Desde o início de maio, o Estado do RIo Grande do Sul enfrenta um evento extremo ligado ao colapso climático e às péssimas gestões ambientais e de prevenção de cheias dos governos em todos os níveis. O modelo econômico empregado na região tem contribuído tanto com o sucateamento de órgãos e estruturas públicas de resposta a emergências do gênero como também com o desmatamento e outras fontes de emissão de CO2 – o que tem tornado mais comuns ciclones e outros eventos extremos nesta área do continente sul-americano.
Dessa forma, após chuvas torrenciais, a subida a níveis recordes nos principais rios do estado deixou um rastro de destruição nos vales do Rio Pardo, Jacuí, das Antas, Taquari, Caí e Sinos. Deslizamentos de enconstas, inundações de cidades inteiras e destruição de casas, pontes, estradas e rodovias atingiram, primeiramente, o interior, para depois desaguar com tudo na capital e sua região metropolitana. E, num momento final de êxodo, as águas ainda sobem nos municípios da Costa Doce – São Lourenço do Sul, Pelotas, São José do Norte e Rio Grande, às margens da gigante Lagoa dos Patos.
Para se ter uma dimensão da catástrofe, de um total de 497 municípios no estado, pelo menos 446 foram atingidos diretamente, sendo que alguns ficaram totalmente submersos ou destruídos. Os números oficiais falam em mais de 2 milhões de pessoas afetadas, com mais de 600 mil fora de suas casas e mais de 150 mortos. Os óbitos podem ser ainda maiores já que, em muitos locais – como em parte da região metropolitana, com mais de 4 milhões de habitantes – as águas ainda não baixaram, dificultando acesso das equipes de resgate, restando ainda muitos desaparecidos. No momento, o estado ainda atravessa novas ondas de chuvas, que agravam o quadro desesperador, mantendo projeções que indicam a manutenção das enchentes e do nível elevado do Guaíba por muitos dias até fins de maio.
Conforme a situação se infensifica, afetando um número cada vez maior de pessoas, a população está percebendo a falta de preparo do poder público – principalmente municipais e estadual – para enfrentar a situação, e estão se multiplicando campanhas autônomas de solidariedade. Pessoas, grupos e coletivos organizam arredação, pontos de coleta de doações, cozinhas solidárias e até mesmo equipes de resgate.
Nesta conjuntura, dentro das diferentes redes em que atuamos, o Coletivo Catarse/ Ponto de Cultura e Saúde Ventre Livre vem participando de alguns desses esforços de várias maneiras, seja na divulgação de campanhas de solidariedade nas redes, priorizando aquelas organizadas por grupos quilombolas, indígenas, capoeiristas, retomadas, moradores das periferias e outros movimentos de base, seja participando ativamente na coleta de doações, rifas, mapeamentos participativos, cuidados coletivos e atuação dentro das diferentes redes.
Por exemplo, sábado, 04/05, foi feita uma entrega de cestas básicas na cozinha solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e recolhidas marmitas que depois foram entregues em um ponto de distribuição, do qual foram levados até a Restinga, um dos maiores bairros periféricos da capital. No mesmo dia, foi feita uma doação de água para a Retomada Gah Ré, do povo indígena Kaingang e um apoio na chegada dos resgatados da Zona Norte da capital.
Na segunda-feira, dia 06, um cooperado resgatou uma familia do bairro Cidade Baixa, que foi invadido pelas águas e evacuado às pressas, e a levou para um abrigo. Na quarta, dia 08, foram entregues suprimentos e caixas para transporte de animais de estimação, na sequência foi feito o resgate de mais uma família da Cidade Baixa e também uma retirada de doações usando o CNPJ da cooperativa na Associação Médica do RS para entrega na Retomada indígena Gah Ré, do povo Kaingang, no Morro Santana.
Por meio, também, de participação na Rede RS de Pontos de Cultura, o Ventre Livre fez parte de mobilização visando garantir pagamento antecipado de recursos federais dos Prêmios Sérgio Mamberti para os premiados no Rio Grande do Sul. O pedido foi encaminhado ao Ministério da Cultural (MinC) pelo GT de Gênero da rede e aceito, articulando um recurso essencial neste momento a pontos de cultura, mestres e mestras indígenas e das culturas populares, iniciativas culturais de pessoas idosas, com deficiências, LGBTQIAPN+ e com transtornos mentais. Depois do pedido da rede dos pontos de cultura, o MinC também definiu a prioridade no pagamento de contemplados do RS Programa Rede das Artes; Pontões de Cultura; Escolas Livres; Pontos de Leitura; prioridade na assinatura de convênios e TED Edital PNPI CTI, ação relacionada à Tava Guarani; e TED com UFPel, iniciativa voltada à salvaguarda das tradições doceiras.
Ainda em parceria com a rede de bandas e produtoras de rock underground, o Coletivo está apoiando a rifa SOS União Rock. A iniciativa – fruto de uma parceria entre os coletivos Preto no Metal e O Subsolo, em conjunto com a banda Emphuria e Mariutti Team – oferece merchandising das bandas parceiras, e o valor arrecadado será destinado para o Coletivo Alicerce e à Cozinha Solidária do MTST/RS.
Também em campanhas de arrecadação direta, com a parceira de Isis Bussons, porto-alegrense radicada no Canadá há 11 anos, foi organizado um financiamento coletivo naquele país da América do Norte, com objetivo de arrecar pelo menos mil dólares canadenses, que devem ser repassados e divididos diretamente aos representantes de comunidades quilombolas, indígenas e de iniciativas de pequenos agricultores na cidade próximos e com relações com o Coletivo Catarse.
Na esteira desta iniciativa, ainda lançamos uma campanha própria no portal Vakinha, para incrementar ainda mais esses objetivos e conseguir apoiar atividades e suprir alguma necessidade mais urgente nas comunidades Kaingang e Guarani de Porto Alegre – e também as quilombolas -, que temos estabelecido contato mais direto ao longo dos anos – acesse clicando aqui!
Há também a parceria com o Núcleo de Estudos de Georafia e Ambiente da UFRGS (NEGA/UFRGS) e Frente Quilombola RS, da qual se elaborou um mapa interativo das comunidades quilombolas em contexto urbano atingidas pelas enchentes ou pela crise de desabastecimento consequentes delas. Além de permitir ao usuário a visualização com diferentes cenários de inundação, reúne contatos das 11 comunidades urbanas da capital e informações como Pix, tipo de doações que aceitam e contatos.
O coletivo tem ainda uma cooperada apoiando ações do Grupo teatral Cuidado Que Mancha, que usa seu espaço – na Rua Damasco, 162 (Azenha) – como base para ações como triagem de doações, separação de alimentos, preparo de marmitas, entrega de colchões, roupas de cama em abrigos.
O eixo de atuação no Morro Santana também segue fortalecendo a rede popular comunitária da região. Em parceria com o Preserve Morro Santana (projeto de extensão da UFRGS) e coletivos locais como Mães da Periferia, Resistência Popular, Retomada Gah Ré e Flora Pai Xangô, vem tecendo uma rede popular de solidariedade. Além de apoiar as diferentes comunidades do morro e os abrigos, pontos de coleta de doações que foram constituídos na região, a rede também produziu um mapa interativo. A plataforma permite que os usuários contatem os locais de referencia antes de se deslocarem pela cidade.
Além de todas essas ações, o Coletivo Catarse/Ponto de Cultura e Saúde Ventre Livre, com as movimentações de seus integrantes, seguiu trabalhando e também cuidou de suas redes mais próximas, auxiliando as famílias de cada um, grupos de amigos e os coletivos próximos, com cedência de equipamentos para algumas atividades, cuidado com o espaço físico da sede na Comuna do Arvoredo, distribuição de água aos mais próximos, estrutura de base para banho quente e internet, etc. Ou seja, realizando pequenas – mas muitas – ações que procuraram – e procuram – contribuir para a superação de algo que, mesmo que tenha as impressões digitais dos seres humanos, é um fato extraordinário e que mudará as vidas de todos em Porto Alegre, região e, claro, no Estado do Rio Grande do Sul.
Texto: Bruno Pedrotti e Gustavo Türck
Fotos: Billy Valdez, Marcelo Cougo, Luis Gustavo Ruwer e Gustavo Türck