de Eliana Mara Chiossi
“O sistema tem a função de mostrar sua impotência, de colocar você no seu devido lugar: você é uma peça na engrenagem e como tal será tratado desta forma: impessoal e desrespeitosa”.
Se você tem automóvel, no mínimo tem problemas com o sistema. O sistema mecânico do carro exige de você certos procedimentos regulares tais como verificar nível de água e óleo, verificar se há combustível suficiente, verificar se os pneus estão calibrados. Isso é de menos porque sendo proprietário de um automóvel a tendência é usá-lo na cidade o que indica que você tem uma fonte garantida de stress. Mas há várias formas de você deixar o carro em casa e ir a pé, pegar um táxi, ir de bicicleta ou pegar carona. Dos males do trânsito você pode ficar livre.
Como ficar livre dos males do sistema. A engrenagem do sistema, que te insere como “consumidor” e “cidadão” é uma maquinaria cruel. E tem o poder de derrotá-lo. Muitas igrejas oferecem solução para exorcizar os demônios da vida das pessoas. Muitas igrejas até o fazem. Mas nenhuma igreja de que eu tenha tido notícia foi capaz de exorcizar o demônio que é o sistema. Talvez porque em geral o sistema está ocupado, caído ou não atendendo.
O demônio usa o estilo do gerundismo e é garantido que “vai estar lhe enlouquecendo”. Os jovens que nos atendem (ainda não sei a relação da idade com o atendimento aos consumidores, talvez uma pessoa mais madura não tenha condições psíquicas para a brutalidade do sistema que transforma os atendentes em autômatos cruéis) estão firmes e decididos na defesa do sistema, seja uma companhia aérea, de telefonia ou qualquer empresa que nos oferece produtos e serviços.
O sistema produz manuais escritos em linguagem cifrada e letra minúscula. O sistema oferece contratos em linguagem cifrada e letras pequenas. O sistema cria atendentes mecânicas, que não dão a mínima para o fato de que somos diferentes uns dos outros e queremos um atendimento específico. Comprar um objeto – desde o mais simples até o mais complexo, desde o menor que se pode levar para casa até os que precisam ser entregues e montados -, pode se transformar numa odisseia desastrosa e desagradável. O mesmo se aplica a um serviço. Se você, inocentemente, compra uma torradeira no super mercado da esquina O misturado com desodorantes e salsichas e maionese para um lanche com amigos e inadvertidamente joga fora a nota fiscal pode ficar louco se a tal torradeira der problema. Tem a chance (descobri isso recentemente) de trocar caso tenha pagado com cartão de crédito ou débito, mas se pagou com dinheiro, esqueça!).
O sistema coloca músicas supostamente agradáveis sem antes perguntar seu gosto musical. Porque se é para ficar quase uma hora aguardando alguém que vai lhe atender em “poucos instantes” seria adequado pelo menos que a música fosse trocada de vez em quando, o que não ocorre. O sistema tem a função de mostrar sua impotência, de colocar você no seu devido lugar: você é uma peça na engrenagem e como tal será tratado desta forma: impessoal e desrespeitosa.
O pior é quando o sistema finge que é bacana: coloca uma vozinha que finge que conversa com você, finge que está de bom humor, finge que te entende, mas é apenas mais uma gravação.
O tempo que gastamos para resolver questões com o sistema é um absurdo se comparado com o tempo necessário para trabalhar, mijar, cagar, comer, transar, dar atenção aos amigos e familiares e se divertir. É tempo demais para a vida que dizem ser curta. E sendo a vida curta demais parece sorte aquelas pessoas que de vez em quando descobrem que, por algum motivo, aparecem como mortas no sistema. Talvez seja uma solução: morrer para o sistema e acordar, vivinho em folha, para a vida.