Por Eliana Mara Chiossi.

A criança é o presente, a vida exposta em sua intensidade e pureza.

E nos afastamos dela, até perdê-la.

É assim que fazemos com as crianças: queremos vê-las crescer. Desde seu nascimento, nada fazemos para retardar este processo. Ao contrário, numa espécie de crueldade sutil, giramos em torno dela para que cresça, para que cresça, diariamente. Ansiamos pelas festas de aniversário, e, em conjunto, familiares e amigos se reúnem para celebrar mais um ano de vida, e já seguimos programando a próxima festa.

A criança dá os primeiros passos. Comemoramos. Damos gritos.

A criança passa a comer comida sólida. Comemoramos. Damos gritos.

Cada palavra nova que é pronunciada por ela, também é motivo de comemoração.

De uma certa forma, desejamos que a criança desapareça. Que em seu lugar surja um adulto, como nós, e, de preferência, um adulto que não dê problemas.

E, nesse afã de ver uma criança crescer, não vemos de fato seu crescimento.

Uma planta cresce sutilmente. Está dentro de um vaso ou num canteiro, dá os primeiros passos para fora da terra, e, se estamos descuidados, nos surpreendemos um dia com uma folhagem imensa a cobrir uma parte da casa. A planta pode crescer distante de nossos olhos, se tem chuva e sol disponíveis. Mas a criança cresce frente aos nossos olhos diários. E, assim mesmo, queremos sempre que cresça mais rápido, que estando ainda sendo amamentada, saia correndo pela sala em seu triciclo. E que logo esteja usando uniforme e indo à escola.

Sendo a criança uma metáfora do presente, que fazemos hoje, nestas semanas de Natal e Ano Novo, nestes dias que encerram o ciclo no qual funcionamos? Corremos.

Atordoados. Descontrolados. Onde passar as férias? Que cozinhar para as ceias? Que roupa usar no Ano Novo? Que resoluções propor?

E, voltando o filme do ano todo, se formos capazes de nos assistir como personagens de um filme, nos movimentamos de um modo tão acelerado que é como se houvesse uma sombra da pressa a nos submeter. Pressa de quê? Pressa para quê? Sem agendas repletas de tarefas nos sentimos deslocados, nos sentimos menos simpáticos. Quem não tem com quem sair no sábado cai na malha fina dos rejeitados. Ainda que prefira passar o sábado sem fazer nada.

Não podemos parar porque parar é deixar de ter alguma importância.

Quando dizemos que estamos vivendo uma correria e por isso não temos como visitar um amigo, estamos desculpados. O sujeito que vive numa correria é um sujeito admirado.

Ter tempo de sobra é sinal de um certo fracasso. Ter tempo para fazer coisas que sobram (as que não são manchete de jornal, as que não dão prêmios nacionais, as que não garantem títulos) é ser considerado estranho, alheio ao mundo e à cidade.

As redes sociais perguntam a todo instante: “o que você está pensando?” – mas as pessoas entendem que a pergunta é: “o que você está fazendo?”. E todos correm para contar algo que assinale sua “correria”. Os que correm são admirados. Os que estão sempre ocupados são admirados. Os que nunca têm tempo para estar à toa são invejados.

Experimentar ser um pouco vagabundo, um pouco à toa, pode ser uma experiência de não perder a criança que cresce.

Se funciona esta aproximação, quando a criança cresce, ela desaparece. E o mundo cheio de adultos quase não tem graça.

Seria bom tentar deixar a criança crescer e aprender a olhar para ela e não olhar para a criança que ela vai deixar de ser. Nos entregarmos ao crescimento da criança (nosso presente, sempre), sem querer ultrapassar as fronteiras dos instantes, sem querer que a vida, nossa criança, aprenda a andar rápido demais, aprenda a falar rápido demais, aprenda a voar rápido demais.

Porque assim, acelerada, a criança, nossa vida, faz as malas e vai embora, enquanto estamos por aí, na correria.

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