As jóias da Hebe

Hebe Camargo morreu. E eu me pergunto para onde foram as jóias que ela comprava e dizia serem a sua fraqueza em termos de consumo. Se eu morrer amanhã, sendo a pessoa comum e desconhecida que sou, ninguém vai perguntar isso, também porque tenho uma renda de classe média e minha fraqueza em termos de consumo está dirigida a bens culturais que não vão render uma herança para meus filhos.

O que causou um certo frisson na morte de Hebe, a respeito de suas jóias, é porque era uma figura pública, que mesmo sendo capaz de causar impacto com suas declarações, usou esta força para atitudes superficiais e até algumas bem problemáticas, como ser apoiadora de Paulo Maluf, conhecido pelo refrão do “rouba mas faz”. Hebe morreu e suas jóias provocam minha curiosidade. E também minha indignação.

Quero saber o motivo de Hebe ter vivido tanto tempo na ilha de Caras, de costas para os milhões de brasileiros que a admiravam. Por que Hebe não doou suas jóias para alguma causa social. E pergunto, por que Hebe não doou parte do que tinha para causas sociais quando estava viva. Talvez não as jóias, mas sua voz. Hebe era cantora. E raras vezes usou sua voz para denunciar, por exemplo, o trabalho escravo infantil.

Ivete Sangalo é uma espécie de segunda rainha do entretenimento no Brasil, depois de Xuxa. Tem uma presença quase onisciente dentro dos meios de comunicação. É convidada para participar de programas em diversas emissoras. É uma espécie de faz-tudo na Rede Globo. E usa sua voz, bonita voz quando canta, para falar bobagens. Assim como Hebe. Hebe e Ivete podem ser comparadas em termos de simpatia. E também em termos de um alto grau de autismo com relação ao país em que vivem. Tendo o poder que tem, Ivete Sangalo segue sendo simpática, legalzinha e alienada. Não usa nem um décimo de seu poder para tocar nos pontos cruciais do que acontece no país. Ah, claro, de vez em quando Ivete doa seu cachê para alguma propaganda da luta contra o câncer ou do abuso infantil.

Parece que Hebe e Ivete não sentem nenhum incômodo por viverem na Ilha de Caras enquanto o Brasil pede soluções urgentes para a desigualdade. Na Ilha de Caras, elas riem, dançam, cantam e se calam diante do país real em que vivem.

Não sei qual a mania de consumo de Ivete Sangalo. Quando ela morrer, haverá, com certeza, uma grande herança (Ivete tem tino comercial e sabe multiplicar seu dinheiro) a receber, e com certeza não haverá destinação social para seu dinheiro. E novamente o problema não está no dinheiro que vai sobrar quando sobrarão também motivos de briga pelo dinheiro e pelos bens. Mas ficará a mesma pergunta: que foi feito desta voz tão bonita? Que foi feito de tanta simpatia? Se houver uma Ilha de Caras na outra vida, seguirão, Hebe e Ivete na bolha de seu autismo. Sem saber direito em que país viveram. Sem dar a mínima para este país que sustentou sua fama e fortuna.

Por Eliana Mara Chiossi.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *