o que a gente vai trabalhar mesmo são as animações.

Natália: As animações eu já queria fazer, independente do filme da Lû, mas ela me oportunizou isso. A gente quer recriar algumas situações que pessoas nos contaram. É fazer uma mescla mesmo de imagens gravadas, animação, material de arquivo. Acho que na questão da imagem vai ser tal qual ela, ter muita variedade. Vai ter depoimentos de pessoas, a gente quer gravar alguns lugares em que andava, da noite dela, principalmente a Osvaldo Aranha, Escaler. Vamos animar alguns lugares, situações em cima da imagem gravada. Estamos juntando material para ter muita coisa diferente.

Célio: O próprio enterro da Lû, que foi uma coisa simbólica bem interessante, dentro da cultura afro, da religião dela. Mas é tão louco, tão vivo ainda, que se a gente for ali na Lancheria do Parque e falar com os garçons sobre a Lû, eles vão falar uma bobagem ou insinuar alguma coisa, porque onde ia ela marcava. E acho que dá pra trabalhar com essa ideia de extrapolar as imagens e fazer coisas meio malucas. Porque era uma bicha viajante, de inventar histórias também e estar sempre criativa, imaginando coisas…

O fato de estar trabalhando com a memória sobre A Nêga Lû, mexendo nisso pode fazer com que outras ações a respeito dela aconteçam?

Célio: Acho que pode acontecer, porque ela é uma pessoa que atrai bastante. Por exemplo, esta caneca que a gente (Nuances) fez com a imagem da Lû, que não tem nada a ver com o filme, distribuímos tudo porque as pessoas olham e querem ficar com o registro. O que sei e que não tem nada a ver com o filme ou com o Nuances, é que o jornalista que escreveu o livro sobre a Esquina Maldita, lançado na última Feira do Livro, que tem um capítulo sobre a Nêga Lû, e que eu até dei entrevista e umas fotos, a partir do capítulo e da repercussão, agora está escrevendo um livro só sobre a Lû. Isso é extremamente positivo e significativo. Ela era um capítulo de um livro que falava sobre a história política da Esquina Maldita. Ali, o que mais atraiu o jornalista para escrever um novo livro? A Nêga Lû. Essas coisas vão acontecer ou não. Principalmente com esses personagens negros, que ficam muito marginalizados. Por exemplo, o Giba Giba morreu agora, e o cara tem uma história extremamente significativa na cidade. Alguém daqui uns dias vai fazer alguma coisa sobre ele.

Natália: A gente está pensando também em transformar a Lû numa santa (risos). Na verdade, eu e a Ana já transformamos. Às vezes, a gente olha pra cima e conversa, pede uma força e um apoio. E ela ajuda.

Ana: Às vezes, ela dorme um pouco. Precisei dela no carnaval…

Natália: Às vezes, acho que ela se distrai lá em cima.

A partir da história que estão contando, qual a importância que vocês veem de se trabalhar com o cinema não só como registro, mas como um elemento de aporte à cena cultural, política e social da cidade? E como veem o cinema local?

Célio: Eu acho que Porto Alegre perdeu um pouco da produção cultural, que está muito restrita. Poderia ser mais rica em todas as áreas da arte. Um documentário sobre a Lû, como outras iniciativas, pode contribuir para que haja uma produção cultural mais efervescente, mais importante e significativa. Comparando com Recife por exemplo, que hoje é o centro de produção dos últimos 10 anos no Brasil, cultural, política, no cinema, música, artes plásticas, literatura… Tu vai lá, a cidade está fervendo. Não é por acaso que agora o filme Tatuagem é reconhecido internacionalmente. Um filme de lá, que trata também desta temática (gay). Porto Alegre tem condições de fazer uma produção mais…

Ana: Acho que o cinema do Rio Grande do Sul é até bem reconhecido nacionalmente, só que tem que sair do Bom Fim. Só isso. O cinema de Porto Alegre parece que se passa sempre num bairro só. E a Lu tem outras Porto Alegres que ela conta.

Natália: Eu venho das artes visuais e vejo que não me dão nada de retorno. O cinema, por exemplo, é um lugar onde a gente tem mais espaço para colocar coisas na roda, aqui em Porto Alegre. Complementa um pouco com a opinião do Célio. É um problema que a gente vive na cidade, um contexto cultural bem problemático, que vejo também no circo e no teatro, que é uma galera com quem trabalho. Quem é originariamente do cinema pode estar reclamando, mas no fim das contas, a sensação que tenho é que o cinema é um registro garantido. Eu faço e ele garante uma memória. Por exemplo, se eu fizer uma gravura da Lû, vou ter imagens, posso jogar na internet, vai ter alguma repercussão, mas ainda acho que o audiovisual tem mais alcance para garantir um debate. Talvez, seja também uma coisa do momento. Hoje, acho que o cinema é o melhor lugar para tu garantir a repercussão de um tema.

Ana: As temáticas dos filmes, não é nem uma crítica à estética do frio, esta coisa introspectiva. Eu acho isso uma característica até bem interessante, que uma parte do Brasil pode ter. Mas me dá uma sensação nos trabalhos artísticos, na fotografia também é assim, é sempre uma coisa muito lânguida. Me incomoda um pouco.

Célio: Estas historinhas que os autores estão criando, aquela família tradicional classe média, com aquela bobageira e tal, que é muito os caras esses do cinema que eu nem lembro o nome dos diretores, que fazem muito dos apartamentos do Bom Fim, que é o guri malandro, a filha com o pai meio careta, acho que isso cansou um pouco. Foi importante, ocupou um espaço bem legal, mas já passou.

Ana: Deu pra ti anos 70!

(Entrevista realizada em 17 de abril.)

11 Comentários

  1. Eduardo Oliveira

    Olá Amigos , fico muito feliz de saber que está sendo feito um filme sobre a Nega Lú, pois eu era muito amigo dela e minha irmã, mais ainda, saia sempre com negra Lú e estava sempre em sua casa .
    Caso queiram algum depoimento fico a disposição
    Abraços

  2. oi, eu conheci a Nega Lú pessoalmente,era compadre
    da minha mãe e ela pode ajudar vocês, beijos

  3. Conheci a Nêga Lú por volta de 1978, por aí. Tive um olhar triste sobre ela. Podem entrar em contato pra ajudar no filme.
    Cleide Frasson (51)9116-5670

  4. Tenho fotos da Nêga Lu num espetáculo de ballet clássico da Academia da Ballet da Marina Fedossejeva nos anos 70-80, provavelmente uma faceta desconhecida para vocês desta personagem! Ela foi meu partner em alguns espetáculos e sua máxima antes de entrar no palco era: “Vai lá e arrasa!” Se interessar a vcs entrem em contato comigo. Meus melhores desejos de sucesso no filme!

  5. Terezinha Juraci

    Exclelente idéia, filme da Nega LU – mais que merecida homenagem, recuperação da memória de personalidades quase anônimas de Porto Alegre. Ao ler esta entrevista,lembrei de minha adolescencia e a memória me trouxe a imagem da Negra Lu… nossa,naquela época para mim ela era uma raridade.. exótica.. me encantava ver como se movimentava, como se vestia, não tinha consciencia da importancia que tinha dentro dessa cidade…. nas passeatas, no carnaval, ela se evidenciava como ninugém – só hoje tenho essa visão.Que ótimo, ela merece ser imortalizada num filme.. Parabéns pela iniciativa.. (lembro também de outra personalidade,o Galanteador Negro, Bataclan, um verdadeiro principe africano- quemsabe um filme dele tamb´me..)

  6. Tem imagens da Nega Lu no Canal Comunitário de Porto Alegre (PoA TV), do qual fui “jornalista responsável” e diretora entre 1996 e 2003. Tem captação da Parada Gay e FSM, em S-VHS, isso se não consumiram com as fitas.

  7. Olá!ótimo vocês terem a idéia de fazer um filme sobre a nossa amada Nega Lú. Sou prima dela sou filha do carlinhos eles eram primos. Várias vezes nos encontramos nas festas que ela fazia ,encontros antes de ir para a Banda da Saldanha e no jantar das estrelas que eram realizados na segunda-feira.Ela era uma pessoa incrível,a minha criação e adas minhas irmãs foram indo aos finais de semana para a casa dela.Ela participou da minha infância e adolescência.Meu Deus até hoje eu e meus primos comentamos dela sempre.Ela tinha muitos amigos,mas lembro de alumas que eram inseparavéis A Julia esparadrapo a Maite o Enio Sérgio.Se vocês precisarem de fotos posso ver se consigo com uma tia dela a Jurassi.Meu contato é marlise.bastos@gmail.com

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  9. rosangela almeida

    Muito show esta iniciativa em homenagear a Nêga Lú.Conheci a Nêga no início dos anos 80, nos bares da Osvaldo,me chamou atenção a época, um dia ao procura-la, na escola de manequim e modelo, do Laporta, na Andradas, perguntei no balcão : -Poderia falar com a Nêga Lú, ao que me respondeu o próprio Laporta : -Aqui não temos ninguém com este nome, temos um professor de dança, chamado Luiz Bastos,é com ele que queres falar.
    Então registro aqui, as dores do preconceito, que deve ter enfrentado, inclusive no ambiete de trabalho.

  10. muito bom resgatar este personagem que tive a felicidade de conhecer como cantor de rock e blues na banda do meu irmão coié.

  11. Descobri esse doc por acaso, as filmagens já foram concluídas ?

    Achei interessante tentarem regatar um ícone da contracultura de porto alegre. Lembrei-me imediatamente da madame satã um polêmico travestido das ruas cariocas, que virou até filme. Acho importante esse resgate histórico da cultura marginal urbana, que se contrapôs ao regime totalitário de governo. Se hoje tantas negas lus são oprimidas, quiça na década de 70, 80!

    Abraços!

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