Cidade instantânea

Por Eliana Mara Chiossi.

Uma serra atravessa a manhã, com seu ruído agressivo.
Saio de casa e caminho pelas ruas.
Vejo a mulher segurando o bebê com uma das mãos e dando a outra mão ao menino inquieto.
O limpador de rua olha para baixo. Para. Coça a cabeça. Volta a limpar.
Várias pombas correm atrás de migalhas.
O velho, sentando no banco, revira papéis numa pasta.
Três jovens passam, uniformizadas, falando alto.
O vendedor de frutas arruma as frutas, bem alinhadas.
Na banca de jornais, algumas pessoas olham o mesmo jornal. O jornaleiro olha para cima, onde vê dois trabalhadores pendurados limpando janelas.
Os trabalhadores falam do jogo de ontem.
Nas calçadas, as pessoas quase se trombam.
A senhora, cheia de sacolas, tenta atender o chamado do celular.
Uma mulher de meia idade tem um papel nas mãos e verifica os números dos prédios.
Há pessoas na fila do restaurante.
Ponto de táxi. Os motoristas gritam uns com os outros.
O jovem furta uma carteira, o homem grita por socorro, o jovem corre, é perseguido, mas escapa.
Um menino pede ajuda aos transeuntes. Uma senhora abre a bolsa, procura, encontra uma bala e entrega ao menino. Ele olha para a senhora, com raiva nos olhos.
A mulher segura o braço da senhora idosa e tenta andar no mesmo ritmo lento. Mostra impaciência. A senhora tem o olhar no infinito.
O sinal fecha. Vários pedestres atravessam, conversando, falando ao celular, olhando para baixo, olhando para cima, olhando para os lados. Um corre, na frente de todos.
Na calçada, o café está cheio. Várias pessoas conversam. Numa das mesas, um homem está sozinho. Anota alguma coisa num papel. Tem olhos tristes.
A farmácia exibe anúncios de desconto. Lá dentro, a fila do caixa está cheia.
A vendedora da loja de bolsas está encostada, com o pensamento distante.
De repente, ouve-se: bilhetes da loteria federal, bilhetes da loteria federal, comprem que vai correr hoje de noite!
Um prédio está coberto por um tecido fino, está em reformas.
No ponto de ônibus, uma fila bem grande.
Na fila do ônibus: duas jovens conversam e estão segurando mochilas, um jovem ouve música e não ouve os sons da cidade, dois homens conversam entre si, uma mulher segura uma das mãos da menina enquanto ela brinca com sua boneca, um senhor mais velho chega e vai para o começo da fila e anuncia que tem mais de 70 anos, uma senhora gorda está comendo um doce, uma mulher vestida de preto pega um espelho na bolsa e verifica o batom.
O ônibus parte. Ruídos na hora de passar na roleta. O ônibus para num ponto. Para no outro. Até chegar ao meu destino.
Desço na rua de sempre. Vejo o afiador de facas na sua bicicleta. O sapateiro abriu a oficina hoje. O chaveiro foi fazer algum serviço e fechou a banca. Olho os livros espalhados no chão. Livros usados que não me interessam.
Paro no café, na calçada. Peço um espresso.
Antes de me fechar em casa, preciso ainda de mais instantâneos da cidade que me acolhe.

Foto: Gustavo Türck

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