Imagens de luta: 1 ano da Retomada Gah Ré

Cansados de viver espremidos nas periferias, há pouco mais de um ano, familías Kaingang e Xokleng retomaram um território no Morro Santana. O terreno na zona leste de Porto Alegre, das capitais mais verticalizadas do Brasil, tinha tudo para seguir o rumo de tantos outros na cidade: ser cercado por tapumes, virar canteiro de obras e por fim um conjunto a mais de prédios sufocando a terra e bloqueando a vista.

Mas a luta mudou tudo. Ao invés de prédios, aldeia. No lugar de concreto, trilhas. Ao invés de cortar as árvores, foram plantadas novas mudas, roças e ervas medicinais. Não se gerou lucro para acionistas e especuladores do mercado financeiro e sim bem viver, dignidade e alegria para famílias, amigos e parentes.

Contra todas as forças do sistema capitalista, a comunidade vem se mantendo no seu território a um ano. Conquista essa que merecia – e recebeu – uma grande celebração.

Entre os dias 2 e 5 de novembro, foi comemorado o aniversário da retomada, com apoio da Teia dos Povos, articulação nacional de luta por terra e território. Mais do que “somente” festejar, o evento foi organizado para potencializar a comunidade, com mutirões de construção e plantio, trilha, encontros culturais e fortalecimento de redes de apoio e solidariedade.

A nós do Coletivo Catarse/Ponto de Cultura e Saúde Ventre Livre coube mostrar algumas imagens representativas do que o território passou. Com as fotografias do Deriva Jornalismo, Santiago e da própria juventude da retomada – registradas no processo do oficinas com nosso coletivo viabilizado pela Witness – montamos uma exposição no sábado dia 4 de novembro.

Junto da exposição de fotos, também organizamos um cinema na aldeia. O barracão de lona, espaço importante de convivência, deliberação e aprendizado, tornou-se também sala de cinema, com o calor do fogo aquecendo o ambiente.

Entre as opções de vídeos selecionados para a exibição não houve dúvida sobre qual seria o primeiro: “Resistir para cuidar da Mãe Terra“, registro da entrada da comunidade no território, cerca de um ano atrás. Após o filme, Gah Té fez uma fala reforçando a intenção de reflorestar o Morro Santana, convidando aos presentes para o mutirão de plantio que seria realizado no dia seguinte (domingo, dia 5).

A sessão seguiu com mais um vídeo sobre a retomada que circulou no Instagram, o Dossiê sobre a Família Maisonava da Federação Anarquista Gaúcha (FAG) e o vídeo “Araucária Milenar e os Ensinamentos Xamânicos“, no qual o coletivo por meio do projeto Resistência Kaingang registrou um ritual da Kuja Gah Té com seu sobrinho e aprendiz de xamã Doka aos pés de uma Araucária Milenar em Mangueirinha/Paraná.

O vídeo motivou Gah Té a compartilhar um pouco do valor que as Araucárias têm para o povo Kaingang com a comunidade de parentes e apoiadores que ouvia atenta envolta do fogo. Não por acaso, o filme seguinte foi o documentário Araucária, que cativou o público com suas belas imagens e animações dos animais que se alimentam os pinhões. E ver as imagens de pinhões cozidos, assados na grinfa, na chapa do fogão a lenha ou usados nas diversas receitas registradas no curta abriram o apetite dos presentes na sessão.

Assim, foi se encerrando a sessão de cinema, com a chamada para o mutirão de preparo da janta. Terminado o cinema, o evento seguiu sua dinâmica coletiva de celebração e trabalho. Na mesma noite, música, dança, cantoria. No dia seguinte, trilha no Morro Santana e plantio de mudas nativas.

Refletindo sobre o território e as diferentes fases pelo qual passou, foi possível perceber quantas conquistas no espaço curto de tempo. Algo que de fato se constatou foi que tamanho avanço não foi fruto de apenas o trabalho de algumas pessoas, e sim de uma articulação extremamente potente de outras aldeias, quilombos, assentamentos, grupos de capoeira, e diferentes grupos de pessoas que lutam por cidades com mais aldeias e menos prédios. Abaixo alguns dos nomes das coletividades envolvidas na construção desta festa. Agradecemos a oportunidade de participar e desejamos que venham muitos anos de vida para a Retomada Gah Ré e para a Teia dos Povos!

Assentamento Carlos Marighella (SM), Quilombo Coxilha Negra (São Lourenço), Retomada Konhun Mág (Canela), Assentamento Filhos de Sepé (Viamão), Aldeia Por Fi Gá (São Leopoldo), Horta Vó Maria (Canoas), Comunidade Kilombola Morada da Paz (Triunfo), Raízes do Sul Capoeira Angola, Ação Antifascista Social, povo Palestino…

Outros olhares:
Deriva Jornalismo, DO TERRENO-Naturais&Artesanais, Retomada Kaingang de Canela

Texto: Bruno Pedrotti
Fotos: Luís Gustavo Ruwer, Billy Valdez, Marcelo Cougo, Deriva Jornalismo, Giulia Sichelero.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *