Com seu território cercado de mega projetos de mineração e geração de energia, a Comunidade Quilombola Vila Nova vem lutando em defesa de seus direitos. Localizado em São José do Norte/RS, o quilombo irá finalizar e lançar neste ano seu Protocolo de Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé em texto e vídeo. O documento um dos primeiros protocolos de uma comunidade quilombola no RS – e primeiro a estar disponível também no formato audiovisual – busca evitar violações de direitos e defender o modo de vida tradicional baseado na agricultura e pecuária familiar.
Ao longo do ano passado, a comunidade iniciou a construção do protocolo. Para isso, contou com o suporte de uma equipe multidisciplinar composta por pesquisadoras dos campos da biologia e geografia integrantes do Núcleo de Estudos de Geografia e Ambiente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NEGA/UFRGS) e comunicadores do Coletivo Catarse.
A primeira etapa da realização do estudo e gravação foi realizada com apoio do Fundo Casa Socioambiental. Foram realizadas 4 oficinas no território, no distrito do Capão do Meio, São José do Nortel, litoral médio do Rio Grande do Sul. Nos encontros, quilombolas e pesquisadoras construíram coletivamente um documento que refletisse a maneira correta de se realizar a consulta prévia conforme previsto pela Conveção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).



Ao contrário do que diz a legislação internacional da qual o Brasil é signatário, a comunidade denuncia que os 3 mega empreendimentos em processo de licenciamento que ameaçam o território não realizaram a consulta prévia. Justamente por isso, defendem que as Licenças Prévias – primeira das 3 licenças exigidas por lei para a instalação de um empreedimento – que os projetos já têm não são válidas. Essa necessidade de consulta é reforçada também pela dimensão dos projetos e seus potenciais impactos.
O complexo eólico Bojuru, por exemplo, pretende instalar 113 aerogeradores numa distância de 6,5 km da comunidade segundo os estudos apresentados pelo empreendimento. Com capital italiano viabilizando o projeto, o Complexo Eólico Ventos do Atlântico tem uma ambição ainda maior: construir o maior parque eólico da América Latina, com mais de 15 mil hectares – muitos sobrepostos sobre o território quilombola (mapa abaixo) – e já solicitou a segunda licença (LI).
O quilombo enfrenta ainda as investidas da mineração – como toda São José do Norte, que tem 100% da área do município requerida em processos de licenciamento minerário. Porém, um projeto específicamente vem avançando. Aliás, como a própria RGM – que conta com capital australiano – já destacou em comunicados para seus acionistas, o Projeto Retiro, que já tem a LP, é a primeira etapa de um plano maior: o projeto Atlântico Sul, que busca explorar titânio, ilmenita, zirconita e rutilo em quase toda a faixa litorânea do município.

Denunciando estas e buscando evitar novas violações de direitos, a comunidade e seus apoiadores vem seguindo os trabalhos na construção do Protocolo de Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé. A pesquisa em texto está passando pelas últimas revisões com ajuda dos parceiros do Observatório de Protocolos Comunitários e do Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil e Este del Uruguay. Em paralelo, a equipe de comunicação vem organizando a publicação do material no formato de revista, trabalhando em uma identidade visual e gráfica, traduzindo em ilustrações um pouco da realidade local e organizando mapas e fotografias.
A continuidade do projeto “Quilombo Vila Nova: Organização e Soberania na Defesa do Território” vem sendo possível graças ao apoio do Fundo Brasil por meio do edital “Vozes por direitos e justiça, fortalecendo a autonomia e a ação da sociedade civil”. Com este apoio, será lançado o protocolo em um evento, no qual está prevista a exibição do protocolo em vídeo e a entrega da versão impressa para autoridades e organizações parceiras.
Este apoio se faz extremamente importante em um contexto em que conflitos e violações são recorrentes. Segundo um levantamento de 2024 realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) junto da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), 98,2% dos quilombos tem seu território ameaçado por obras de infraestrutura, requerimentos minerários ou sobreposições de imóveis particulares.
Como resposta a este ataque aos territórios, diversas comunidades em todo o país vêm se organizando para lutar também pelas vias jurídicas, principalmente contra as obras de infraestratura e mineração. De acordo com um levantamento realizado por Felipe Estrela de Carvalho, doutor em direito pela UNB e integrante do Observatório de Protocolos Comunitários, até o ano de 2022 foram realizados 74 (setenta e quatro)
protocolos autônomos de comunidades quilombolas. E este número está aumentando, após o levantamento feito por Felipe, a Comunidade Quilombola Morada da Paz (Triunfo/RS) elaborou o primeiro documento de uma comunidade no Rio Grande do Sul. O protocolo vem sendo uma importante ferramenta para garantir os direitos da comunidade e evitar os impactos da expansão da rodovia BR 386.
Em breve a Comunidade Quilombola Vila Nova estará lançando seu documento, disponível também no suporte audiovisual para valorizar a oralidade e democratizar o acesso ao material. Por meio destes registros falados e escritos, a comunidade fará ouvir a sua voz e terá ainda mais elementos para lutar por seus direitos.

texto: Bruno Pedrotti
Fotos, mapa e pesquisa: Giulia Sichelero.