Por Eliana Mara Chiossi.
Todo dia, o sol vem iniciar a rotina no aeroporto. Verdade? Não. Aeroportos nunca param. Sempre encontrei neles algum consolo para noites de insônia. Quando nada mais resolvia, descia até a garagem, entrava no meu carro, colocava música alta e saía cantando pelo asfalto. Até chegar, estacionar e parar no primeiro café.
Dependendo da época, havia voos domésticos noturnos. E sempre era possível, também, encontrar passageiros aguardando voos noturnos internacionais. Outros, dormindo, espalhados pelo chão, como se estivessem numa guerra, porque perderam voo, porque perderam a hora. Uns agarrados aos outros, ajeitados como podiam. Enquanto isso, funcionário indo e vindo. Gestos de formigas. Sem parar, num frenesi. Era sempre possível encontrar exceções. Funcionários quase dormindo, dependendo da função. E aqueles cujo dever era estar alerta. Taxistas conversando, aguardando passageiros. Tripulação chegando. Atendentes das lojas de alimentação. Funcionários de lojas de câmbio.
Ainda é escuro, mal o sol começa a raiar, e tudo se acelera. Um filme cuja rotação se transforma em outra. Faço um giro completo, noto a movimentação por todos os lados, gente entrando e saindo. O mesmo aeroporto repleto de mais vidas, mais histórias, mais pensamentos, mais rumores.
Nesse dia eu estava tão confusa que não sabia o que fazer da vida. Voltar para casa me obrigaria a tomar banho, combinar a arrumação da casa com a empregada, resolver cardápio para Sofia e ir para o trabalho, onde me aguardava, com dentes ferozes, reuniões aborrecidas. Decidi decretar feriado para mim. Desci para o portão de desembarque e fiquei observando as pessoas. Aquelas que chegavam. E as que aguardavam. Cada cena de encontro me fazia pensar em coisas das vidas alheias e da minha também.
Eu estava sem rumo. Não sei quanto tempo fiquei ali. Saí para tomar outro café. A mocinha que me atendeu tinha aparência de muito cansaço. Tive pena. Enquanto aguardava, vi a nota fiscal do cliente anterior. Não sei se era homem ou mulher, mas tomou um café espresso e comeu um cheesecake de goiaba. Tentei imaginar quem era. E me pareceu que fosse um homem. Precisando de um espresso forte. E uma boa dose de açúcar para compensar. Tomei meu café com leite e voltei, tentando encontrá-lo. Sim, era um homem.
Olhei para o quadro onde anunciavam os voos. Naquele terminal só a Azul teria voo próximo, mas chegaria às 8:15. Eram 6:00 ainda. E ouvi quando um homem alto, bem vestido, quase formal, perguntou ao funcionário se haveria atraso. O funcionário fez cara de espanto e garantiu que até o momento não poderia dizer nada já que o voo só decolaria de Guarulhos as 6:35. O homem, envergonhado, pediu desculpas e se afastou. Ficou distante do portão. Seus gestos eram impacientes, ansiosos. Seu corpo mostrava uma derrota, desistência, algo assim. Ombros largados, cabeça abaixada. Quando olhava para o portão, quando chegava mais perto, o olhar era triste. Trazia papeis numa pasta. Quando finalmente o voo chegou, era visível seu nervosismo, e eu estava hipnotizada. Queria saber o que ele estava vivendo. Começou o desembarque, e ele se reaproximou do portão. Depois de muito tempo, o desembarque foi encerrado, e mais ninguém saiu. Seu corpo estava sem movimentos. Sua expressão era intraduzível. Eu me aproximei e perguntei se estava tudo bem, se ele queria ajuda, se queria uma água ou um café, se não achava melhor sentar um pouco. Ele me disse, sem me ver:
– Não sei ainda. Não sei.
Até que o celular dele tocou. Quando atendeu, pude ouvir uma voz de mulher dizendo: “Eu desisti, Daniel. Eu não tive coragem. Eu não quero mais o divórcio. Vamos tentar de novo”.
Ele não respondeu. Colocou o celular no bolso da camisa. Então me viu. E me abraçou.
Foto: Eliana Mara Chiossi e intervenção do fotógrafo Gaspar Reis