por Têmis Nicolaidis

Dia 9 de dezembro de 2020 foi dia de buscar os quadros do Paulo Montiel com sua família no Bairro Vila Jardim. Um legado que deixou para seus filhos e que nos confiaram a guarda. A nossa história com esse bairro e com essa família em especial se tornou um dos eixos fundamentais do existir deste ponto de cultura. Eu me lembro bem dos primeiros contatos com a casa que abrigou as atividade do Ventre, como era e é carinhosamente chamado o nosso Ponto de Cultura, como conhecemos as crianças que nos ajudaram a erguer o projeto, as atividades, as arrumações, as incertezas e alegrias que um projeto como esse pode nos proporcionar. E, finalmente, lembro muito bem do dia e dos meses que se seguiram e que tivemos o privilégio de conhecer Paulo Montiel. Anos depois ele veio a falecer, e nos 8 anos que trabalhamos juntos, ele deixou sua marca em nós e no projeto do Ventre Livre.

Resgate do acervo de Montielachado no último atelier que ocupou antes do acidente.
Paulo Montiel fala sobre o Egun.
Paulo Montiel fala sobre arte.

Grande privilégio, também, foi conhecer a Raíssa e a Márcia, pessoas que criamos laços daqueles inexplicáveis que atravessam o tempo e são maiores que nós. Por causa delas e de muitas outras crianças e suas famílias no entorno da casa da Galiléia, 220, é que pudemos nos fortalecer e realizar tanta coisa bacana das quais tanto nos orgulhamos. Foram oficinas, produções audiovisuais, livro de fotografia, prêmios de reconhecimento e, claro, a descoberta de um acervo de grande importância cultural composto por inúmeras pinturas a óleo, pesquisa em esboços de desenho e textos de um material que renderia um livro, tudo sobre a cultura afrodescendente ligada aos orixás, produzido por Montiel.

Vídeo de 2010 em que as crianças apresentam o Ventre Livre e entrevistam uma das mães sobre gravidez.
Oficina de música.

Oficina de filtro dos sonhos.

Revendo esse histórico do Ponto de Cultura, voltando a assistir esses vídeos sou tomada por uma emoção muito forte. Era uma época de semear, de cuidar e de regar, fizemos isso e vimos florescer e dar frutos. Gosto de pensar que fizemos a diferença nesse pouco tempo que estivemos na Vila Jardim, e trabalhamos muito mais do que estava no projeto. Extrapolamos e nos orgulhamos de tudo, mesmo das falhas, porque elas fazem parte do processo e certamente nos tranformaram em pessoas e profissionais mais maduros.

Hoje, voltamos a Vila Jardim para buscar os quadros do Montiel, nos comprometendo com a preservação e difusão dessas obras. O cordão que nos liga com esta comunidade é da cor de todos esses orixás, de toda essa cultura e ele é muito resistente. Na casa onde um dia foi o Ventre Livre, hoje, é uma casa de religião que, de vez em quando, toca tambores noite adentro. Quando perguntei pra Raíssa se os vizinhos não se incomodavam com isso, ela respondeu: “Não, aqui na rua é tudo batuqueiro”. Gosto, também de pensar que o nosso ventre, também, é esse, de raíz, de resistência e de identidade cultural.

Raíssa Montiel fala sobre seu pai, memórias e legado.

Após o falecimento de Paulo Montiel, sua filha Raíssa ficou responsável por reunir todas as obras que foram deixadas nos últimos locais que transitou, fazendo o levantamento e resgatando todo o acervo que foi possível encontrar. Na sequência passou todo esse ao Ponto de Cultura e Saúde Ventre Livre que passa a ter essa guarda temporária dessa riqueza cultural.

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