26° Carijo da Amizade

Entre 27 de setembro e 1 de outubro foi realizada mais uma carijada na Tekoa Yvyty Porã (Serra Bonita), em Riozinho/RS. O mutirão conjunto entre a rede de apoiadores articulada pelo Sitio da Amizade e a comunidade guarani produziu coletivamente um total de 33 kilos de erva mate nativa das matas da aldeia.

A Serra Bonita – também conhecida pelos Juruá (não indígenas) como Campo Molhado – é um espaço de forte resistência guarani no Rio Grande do Sul, sendo uma das maiores e mais antigas aldeias do estado, com aproximadamente 30 anos desde que os indígenas iniciaram o processo de autodemarcação do território. Mesmo com a demarcação, parte da área segue sendo ocupada pela Fazenda Forjasul, do Grupo Zaffari, que tem instalado diversas cercas de arame farpado próximo dos rios, lagos e cursos de água da região, além de placas proibindo a passagem.

Entre as tantas formas de resistência guarani no território e no fortalecimento do seu modo de vida, está a relação com a erva mate (Ka’a), planta ancestral que há milênios acompanha os povos do cone sul, curando, acalantando, abrindo a mente, trazendo o dom da fala e a magia do encontro, lembrando dos sonhos, facilitando a comunicação com o mundo espiritual, trazendo força para o trabalho e muitos outros usos. Neste sentido, a Yvyty Porã é um local privilegiado para o trabalho com esta planta sagrada, pois tem em suas matas tantos pés selvagens de Ka’a que, segundo a organização do evento, ao longo de mais ou menos uma década de Carijadas no local nunca se podou a mesma planta duas vezes.

Neste feitio foi testada uma outra forma para acomodar a erva. Ao invés do tradicional estrado de taquara ou madeira em que se amarram os buques de erva, foi usada uma caixa de metal feita sob medida. A caixa foi pensada por Fabinho, indígena da comunidade que vem se dedicando ao processo da erva mate artesanal e conduziu a carijada com a benção de seu José Werá e Dona Beatriz, guardiões desta cultura na aldeia.

Como a caixa era menor que o carijo fundado da aldeia, foram preparados vários feitios, secando pelo menos 5 caixas. Apesar da necessidade de secar a erva em partes, a estrutura facilitou muito o processo de tirar e botar a erva, que ia solta na caixa sem precisar ser amarrada. Foram feitas duas colheitas e duas etapas de secagem. Na primeira, a caixa foi pendurada no carijo da comunidade. Porém, como era menor que a estrutura de barro, parte do calor fugia por trás e pela frente do carijo.

No último feitio, de segunda a terça, a caixa foi colocada dentro do galpão da cozinha sobre uma estrutura de tijolos. Um pouco mais perto da brasa e protegido dos fortes ventos da madrugada, o segundo carijo secou a erva ainda mais rápido. Além disso, foi possível organizar todas as etapas dentro do galpão, perto umas das outras e da estrutura da cozinha. Assim, mesmo com o número reduzido de pessoas (menos de 10, já que parte dos participantes já tinham voltado para suas casas) foi possível realizar todo o processo.

Justamente essa possibilidade de secar quantias médias de erva mate em menos gente era um dos objetivos da estrutura, já que a comunidade pretende seguir trabalhando com a erva mate, fortalecendo a geração de trabalho e renda com uma planta de grande importância cultural.

Terminado o processo, apagado o fogo e cessado o som dos pilões, a erva segue. Segue fortalecendo aldeias e retomadas, segue despertando a consciência dos não indígenas. A pé pelas trilhas que descem até Maquiné, de carro ou moto até rolante e riozinho; de bicicleta por Porto Alegre; de ônibus para Santa Catarina ou carona de caminhão no rumo do Uruguai, a erva segue e se multiplica. Até o momento os 33 kilos já chegaram a quase 40 pessoas. Mas não para por aí, já que, seguindo a tradição, cada pessoa toma uma cuia, serve a próxima e passa para o lado, divulgando a planta, a aldeia, a sabedoria e a força do povo guarani.

Eu mesmo, saboreando amargor intenso típico da erva selvagem, fico me perguntando até onde essa erva pode chegar. Concluo, fazendo roncar a bomba, que nunca vou saber ao certo, mas espero que cada vez mais longe.



texto e fotos: Bruno Pedrotti.

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