Por Eliana Mara Chiossi.
Quando eu nasci, meu primeiro pai e minha mãe estavam juntos. E uma parteira me trouxe ao mundo, junto com a chegada do trem, na periferia, chegando junto com trabalhadores cansados. Minha vó chegou cansada do trabalho e me viu recém-nascida, na cama da casa onde meu primeiro pai e minha mãe viviam juntos.
A pobreza piora as coisas, a pobreza dificulta mais a vida das pessoas. Mas foi mesmo a pobreza nos afetos que fez com que meu primeiro pai e minha mãe se separassem. Ele não soube ser meu pai, depois. E tudo na nossa vida foi tecido na linha tênue – e perigosa – do desencontro.
Depois, chegou o segundo pai, e o lugar foi ocupado.
Mas, criança, será que eu entendia essa troca?
Pequena e sem defesas, será que eu queria essa troca?
Cresci e fui deixando de ser filha dele. Ele foi deixando de ser meu pai.
Meu primeiro pai e eu nos distanciamos. Ele ficou doente. Eu visitei pouco, eu não cuidei dele. As irmãs, sim. Parecia simétrico. Ele também não foi cuidadoso.
Hoje, após alguns dias sem internet, soube, pelo Facebook, através de mensagem de minha irmã, filha dele também, que, na noite em que sonhei um sonho inteiro cheio de morte, ele tinha falecido. Soube hoje que meu primeiro pai foi cremado ontem.
E não sei o que fazer com isso.
E penso na multidão de pais que partem da vida dos filhos, por vários motivos. Na multidão de filhos que perdem os pais que vão construir outras famílias. E penso que, nesta hora, a culpa é a pior palavra. E mágoa talvez seja ruim também.
Mas são, para dizer o mínimo, as primeiras palavras que nos ensinam estas histórias de pais que vão embora.
Meu primeiro pai foi embora outra vez hoje. E isso já é uma história antiga para a criança que fui.
Foto: Gustavo Türck/arquivo pessoal