Quilombolas e indígenas denunciam

Representantes indígenas de comunidades Guarani e Kaingang, juntamente com quilombolas do Rio Grande do Sul, participaram, nesta última quinta-feira, 1º de agosto, de uma reunião com o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o governador Tarso Genro e a presidenta da Funai, Maria Augusta Assiratti. A omissão e negligência do governo com a demarcação de terras e a violência contra os povos foram os pontos da pauta. Líderes Kaingang e Guarani manifestaram apreensão com relação à paralisação das demarcações das terras e as violências que são praticadas contra lideranças e comunidades.

Por Roberto Antonio Liebgott, de Porto Alegre (RS). Publicado originalmente no site do CIMI.

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Foram entregues ao ministro da Justiça documentos onde são apontadas as terras indígenas a serem regularizadas neste ano, pois dependem basicamente de portarias declaratórias, decretos de homologação, além do pagamento das indenizações aos agricultores afetados por demarcações e que são possuidores de benfeitorias de boa-fé e títulos de propriedade legalmente adquiridos.

Os líderes Guarani Santiago Franco e Maurício da Silva Gonçalves denunciaram ao ministro da Justiça as violências praticadas contra a comunidade Guarani Mbya de Irapuã, que no último domingo, 28 de julho, teve barracos incendiados dentro da terra recentemente retomada, já demarcada pela FUNAI. Denunciaram também que os Guarani estão sendo discriminados e perseguidos pelos moradores da região em função da luta pela demarcação da área.

O procurador da República de Cachoeira do Sul, Pedro Nicolau Moura Sacco, antes de solicitar à Polícia Federal abertura de inquérito para investigar a queima de quatro barracos de lona dos Guarani, quis se reunir com fazendeiros que se dizem proprietários da área indígena (ou com seus advogados) para informar o procedimento demarcatório em cursos e buscar esclarecimentos acerca do fato de os Guarani terem encontrado seus barracos de lona incendiados. A reunião ocorreu nesta quinta-feira, dia 1º. No entanto, não houve possibilidade de diálogo por conta da desmedida irritação dos advogados contra os indígenas e aqueles que defendem seus direitos.

Agentes da Polícia Federal, que se dirigiram para a região do conflito e especificamente para o local onde os barracos dos indígenas foram incendiados, acabaram sendo cercados por fazendeiros, que exigiram dos agentes federais identificações. Os fazendeiros foram até o acampamento indígena para intimidar a representante da Funai, presente no local para averiguar a situação. Disseram que o órgão não tem legitimidade, porque está a serviço de ONGs. Insistiram que não aceitam a demarcação de terras e prometem inclusive agir de forma violenta caso a demarcação ocorra. De acordo com as lideranças da comunidade, as ameaças foram proferidas por Benídio Almeida, Almelia da Silva Almeida e Cesar Augusto da Silva Ortiz.

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Terra Indígena Irapuã

A Terra Indígena Irapuã foi identificada pela Funai em 2011. Tem apenas 222 hectares. A área em demarcação afeta uma “propriedade rural”. Os Guarani aguardam apenas pela publicação da portaria declaratória, que já deveria ter sido expedida pelo ministro da Justiça. Sobre a terra não há nenhuma benfeitoria e serve basicamente como espaço de pastagem para o gado de fazendeiros.

Apesar de ser uma área diminuta, os latifundiários da região se articulam de forma intransigente e violenta contra as demarcações de terras. O estado do Rio Grande do Sul concedeu títulos de propriedade de terras em áreas que eram indígenas e ao mesmo tempo foi conivente com o processo de grilagem das terras. Portanto, se for feito um levantamento rigoroso da cadeia dominial das propriedades se constatará que muitos “títulos de propriedades”, naquela região, não são legítimos.

O procurador da República de Cachoeira encaminhou um ofício (entregue pelas lideranças Guarani) ao ministro da Justiça. Nele é solicitado que o ministro declare a Terra Indígena Irapuã como sendo de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya, assegurando-lhe a posse e o usufruto exclusivo. O procurador argumenta que somente assim os indígenas poderão almejar melhores condições de vida. A comunidade vive há mais de 40 anos às margens da BR 290, no quilômetro 299 (fotos que ilustram esse texto).

Quilombolas

Onir Araújo, advogado da Frente Quilombola, ressaltou, durante encontro com o ministro, governador e presidente da Funai, que a postura do estado tem sido de racismo institucional em relação a quilombolas e indígenas. As lideranças indígenas e quilombolas afirmaram que o direito ao território já está consolidado e deve ser respeitado.

Em relação aos supostos pequenos agricultores que vivem em terras sobrepostas a esses territórios, cabe ao estado brasileiro garantir a devida indenização ou reassentamento. Para tanto é responsabilidade dos governos preverem os recursos necessários para o pagamento das indenizações. No entender dos líderes indígenas e quilombolas, a demarcação das terras e o pagamento das indenizações legítimas são as únicas medidas a serem adotadas para apaziguar os conflitos.

Os líderes indígenas disseram que as decisões aleatórias e sem diálogo com as famílias de agricultores de boa-fé, que vivem nas terras em demarcação, atrasa os processos e estimula a violência. O governador do RS transferiu parte da responsabilidade para a presidenta Dilma, argumentando que as medidas necessárias para solucionar os problemas (demarcação das terras e pagamento pelas indenizações) devem ser tomadas por ela.

O ministro da Justiça e o governador Tarso Genro solicitaram um prazo de 30 dias para a formulação de um cronograma de trabalho, tendo em vista as ações a serem desenvolvidas para solucionar os conflitos. Quilombolas e indígenas apontam o dia 30 de agosto como um dia de mobilização e assembleia dos povos.

Depois da reunião com indígenas e quilombolas, o ministro da Justiça e o governador se reuniram com os representantes da Fetraf-Sul (Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar da Região Sul). Nesta reunião não puderam participar os indígenas e quilombolas. Representantes do Cimi e do Gapim, que se fizeram presentes na reunião, foram obrigados a se retirar. Em função disso, não se sabe o teor e os encaminhamentos a serem adotados pelas autoridades.

No entender das lideranças indígenas e quilombolas, o fato de terem impedido que de pessoas solidárias às causas indígenas e quilombolas acompanhassem a reunião é preocupante e suspeito, uma vez que está se tornando corriqueiro o discurso ambíguo das autoridades, que perante os indígenas adotam a retórica de que são prioridades as demarcações das terras e perante os segmentos que se manifestam contrários a elas, o discurso é de que o governo irá rever os processos demarcatórios e readequá-los. Esse tipo de postura das autoridades estimula os conflitos.

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