por Revista Bastião
Ocupação “Iluminados por Deus”, na zona sul de Porto Alegre. Eles pedem pouco, quase nada. Um teto, água e luz. Um lugar para morar, apenas.
A terra prometida
No início, eram poucos. Em meio ao entulho, ao lixo e a estruturas abandonadas, achar o local certo para se estabelecer era um desafio, ainda que a terra fosse vasta. Dez hectares, diziam. O chão árido parecia à beira da morte após tanto tempo de descuido. Ainda assim, aquele pedaço de terra pobre era tudo para aquela pobre gente. É como se se merecessem: tanto a terra quanto as pessoas haviam sido abandonadas. Chão pedregoso para vidas pedregosas.
Nos últimos anos, os únicos visitantes eram usuários de drogas e praticantes de delitos. Aquele amplo terreno havia sido reduzido a um esconderijo. E era mesmo um local ideal para isso: as paredes descascadas da antiga indústria de laticínios, a Avipal, que não operava ali há pelo menos sete anos, a escuridão, o mato alto; nada mais perfeito para quem quisesse desaparecer. Vez que outra ainda se ouvia um caminhão de entulho despejar seus destroços ali.
Os vizinhos, acostumados com o abandono, esqueceram que o terreno existia. Esqueceram até que aquilo era um lugar. Criaram um escudo para não ver o descaso. Compreensível, é desagradável. Além do que, temos nossos próprios problemas, e são tantos, não queremos sair na rua e nos incomodar com todos os outros problemas que encontramos. E são tantos. Então bloqueamos a visão; é mais fácil não ver.
As barracas se multiplicam
Com os novos ocupantes, no entanto, o cenário começou a mudar. Aos poucos, principalmente a partir de julho, novas famílias chegaram e se juntaram aos precursores eremitas, que estão lá há mais de três meses. Fugiam de lugares distantes – Campo Novo, Restinga e outros recantos periféricos -, inóspitos, que a qualquer chuva inundavam e arruinavam casas, móveis e vidas. Fugiam também de aluguéis caros, impagáveis para quem recebe um salário mínimo, quando tanto. Fugiam também porque não recebiam o pouco que mereciam, os aluguéis sociais de parcos 400 reais, que deviam vir e não vinham. O Bolsa Família, auxílio do governo federal para os extremamente pobres, aqueles que subexistem com uma renda familiar per capita de até 77 reais, quase não se via, tão rápido sumia. A conta bancária secava antes da casa, que inundava de novo com a chuva seguinte.
Assim, as barracas se multiplicaram. Hoje, já são aproximadamente 600 famílias. Ouve-se vozes, risadas, bocejos. Há, enfim, vida naquela terra. Agora chegam pedaços de madeira, telha, pregos. Constrói-se, martelada a martelada, a casa tão sonhada. A palavra se espalha e os dez hectares já nem parecem tanto. Será mesmo tanta gente sem ter pra onde ir? E o tempo todo a terra ali, inutilizada, transformada em lixão e esconderijo.
Leia a matéria completa aqui.