Céu Azul

Por Eliana Mara Chiossi.

Olho para esta mulher iniciante na felicidade. Admiro seu gesto de bravura, enfrentando a estrada e rindo para o destino. Qual a história deste dia? Até quando o rosto limpo, exibindo este sorriso quase ingênuo, vai manter esta aparente leveza? No meio da estrada, o vestido vermelho,  esquecido pela pressa, vai revelar a falta, vai destampar a caixa e os medos vão saltar, descontrolados.

Sem nada para dizer, manteve os olhos baixos e deixou que as lágrimas corressem. Sem forças suficientes nem para escorrer o nariz. Quase desistindo de manter alguma dignidade, vontade de que o rosto estivesse desfigurado, que ficasse visível a massa feita de catarro, poeira e lágrimas. Ele exibiu toda a crueldade guardada, há meses. Expôs, finalmente, seu desejo contido de vingança, daquele tipo de vingança antiga, cheirando a mofo:

– Nós estamos devendo férias um para o outro!

– Como assim? Você quer dizer que precisamos passar férias juntos?

– Não entendeu? Estou te relembrando que você me deixou na mão, em Morro de São Paulo. Fui expulso da sua vida, lembra? E você escolheu desfilar com seu namorado novo justamente no lugar onde eu morava. Você nunca entendeu, não é?

– Nunca entendi o quê?

– Nunca entendeu o óbvio porque estava pensando no seu umbigo.
[Agora ela freia o carro. Para no estacionamento e olha para ele, espantada.]

– Eu não estou entendendo esta volta pra uma história que já estava fechada.

– Fechada para você, que acha que pode decidir  tudo do seu jeito.

O ressentimento, a mágoa, a raiva, tudo aquilo vinha à tona e era terrível sentir que nada estava bem. A viagem seria um erro. Não conseguia pensar, não conseguia se mover. Só chorar. Abriu a porta, sentindo um enjoo muito forte. Apoiada no carro, vomitou. Olhou para o chão e se distraiu por alguns segundos com o resto do café da manhã. Quase seria capaz de dizer a sensação feliz enquanto saboreavam frutas, pães, o café bem quente, tudo feito pela cozinheira da pousada que sempre visitavam.

– Não vamos entrar no drama, por favor. Eu não deveria estar falando disso agora. Vamos embora. Eu dirijo.

Ela ouviu, ela não ouviu. Saiu para caminhar por dentro do mato. Tentou recuperar o fôlego, o gosto horrível na boca incomodava. Sentou. Parou. Nada aconteceu depois. Mas enquanto os pensamentos se perdiam, sem saber por que motivo iniciou aquela discussão absurda, ele percebeu que odiava aquele vestido bege. E a odiou mais ainda por isso. Ela nunca usara o vestido vermelho que ele comprou para ela, justamente no ano em que ela terminou o namoro para assumir a paixão pelo professor Fred.

Foto: Jefferson Pinheiro

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *