Demarcações de terras indígenas e reconhecimento dos direitos dos agricultores, já!
O conflito agrário estabelecido na região Norte do Rio Grande do Sul, que redundou na morte de dois agricultores no dia 26 de abril, em Faxinalzinho, faz parte de uma tragédia anunciada, num contexto previsível de barril de pólvora ocasionado pela omissão dos governos. A situação deve ser enfrentada com urgência, num primeiro sentido para apaziguar os ânimos, garantindo os direitos de ambas partes, a fim de se evitar que tragédias maiores aconteçam.
A luta indígena pela demarcação de terras, no caso dos Kaigang, é o resultado de um processo histórico de resistência à apropriação territorial realizada pelo Estado brasileiro. Entre as consequências principais disso são o extermínio dos povos indígenas, seu etnocídio e a exclusão social dos povos originários da nossa terra. E cabe lembrar que os povos indígenas buscam garantir seus direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, ou seja, a demarcações de suas terras tradicionais, todavia, esbarrando na falta de ações de governos e tendo como inimigos declarados políticos das casas legislativas, que incitam e incentivam a violência contra essas populações originárias.
No contexto local, os agricultores também são vítimas desse processo de ocupação territorial estabelecido pelo Estado, no passado. Na atualidade, cabe ao Estado a responsabilidade, e não a conivência, na busca alternativas objetivas, para atender os agricultores, principalmente garantindo seus direitos de desapropriação, ressarcimento das benfeitorias e aquisição de novas áreas de terras nas mesmas condições atuais.
Verifica-se que, além da falta de prioridade na demarcação de terras indígenas, há a repetida falta do cumprimento de acordos entre governo federal, indígenas e agricultores. Infelizmente, até agora, os governos só aparecem com discursos vazios e sem assumir seus compromissos constitucionais.
Isso não é novidade, já que a política geral dos últimos governos, e aprofundada no atual, é de apoio irrestrito ao agronegócio, baseado na concentração da terra, monocultivo, e exportação de commodities. Isso corresponde a perpetuar um modelo que retrocede a um papel neocolonial de exportação de matérias primas por parte do Brasil. Um modelo socialmente excludente e ambientalmente degradador. Aqui destacamos o comprometimento da saúde do agricultor e da população do campo (inclusive indígena) e da cidade, principalmente pelo uso e consumo de alimentos contaminados com agrotóxicos, que fez com que o nosso País se tornasse , desde 2008, o campeão mundial no uso de venenos agrícolas.
Nesse modelo agroexportador, povos indígenas, populações tradicionais, pequenos agricultores e meio ambiente são vistos como entraves ao desenvolvimento capitalista. Assim como na flexibilização do Código Florestal, ocorrida em 2012, há várias iniciativas de aprofundar esse processo de exploração e espoliação dos recursos naturais em terras indígenas e em áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, tanto pelas obras do PAC, com destaque à Hidrelétrica de Belo Monte (rio Xingu) como no novo e desastroso projeto de Código de Mineração.
No atual e último governo federal, temos a paralisia total da reforma agrária, assim como a deliberação política, inclusive pelo amplo leque de alianças com os ruralistas, que têm como lideranças grandes latifundiários e transnacionais de venda de insumos e sementes, que resulta na não demarcação de novas terras indígenas e unidades de conservação em todo o território brasileiro. Pior ainda, paira no Congresso a proposta de emenda constitucional (PEC) 215 que praticamente engessa qualquer nova demarcação de terras indígenas e joga para escanteio os seus direitos conquistados nas últimas décadas.
Lamentamos que os governos se preocupem mais em participar de eventos de comemorações dos crescimentos efêmeros do PIB, alegadamente puxados pelo agronegócio (nutrido por bilhões de reais de recursos públicos).
Os governos, os ruralistas e os setores a eles associados deveriam também se lembrar dos imensos efeitos colaterais, sociais e ambientais deste modelo que gera cada vez mais conflitos no campo. Ou se inverte as prioridades, com políticas públicas a quem mais precisa, no caso os guardiões de nossa agrobiodiversidade, representados pelos povos indígenas e os agricultores familiares, ou vamos seguir sendo testemunhas de mais tragédias socioambientais.
Nesta hora delicada, os movimentos sociais e ambientais cobram o compromisso urgente dos agentes públicos, via governos federal e do RS, no sentido de evitar um possível confronto iminente, restabelecendo um clima de paz e diálogo com os indígenas e agricultores, reconhecendo, de fato, os direitos de cada um dos grupos.
Solução imediata ao conflito!
Demarcações das terras indígenas já!
Terra e direitos aos agricultores!
Porto Alegre, 08 de maio de 2014
MoGDeMA – Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente