[Catarse / Juremir Machado Silva] Em Porto Alegre acontecem coisas estranhas. Uma delas é com certeza a lógica utilizada na administração do transporte público.
Existe uma cronologia desde 2013 que deixa ainda mais esquisito a elevação das passagens de ônibus (atrasados, sem GPS e sem ar condicionado) na cidade:
– As mobilizações de 2013 se iniciaram porque anunciaram que a passagem subiria para R$ 3,05.
– As ruas explodiram e veio o TCE fazer uma análise apontando que a passagem, inclusive, deveria era baixar para R$ 2,60.
– O COMTU e a prefeitura, mesmo assim, fecharam acordo num aumento para R$ 2,95, mas o nosso superprefeito foi lá e isentou impostos às empresas pobrezinhas e “conseguiu” que a passagem fosse “apenas” a R$ 2,85. Bueno, essa questão do TCE deu pano pra manga, os magistrados apertaram o cerco e obrigaram a prefeitura a fazer uma licitação do transporte público.
– O superprefeito prontamente afirmou que seguiria a determinação – a Catarse estava lá no TCE no dia, há um ano:
– Todo mundo viu a broma que foi a tal da licitação, que deveria ter saído em março, mas foi somente oficializada em setembro. Nos parece nitidamente que houve jogada ensaiada com as empresas – uma linda licitação colocaria ônibus com ar condicionado e GPS a rodar em Porto Alegre! Mas ninguém mandou propostas, nenhuma empresa participou, o que “obrigou” a prefeitura a manter o que tem hoje.
– E, então, de prêmio(!) às empresas rebeldes, que não querem saber de processo democrático no transporte público, há um aumento superior à inflação! R$ 3,25 é superior, ainda, aos R$ 3,05 que queriam enfiar goela abaixo em 2013 e que gerou toda aquela série de manifestações – aliás, é bem próximo dos R$ 3,30 que se dizia ser a pretensão dos empresários naquela época.
É simplesmente incrível, absurdo.
Segue texto de Juremir Machado da Silva, publicado no Correio do Povo:
Como se pavimentou o aumento das passagens
Não teve jeito, as passagens de ônibus de Porto Alegre aumentaram acima da inflação.
Perdeu o ônibus quem acreditou que os feitos de outros anos se repetiriam.
Resta saber como tudo aconteceu.
Admiro pessoas que atravessam um oceano sozinhas num barco, gente que escala uma montanha só para dizer que esteve no cume e, principalmente, quem lê atos administrativos. Não conheço pessoalmente o economista André Coutinho Augustin, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística, mas passei a admirá-lo depois que soube pelo seu blog, intitulado “Enquanto se luta se samba também”, que ele leu “as 165 páginas do expediente administrativo nº 008.100238.15.7 da Secretaria Municipal de Transportes, sobre o aumento da passagem de ônibus em Porto Alegre”. Só o número do tal expediente já me deixou de língua de fora.
A leitura foi proveitosa.
Augustin descobriu que “o cálculo da nova tarifa foi divulgado para a imprensa em 10 de fevereiro e na base legal citada estava um decreto assinado pelo prefeito José Fortunati no dia 9 de fevereiro, quando o processo já estava no final, alterando vários itens do cálculo da passagem”. Opa! O que foi alterado? Fiquei curioso. Ando de ônibus. Tenho mania de me interessar pelo assunto. Sou favorável ao transporte público gratuito para todo mundo. Empresas que não participam de licitações não me parecem habilitadas para requerer aumentos ao poder público. Mas isso são outros quinhentos. O que Augustin desencavou ao ler o fastidioso documento construído para dar sustentação à reivindicação dos nababos do transporte público?
Quatro pontos do decreto anterior foram alterados: “A primeira alteração é que a vida útil dos pneus e das recapagens, que pelo decreto anterior era estabelecida em 228.046 km, passou para 168.063 km”. O que aconteceu? Por que os pneus estão gastando mais rápido? Nossas ruas ficaram piores? Mais: “Também foram alterados o “fator de utilizações de fiscais” e o “coeficiente de consumo de despesas não operacionais”, um para menos e outro para mais. Aparentemente, as empresas diminuíram o número de fiscais, mas estão gastando um pouco mais com energia elétrica, água, luz”. Que mistério! Agora vem o mais impactante: “Foram alterados os coeficientes de consumo de combustível por categoria de veículo, um dos principais itens da tarifa”. Nossos ônibus, apesar da evolução tecnológica, passaram a gastar mais óleo diesel em um ano: “A estimativa de consumo de combustível aumentou de 0,4323 litros/km para 0,7530 litros/km”.
Minhas solas de sapato continuam levando o mesmo tempo para se gastar. Por fim, o preço do litro do combustível, que era obtido a partir “do Levantamento de Preços praticados em Porto Alegre, realizado através de Pesquisa pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)” passou, de repente, a ser obtido “a partir do levantamento das notas fiscais de compras das empresas operadoras”. André Coutinho Augustin estragou minhas viagens de ônibus. Desde que o li o seu texto, pago o ônibus com a impressão de estar sendo enganado. Augustin lembra que, no Rio de Janeiro, uma empresa do rei dos ônibus, Jacob Barata, fornecia pneus, carrocerias e notas fiscais superfaturas para os coletivos do próprio Barata.
Aqui, claro, jamais se imaginaria uma falcatrua dessas. Que chato!
Depois de algum tempo engolindo sapos, os donos de ônibus deram o troco: recusam-se a participar de uma licitação, não colocam ar condicionado em seus caminhões de gado e ganharam aumento.
Ficamos todos na parada.
– leia a estranha resposta da EPTC, clique aqui