Por Eliana Mara Chiossi.
Na fila do caixa, vi esta revista e me chamou a atenção o fato de que os temas eram conhecidos, quase batidos. Fiz um teste. Decidi levar a revista e não abri. Enquanto escrevo a primeira parte não sei o teor da matéria sobre as ameaças ao coração que nem sequer imaginamos.
Passada a quarta-feira de Cinzas, que é a data fatídica e também monótona onde desfilam pelos jornais e noticiários de rádios e tevês aquelas mesmas notícias, repetidas a cada ano, quase sem um mínimo de alteração: estradas lotadas e trânsito lento na volta; número alto de acidentes e infrações de trânsitos; afogamentos, homicídios, turistas assaltados, escolas de samba que perdem pontos, escolas de samba que sobem a pontuação, os premiados do Oscar, algum evento trágico mundial (neste caso a crise na Ucrânia), eventos que ficam em suspenso e retomam à cena logo na quinta-feira, aeroportos lotados, consequências de atrasos nos ônibus.
Esta revista fala de 14 soluções para dor nas costas, os males do coração, os benefícios da manga para a saúde, os males do sódio, como dar fim às picadas dos pernilongos, dormir mal e trabalhar à noite faz engordar. Alguma novidade? Não. Nenhuma. A revista deixa de vender. Não, de jeito nenhum.
E por que será? O que nos faz comprar novamente outra edição da revista que fala dos mesmos assuntos, com a mesma abordagem? O que nos faz sentar diante da televisão para ouvir as mesmas notícias, com o mesmo texto e o mesmo tom? Comodismo? Automatismo? Falta de memória?
Pensei em fazer este exercício. Preencher de forma criativa a primeira chamada, no canto esquerdo da revista, que ainda não abri:
Para mim, sete coisas que ameaçam o coração podem ser:
1. Amar sem ser correspondida;
2. Perder um ente querido;
3. Ficar desempregado;
4. Não realizar um sonho muito desejado;
5. Ser traído por um grande amigo;
6. Não poder ajudar um grupo vulnerável a se levantar;
7. Querer perdoar alguém que lhe fez mal e não conseguir.
Abro a revista e leio “estudos revelam que o risco de um ataque cardíaco não depende só de colesterol alto, cigarro e sedentarismo. Também podem ser prejudiciais ao coração:
Pastilhas efervescentes
Dores nas juntas
Mudanças de temperatura
Crises socioambientais
Misturas terríveis (interações medicamentosas e automedicação)
Vírus e bactérias
Poluição sonora
No fim da reportagem, reprisam os 10 fatores consagrados que fazem mal ao coração:
1. Colesterol alto
2. Consumo exagerado de gordura e açúcar
3. Barriga e/ou excesso de peso
4. Abuso de álcool
5. Cigarro
6. Estresse
7. Depressão
8. Hipertensão
9. Diabetes
10. Sedentarismo
A reportagem não conclui, não orienta, não comenta, não relaciona tudo isso que aponta com a vida do ser humano. Apenas assusta, legisla, lista, regula. Não explica, por exemplo, que estresse e depressão e até colesterol alto são efeitos da vida, das condições emocionais. Que uma decepção amorosa, que a perda de uma amor, que a perda de um cônjuge ou parente podem alterar números no corpo que causem hipertensão e diabetes, que o cigarro não é apenas algo que se consome por lazer. Sempre há uma falta a ser preenchida. E o ser humano, pensado por inteiro, é muito maior que uma lista de deveres a cumprir. A doença é também a linguagem de sua alma, o coração é mais que uma parte do corpo, mais que um órgão que repercute, regularmente.
O coração é vida e símbolo. Lugar privilegiado que aponta para nossa humanidade. Com mais colesterol, com mais gordura, com mais ou menos pastilhas efervescentes, o coração sempre será o símbolo, o templo, a casa do nosso jeito amoroso e descompassado de ser.