Frutos de resistência – Marcha das mulheres indígenas pelas lentes da Retomada Gah Ré

Em abril deste ano, pouco antes do Acampamento Terra Livre, a mulher araucária Gah Té plantou uma semente: “precisamos de oficinas para que a juventude da comunidade possa cobrir a ‘III Marcha das Mulheres Indígenas – Mulheres Biomas em defesa da Biodiversidade”. Setembro chegou trazendo os frutos: a juventude da retomada participou da marcha entre os dias 11 e 13 com a câmera em punho, registrando sua luta do seu próprio ponto de vista.

Mas entre o plantio e a colheita, meses de rega, preparação e cuidado com o solo. A demanda inicial da Cacica e Kuja Kaingang foi levada para a Witness Brasil, entendida como uma continuidade do processo iniciado com a Rede Coral, que conectou terriórios em luta em toda Abya Yala para o uso das imagens na defesa de territórios.

E não são poucas as batalhas que o povo Kaingang, da floresta das araucárias do planalto sul brasileiro, enfrenta. Do desmatamento e ameaça pela soja e outras monoculturas até a falta de acesso à terra, combatida de maneira direta por meio de uma série de retomadas.

Nesse contexto, é fundamental o papel da Gah Ré, retomada que luta pelo direito a terra no Morro Santana/Porto Alegre e contra a violação dos corpos territórios indígenas. Protagonismo feminino contra tantas violações a partir da ação de Gah Té, curandeira, cacica, avó, mãe, parteira; fonte de vida e cura como as grandes araucárias que mantém as florestas no sul do Brasil.

Feito o projeto com apoio dos parceiros da Witness, foram organizados os conteúdos básicos para oferecer aos jovens algumas noções de fotografia. Com apostilas em mãos, o grupo de oficinandas e oficinando estudou durante 3 meses. De maneira prática, registraram o cotidiano da aldeia, a peça “na Trilha das Andarilhas” , a exposição “Memória e Resistência“. Além da fotografia, também participaram do “Ciclo Audiovisual de Impacto Social”, no qual o articulador da Witness Brasil e Bombozila Vitor Ribeiro ministrou encontros de vídeo com o celular.

Tecnologias e técnicas a serviço da luta dos povos indígenas, sendo incorporados pela cultura e ressignificados. A câmera, conquistada pela comunidade em outro projeto, não foi tratada como um objeto individual que só fica nas mãos do seu dono; pelo contrário, passou entre várias mãos, multiplicando olhares.

Olhando para a quantidade crescente de grupos e coletivos indígenas fazendo fotografia, jornalismo, cinema, e comunicação no geral, percebe-se que é um processo sem volta: os povos estão cada vez mais empoderados das ferramentas para fazer ouvir sua voz, demarcando telas e reflorestando o imaginário. Cada comunicador indígena pode ser visto como uma árvore – vista do nosso sul, bem poderia ser uma Araucária – que com seus frutos alimenta a luta; semeia novos horizontes possíveis.

Assim, convidamos a saborear algumas das quase duas mil fotos tiradas na jornada de uma semana de ida e volta de ônibus dos Kaingang até Brasilía. Agradecemos acima de tudo à comunidade pela confiança e parceria e intencionamos que as imagens sejam como pinhões, podendo alimentar os animais ou rebrotar novas florestas.

Fotos: Vanfejj, Fran, Jonas, e demais parentes e apoiadores que estiveram no acampamento.
Texto: Bruno Pedrotti.
Oficineiros do ciclo: Marcelo Cougo, Luis Gustavo Ruwer, Bruno Pedrotti e Billy Valdez.
Apoio: Witness Brasil.

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