Enquanto a luz não chega é um filme curta-metragem livremente baseado na obra de Josué Guimarães, “Enquanto a Noite Não Chega”, esta, uma obra que acompanha a história de solidão de dois velhinhos em uma cidade deserta, que revisitam o passado através das suas memórias enquanto aguardam a visita da morte. No caso da adaptação ao audiovisual, para além de utilizarmos os mesmos nomes dos personagens, procuramos trazer o avesso da história, quando Ciça e Téo estão metaforicamente mortos em um cotidiano maquiado e regido pelas redes sociais e falsas realidades digitais. Vidas vazias, mas que ainda comportam uma chama interna, esperando ser alimentada.

Essa história tem como pano de fundo o caos climático que o sul do Brasil vivenciou em fins de 2023 e meados de 2024 e que, contraditoriamente, o excesso de água desabasteceu as residências pela falta de energia elétrica. Essa situação coloca os personagens principais em xeque. Se, antes, muito dependentes da tecnologia e tudo o que a energia elétrica facilita, agora, imersos na escuridão, obrigados a encarar de frente um ao outro e a si mesmos.

É com este apelo que a direção optou por trabalhar com a linguagem do teatro de sombras, que traz toda a carga subjetiva dos personagens. A sombra pode ser os demônios como os sonhos, as memórias ou as idealizações. É nesse universo sombrio que, na diegética do filme, a realidade e a ficção se fundem e embriagam Teo e Ciça, fazendo-os dançar na escuridão e, quase cegos, se reencontrarem. Os fogos internos são alimentados e, de repente, a energia elétrica não é mais tão necessária (será?).

Ainda na fase de desenvolvimento do projeto, Têmis Nicolaidis e Gustavo Türck, diretores e roteiristas, se reuniram com Alexandre Fávero, Diretor de Arte, da Cia Teatro Lumbra, para pensar o conceito do cruzamento entre o audiovisual e o teatro de sombras, resultando no levantamento de hipóteses e procedimentos criativos a serem testados ao longo da fase de pré-produção, buscando criar, também, através de um dramaturgia da sombra.

Enquanto a luz não chega sugere coisas desconhecidas para autores e atores. Um mundo de transições. Sendo assim, me ponho a especular sobre as possibilidades das sombras como protagonistas e umbral dos mundos. Da confiança que temos em um trabalho em equipe, de escolhas e incertezas, surgem alguns sinais no escuro… Justamente enquanto a luz não chega e ninguém grita: Luz, câmera… Ação! Então, aproveitamos! (Alexandre Fávero – Cia Teatro Lumbra)

*Sombra branca: conceito não-literal que fundamenta diferentes estratégias estéticas e poéticas para recombinar valores visuais por meio de efeitos e defeitos na composição visual, interferindo e distorcendo as informações, os códigos, os signos e os símbolos que estruturam os significados e as convenções das imagens estáticas ou dinâmicas. Já que é complicado, podes se entender como: sombras em negativo!
*Telacentrismo: fenômeno do teatro de sombras, de origem intencional ou casual, em que toda a experiência dos envolvidos converge na direção da tela, ignorando as demais partes do ato teatral e do dispositivo projetivo. Em resumo: usar outras opções fora do centro!
*Sombracumba: procedimento improvisado ou ensaiado, com movimentos de dança ou coreografia, realizada por sombristas, dentro do cone de luz, de maneira intencional e ritualística para liberar energias sutis antes ou durante uma experiência artística, ativando determinadas potências simbólicas e significantes no corpo físico, nos objetos, no espaço de ação ou na sonoplastia. Na prática, é relaxar para ver como a ação da sombra interfere na consciência e na qualidade da ação física do corpo sombrista.
*Transombrismo: movimento que pensa, frui e atua artisticamente com as sombras por vários vieses do conhecimento e da mística para transgredir as tradições e transcender as convenções definidas pelo campo técnico e discursivo, elevando a experiência artística para um nível de teurgia entre sombrista(s) e espectador(es). Me explico: Isso é vivenciar a ação anterior no teatro de sombras de forma profunda para potencializar o ritual criativo, integrando o público além daquilo que é esperado em uma ação teatral.

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