Cozinhar, para mim, sempre foi mais do que um simples ato. É um ritual, um espaço onde o ordinário vira algo mágico. Cresci observando minhas abuelas transformarem ingredientes simples em celebrações, mesmo em tempos difíceis. Mas será que aquelas mulheres, a quem tantas vezes recorremos por sustento e afeto, realmente queriam passar suas vidas na cozinha?

Essa pergunta foi o ponto de partida para criar o espetáculo Gretel.A nossa releitura apresenta então a personagem subvertendo a relação entre patrão e empregada, ao decidir fazer uma torta para si mesma, celebrando o que é próprio, em vez de obedecer à ordem de preparar o jantar, por conta de um convidado de última hora. Esse gesto de Gretel, embora aparentemente simples, é um ato de muita coragem e autonomia (ao final de contas, ela é uma empregada), e desafia a hierarquia tradicional dos contos originais recolhidos pelos Irmãos Grimm, onde não tem nenhum príncipe salvando nenhuma princesa de nenhuma torre. Os contos que já atravessaram tantas fronteiras continuam a dialogar com questões de gênero, poder e autonomia. Com Gretel, colocamos em cena uma mulher que decide por si mesma, que toma as rédeas de sua história sem esperar um príncipe ou qualquer salvador externo.

No palco, a cozinha deixa de ser um espaço de subserviência e se torna um laboratório de resistência. Leandro Silva, nosso diretor e idealizador da coisa toda, trouxe uma metáfora que guiou todo o processo criativo: o conceito de mise en place — a preparação cuidadosa dos ingredientes antes de cozinhar. Essa ideia moldou a mise en scène do espetáculo, em que cada detalhe importa e reforça a autonomia da personagem.

Neste projeto somos 03 os cooperados que estamos envolvidos de forma muito direta. Com a criação visual de Billy Valdez Billy Valdez, criador das projeções multimídia, pretendemos destacar o papel dos elementos visuais como extensões simbólicas da personagem, ampliando sua subjetividade para além do palco. Já a trilha original de Marcelo Cougo, é um prato à parte. Ele mesmo define sua criação como uma “canção destemperada”, que ressoa com as tensões e quebras narrativas da história. As intervenções sonoras, musicais e os movimentos que misturam o arcaico (contação de histórias e teatro de bonecos) com as poéticas tecnológicas atuais, tornam Gretel uma obra coletiva no melhor sentido: é um manifesto artístico construído a muitas mãos, uma celebração do poder do grupo sem ofuscar as singularidades.

Gretel a gulosa, a esperta, a astuta — essas são as traduções que encontramos do nome no conto original em suas diferentes traduções. Pra mim, é uma forma de lhe tirar importância à personagem, tornando-a indigna, irresponsável talvez.
Mas, na nossa versão, ela é poderosa. Ao se presentear com a torta que escolheu fazer, ao beber os melhores vinhos da adega, Gretel celebra a si mesma e a todas as mulheres que encontram na sua vivacidade o “fatum”, ou destino, que as transforma. Ela é sua própria fada.

Ah! e já que estamos, por que não falar um pouco do grande evento antecedente à mostra do espetáculo?
O concurso Torta Gretel, que realizamos no Espaço Cultural Maria Maria, no último dia 7 de novembro, também carregou uma certa anarquia da ordem, e muita diversão. A cozinha – para aquele que a desfruta – sempre foi um espaço de criação artística assim como é o espaço das “Marias”.
Ver jovens confeiteiros como Iago, o vencedor do concurso, a Paula, a segunda colocada, e o Lucas, o terceiro, brilhando com suas criações foi uma celebração. Ver amigos queridos na mesa do jurado técnico, rindo e degustando com seriedade cada fatia, me dava a sensação de serviço bem feito. O Leandro correndo pra lá e pra cá, sendo o melhor auditor de todos os tempos, me fez rir muitas e muitas vezes. O Billy, lutando entre as pessoas para conseguir tirar a melhor foto (e conseguiu!). E claro, a minha atenção no som envolvente do Marcelão, que, empolgadíssimo, não parou nem na hora de dar os parabéns ao vencedor.

Veja as fotos do concurso aqui: https://www.instagram.com/p/DCW37fER7tr/?img_index=1

No fim, Gretel não é apenas um espetáculo. É uma provocação, um convite para repensarmos os espaços que ocupamos — ou que nos permitem ocupar. E, como atriz e produtora, é emocionante perceber que, em cada cena, estou não apenas representando, mas também compartilhando histórias que alimentam o público de novas ideias e esperanças.

De 3 a 5 de dezembro, no Goethe Institut. Sessões às 15h e às 19h30
A entrada é gratuita, e os ingressos podem ser retirados no Sympla, ou 1 hora antes , na bilheteria do local.
Para mais informações, aqui seguem as redes oficiais do projeto:

Instagram: @projetogretel – https://www.instagram.com/projetogretel/
Site: https://espetaculogretel.wordpress.com/

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