Bloco de Lutas: carta sobre denúncia criminal

CARTA ABERTA À POPULAÇÃO DE PORTO ALEGRE ACERCA DA DENÚNCIA CRIMINAL AOS MILITANTES DO BLOCO DE LUTA

15 de maio

Desde as jornadas de junho e julho de 2013 os militantes do Bloco de Lutas vêm sendo criminalizados por reivindicar um transporte público – serviço essencial à garantia do direito de ir e vir, do direito ao estudo, ao trabalho e ao lazer – e passe livre para estudantes, desempregados, indígenas e quilombolas. Como as reivindicações por direitos vão contra interesses econômicos dos poderosos, uma imensa máquina repressiva se reuniu para criminalizar os militantes do Bloco e intimidar a luta social: a mídia corporativa, a Brigada Militar, o governo do Estado, a Polícia Civil, o Ministério Público e o Judiciário.

A RBS desempenhou um importante papel nessa ação de criminalização fazendo o que melhor sabe fazer, que é desinformar a população através da manipulação da notícia. Por meio de seus veículos noticiava os atos enfatizando e superdimensionando aspectos relacionados a transtornos no trânsito, em um primeiro momento – isto porque o fluxo normal do trânsito, na ótica desse grupo midiático, é mais importante do que a garantia de direitos para a população -, e, em um segundo momento, quando já não mais podiam minimizar a magnitude e dimensão que as manifestações tinham tomado, passaram a supervalorizar atos isolados, e até duvidosos quanto aos seus reais intentos e objetivos, de vandalismos e depredações, fato que originou a dicotomia entre “maioria de manifestantes pacíficos e ordeiros” e “minoria de vândalos e baderneiros”. Em nenhum momento, porém, propôs-se a promover um debate sério sobre as pautas do Bloco de Luta, não cumprindo, assim, o papel social dos meios de comunicação, enquanto uma concessão estatal.

Com o apoio da grande mídia e amparada por um ponto de vista que confere a condição de “inimigo interno” a todos aqueles que são “indisciplinados” e “desordeiros”, a Brigada Militar, com a conivência do governador Tarso Genro, promoveu forte repressão aos militantes e graves violações de direitos humanos, configuradas nas detenções ilegais e arbitrárias seguidas de violência física e psicológica, além de humilhações de toda sorte. Tais violações foram denunciadas nas redes sociais, bem como a falta da tarja de identificação no uniforme usado pelos policiais das Tropa de Choque e Cavalaria da BM e, ainda, que, em muitas ocasiões, os confrontos de rua eram iniciados pelas próprias forças policiais e não pelos manifestantes, ao contrário do que diziam os pronunciamentos de representantes da Brigada Militar e do que os veículos da grande mídia dominante noticiaram repetidamente. Todas essas violações foram relatadas na Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana da Câmara Municipal de Porto Alegre, a qual, em parceria com o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (Saju) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, elaborou o dossiê “Manifestações em Porto Alegre: Violações de Direitos Humanos por parte da Brigada Militar”, entregue “para todas as organizações que atuam em defesa dos Direitos Humanos e para o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Corregedoria da Brigada Militar e a Ouvidoria da Segurança Pública, para que estas instituições, a partir de seus próprios mecanismos de investigação, pudessem apurar as denúncias relatadas neste documento, dada sua gravidade”. Além das denúncias, o dossiê continha recomendações de ações a serem tomadas pelo governador do RS, Sr. Tarso Genro, Assembleia Legislativa e Ministério Público, sendo que a este último a recomendação foi no sentido de que exercesse o seu papel de controle externo da atividade policial, tomando providências para que a violência policial e o abuso de autoridade fossem devidamente punidos.

Entretanto, nenhuma providência foi tomada pelas autoridades acionadas. Ao contrário, a criminalização do Bloco de Luta encontrou ressonância no sistema judicial, incluindo as polícias militar e civil, o Ministério Público e, agora, o Judiciário. Invasões a sedes de entidades, coletivos, organizações e nas residências de militantes que compõem o Bloco de Luta foram efetuadas, nas quais foram apreedidos computadores, livros e documentos como “provas” do envolvimento de militantes do nosso movimento social em atos de “planejamento de violência e vandalismo” durante as manifestações convocadas pelo Bloco. Além disso, o Bloco tem sido vítima de descabido monitoramento de suas atividades, inclusive tendo policiais militares da inteligência da BM infiltrados, os P2, em atos e até assembleias gerais. Em uma delas, realizada na sede do SIMPA, um desses P2 que fazia um “bico” de segurança da sede intimidou, fotografou e ameaçou o filho de uma integrante do Bloco de Luta, numa demonstração do tipo de estratégia vil que estão dispostos a pôr em prática no processo de criminalização da nossa luta e do nosso movimento . Depois, para a mesma polícia e para a “opinião pública” formada pela RBS o Bloco é que é composto por marginais?! Além disso, em outra assembleia realizada em 13/abril durante o acampamento do Bloco de Luta em frente à prefeitura foi efetuada a prisão de Jorge Luís sem quaisquer provas além do que foi dito pelas próprias vítimas e amigos, que lhe imputam a participação em supostos crimes cometidos por outra pessoa, não identificada. Mesmo sendo trabalhador, sem antecedentes criminais e com residência fixa, foi preso em falso flagrante e está há um mês no Presidio Central após ter-lhe sido negado três pedidos de habeas corpus, sendo mais um dentre os milharers de casos de pobres e negros que lá estão sob a justificativa de “manutenção da ordem pública”.

Todo esse processo de criminalização culminou no indiciamento de seis militantes do Bloco de Luta por crimes de milícia privada, associação criminosa, explosão, furto qualificado e dano – agravado por emprego de violência à pessoa ou grave ameaça contra o patrimônio público. O mesmo Ministério Público que se eximiu da sua responsabilidade de controle externo da atividade policial, que fez vistas grossas para as denúncias de violação de direitos humanos praticadas pela BM contra manifestantes nas jornadas de junho/julho e que ficou 25 anos inerte enquanto o transporte público era explorado de maneira irregular pelos empresários da ATP, foi célere para criminalizar os militantes políticos. Esse mesmo Ministério Público que exigiu da Prefeitura de POA a realização de licitação do transporte coletivo por ônibus dentro de um prazo exíguo em nome do interesse público e, que, agora que ela está em curso, faz vistas grossas ao conteúdo do seu edital, claramente lesivo ao interesse público e bastante vantajoso para os empresários do transporte.

O Bloco de Luta entende que a Justiça não é puramente técnica e neutra, como professam algumas correntes das ciências jurídicas e como crêem alguns cidadãos, mas é um espaço onde se manifestam as correlações de forças e as disputas de poder e de interesses presentes na sociedade e na arena política. Sendo assim, qualificamos a criminalização de nossos companheiros como um ataque político não só a eles como ao Bloco de Luta e aos movimentos sociais como um todo. Trata-se de um exemplo do que os governantes estão dispostos a fazer em nome dos interesses dos empresártios do transporte coletivo em POA e uma sinalização aos movimentos sociais do que eles estão propensos a colocar em prática em nome da Copa do Mundo da FIFA, numa tentativa de barrar os protestos contra as injustiças cometidas contra a população em favor desse megaevento.

Com a proximidade da Copa do Mundo da Fifa, se faz clara a violência do Estado: remoções forçadas de moradores de áreas estratégicas para obras da Copa (principalmente em regiões de periferia), “limpeza” social das cidades, com a retirada forçada e violenta dos moradores de rua, restrição de acesso a diferentes áreas da cidade, criminalização da juventude negra e pobre e dos movimentos sociais, fortalecimento do aparato militarizado das polícias. E o sistema judicial, do qual o MP é parte, representa um braço do poder de classe dos ricos, colocando-se ao lado dos empresários do transporte e da FIFA, contra a população prejudicada.

Por isso, afirmamos: “Não vai ter Copa! Vai ter Luta!” Não vamos assistir passivos ao legado social negativo que está sendo gerado pela Copa, manifestaremos nossa indignação.

Pelo exposto, instamos ao Sr. Juiz de Direito da 9ª Vara Criminal de Porto Alegre que não tome parte nessa máquina repressiva e criminalizadora dos movimentos sociais. Por isso, reivindicamos que não aceite a denúncia oferecida pelo Promotor de Justiça Luís Antônio Portela contra os militantes do Bloco de Luta, pois luta por direitos não é crime. Protesto não é crime!

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