[por Claudia Favaro]
Há dois dias a mídia vem veiculando insistentemente, no rádio e na TV, a notícia da inclusão de mais um acusado no inquérito que averigua possíveis danos ao patrimônio público, no episódio ocorrido no Ginásio Tesourinha no dia 10 de março do ano passado. Reproduzindo mais uma vez o discurso de criminalização aos movimentos sociais. A fraudulenta e orquestrada audiência pública convocada pela prefeitura municipal de Porto Alegre que ocorria aquele dia pretendia validar publicamente a tão famosa licitação do transporte público da cidade. Depois de inúmeras vezes convocá-la para locais pequenos ou não dar a devida publicidade, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre deixou claro que nunca teve o interesse e/ou a intenção de debater efetivamente o sistema de transporte público de Porto Alegre com o conjunto da população. Naquela noite, estava em jogo sim, um grande patrimônio da cidade de Porto Alegre, o direito de dar a toda a população Porto Alegrense a possibilidade de ir e vir e se transportar, e acessar os equipamentos públicos e a cidade. Uma grande ação de vandalismo contra o direito fundamental a mobilidade foi orquestrada naquela noite pela prefeitura municipal de Porto Alegre para fazer passar, goela abaixo, uma licitação fraudulenta e com bases legais que indicavam um alto custo aos passageiros e mínimas intenções na melhora da eficiência e da prestação desse serviço, que é público.
Porto Alegre, já teve um dos sistemas de transporte urbano mais admirados do mundo, com uma empresa pública de transportes fortalecida, por muito tempo garantiu a População de Porto Alegre o acesso a um serviço de qualidade. Mas ao longo do tempo a efetivação e a construção do discurso de que a municipalidade é ineficaz para administrar as empresas públicas e a criação do consenso na comunidade porto alegrense, através do sucateamento da carris, de que é preciso sua privatização, é cada vez mais forte e trazida a tona com mais força, inclusive pelos meios de comunicação esse tipo de iniciativa. Fortalecida por uma lógica de construção de um modelo de cidade cada vez mais desigual, e excludente que leva para além das periferias dos grandes centros urbanos a população mais empobrecida e com os conseqüentes processos de gentrificação que assolam a cidade, o transporte se torna ainda mais fundamental na vida do trabalhador. Sim, as cidades estão com problemas caóticos de mobilidade, com uma política econômica que incentiva a sistêmica produção e venda de automóveis e com um planejamento urbano que responde com mais alargamentos de avenidas, pontes e túneis para carros, sempre para os carros e na contramão disso o transporte público, que é explorado pelas empresas privadas fica cada vez mais caro e precarizado. Já diziam as vozes de 2013 em Porto Alegre, tri caro, tri lotado e tri demorado.
O ano de 2013 se afirmou como um ano em que a pauta do transporte, do passe livre, da cidade, do direito de ir e vir, do acesso aos espaços públicos veio à tona e borbulhou na boca da população de Porto Alegre. A cidade voltou à pauta. Foi pela coragem de inúmeros jovens que tomaram as ruas e não recuaram enquanto não reduziram o valor da tarifa, que essa vitória foi conquistada e o que é mais importante nisso tudo, é que essa foi um conquista coletiva! Quem se beneficiou com ela? TODA a população que transita e se desloca nessa cidade. Mas na contramão do processo emancipatório e de luta que foi construído, o estado e o aparato repressor se armaram até os dentes e os processos de criminalização desde então não param. Foram inúmeras casas de companheiros arrombadas, onde livros e pertences pessoais foram levados, foram inquéritos abertos e indivíduos criminalizados, foram homens e mulheres de luta encarcerados e expostos na mídia como prêmio aos conservadores para virarem o senso comum contra os trabalhadores e manifestantes, mas são esses, além de tantos outros que lutam por novas conquistas e ampliações de direitos que serão gozados por toda a população da cidade.
São as insurgências populares que historicamente conquistaram e vão continuar conquistando grande parte dos direitos sociais, políticos e culturais que toda a população goza hoje, desde o direito ao voto das mulheres ao salário mínimo e tantos outros que cada setor da sociedade civil tem peleado inclusive para estes mesmos direitos já conquistados não venham a retroceder e é exatamente esse o contexto que estamos vivendo no atual período histórico. Portanto, colocar-se em movimento e a serviço dos processos de mudança não só é um direito como um dever e que deveria ser encarado, pelo conjunto da população com muito mais seriedade. Somos militantes dedicados a construção de uma outra sociedade, de uma outra cidade, de um outro transporte, não somos como a mídia quer fazer reproduzir ao senso comum como vânda-los, loucos ou marginais. A individualização da luta, criada por esses processos judiciais sem pé e nem cabeça são uma estratégia clara de desmobilização e criminalização dos que lutam e essa iniciativa deve ser combatida pelo conjunto da sociedade.
A RBS historicamente tem tratado a questão do transporte público na cidade de Porto Alegre e a luta dos movimentos sociais nessa pauta envolvidos, como caso de polícia, que seguidamente tem se utilizado destas infâmias e infundadas acusações para alastrar o medo entre os cidadãos que vem às ruas se manifestar e a Copa foi o auge desse processo, de coação, de perseguição e de criminalização. São hoje no Brasil, inúmeros os companheiros e companheiras criminalizadxs, que respondem processos, que estão foragidos e outros até presos. E nesse momento é preciso cercar de solidariedade os que lutam, hoje e sempre.
Me causa sem dúvida muita estranheza a inclusão do meu nome neste inquérito. Eu estive no tesourinha nesse dia e lá, como tantos outros eu estava lutando por uma cidade mais justa e por um transporte público acessível a todos. Como arquiteta e urbanista, mestranda da UFRGS na área de planejamento urbano faço do meu conhecimento uma arma para lutar por esta cidade, e todas as cidades que hoje passam por tantos problemas e contradições. E é isso que me motiva em todas as trincheiras e áreas de atuação a seguir firme e NÃO DESISTIR JAMAIS, não retroceder um só passo e apostar que meus dias cada vez mais estarão dedicados a seguir defendendo os direitos humanos e estar sempre ao lado dos debaixo.
Brisa, Gil, Fabrício, Sheila, e tantos outros que também tiveram seus nomes e suas vidas expostas pelo simples fato de acreditar que é possível construir um transporte 100% público e parcialmente gratuito na cidade, estamos juntos e espero que possamos seguir reeguendo a pauta do transporte e derrotando as intransigências desses órgãos de governo além de seguir enfrentando os verdadeiros vanda-los e depredadores do patrimônio público desse país, que certamente não somos nós!
Eu estou com a cabeça erguida e vou seguir com a certeza de que a nossa luta é justa e necessária e vou por ela até as ultimas conseqüências. Não me calarão. Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito e moradia e transporte são uma só pauta! Convoco a todos e todas que se somem, que tragam sua solidariedade e lutem pelo que acreditam.
(Artigo publicado originalmente em 16.01 no JornalismoB)