Boletim sonoro: entrevista bilíngue entre rádios comunitárias do Brasil e do Chile durante o ELAOPA

Direto de Santiago do Chile, durante o XV Encontro Latino-Americano de Organizações Populares Autônomas (ELAOPA), a Rádio A Voz do Morro realizou uma entrevista bilíngue com a Rádio JGM, ambas integrantes da Rede Coral de coletivos de comunicação popular. Caso você ainda não tenha lido a primeira reportagem sobre o encontro, clique aqui. A iniciativa se inspirou em uma experiência anterior, quando integrantes das rádios comunitárias uruguaias Germinal e La Villa FM estiveram em Porto Alegre para uma transmissão simultânea  com A Voz do Morro. Na ocasião, primeiro os brasileiros entrevistaram os uruguaios e em seguida, foi a vez deles conduzirem a entrevista. O intercâmbio entre as rádios chama atenção para as lutas por território, moradia, acesso à água e vida digna nos bairros periféricos — seja aos pés da cordilheira chilena ou nos morros brasileiros. Os coletivos reforçam a urgência de consolidar redes comunicação popular latinoamericanas (como a Rede Coral), buscando a apropriação dos meios e a criarem suas próprias narrativas. Reproduzimos aqui o áudio e a tradução da entrevista bilíngue, realizada em 26 de janeiro de 2025, na comunidade La Bandera, em Santiago, Chile. Primeiramente, ouviremos Frecia Ramírez, representante da Rádio JGM, entrevistando Vítor Ramon, da Voz do Morro. Depois, os papéis se invertem. Entrevista da Rádio A Voz do Morro (Brasil) com a Rádio JGM (Chile) Vitor Ramon – Rádio A Voz do Morro: Salve, salve, povo! Estamos aqui diretamente de Santiago, Chile, conversando com o pessoal da Rádio JGM. Estamos com a companheira aqui — peço que se apresente. Frecia Ramírez – Rádio JGM: Olá, meu nome é Frecia Ramírez. Faço parte da Rádio JGM, sou produtora desde o ano passado e integro a equipe que coordena essa maravilhosa experiência de comunicação. Vitor Ramon – Rádio A Voz do Morro: Dale! Você pode nos contar um pouco sobre a história da rádio? Como ela se organiza, como começou? Frecia Ramírez – Rádio JGM: A Rádio JGM começou há 17 anos como uma iniciativa emergencial, criada por estudantes de jornalismo da Universidade do Chile com o apoio de acadêmicos e pesquisadores. Ao longo dos anos, passou por várias transformações. A cada ano, temos uma rádio JGM diferente, pois ela é moldada por quem a compõe. Atualmente, está sendo organizada por estudantes, professores e funcionários públicos que se dedicam a promover o aprendizado em comunicação — não apenas para estudantes de jornalismo, mas também para estudantes de diversas áreas que veem a comunicação como uma ferramenta de transformação social. Vitor Ramon – Rádio A Voz do Morro: Dale! No Brasil, chamamos essa relação entre universidade e comunidade de “extensão” ou “extensão popular”. Não sei qual é o nome que vocês usam, mas qual a importância da universidade estar diretamente conectada aos bairros, à comunidade? Frecia Ramírez – Rádio JGM: Nós incentivamos principalmente quem passa pela Rádio JGM a adotar uma perspectiva alternativa à publicidade dominante, pois já temos grandes conglomerados criando uma imprensa hegemônica — e não é esse tipo de comunicação que queremos reproduzir, seja em suas fontes ou em seus formatos. Convidamos quem integra a JGM a romper com esses estereótipos, a buscar vozes alternativas, a colocar no centro os movimentos sociais — os que exigem água, moradia, os que estão aqui no ELAOPA. Queremos tornar essas vozes visíveis, construir formas alternativas de comunicação. Também reconhecemos o privilégio de estarmos vinculados à Universidade do Chile — temos apoio e financiamento, e isso nos compromete a praticar (e convidar outros a praticar) uma comunicação comunitária, baseada em práticas coletivas. Buscamos romper com os padrões da comunicação hegemônica, trazer temas como educação de mulheres, infância, e outras vozes silenciadas. Muitos têm voz, mas apenas uma classe social está representada nos grandes meios. Para romper com isso, convidamos à desconstrução da comunicação — a “soltar o rádio”, transformá-lo, por que não, em algo visual, em outras formas de expressão que façam sentido nas comunidades. Esse trabalho é construído com a conexão entre três níveis dentro da universidade: professores, técnicos e estudantes. Isso impulsiona a própria universidade a ir além de si, a ir para outros territórios. Não para ensinar o que é comunicação — porque nem nós a conhecemos por completo — mas para desmontá-la e praticá-la. A prática, o “aprender fazendo”, está no coração da rádio. Vitor Ramon – Rádio A Voz do Morro: Baita! Conta pra gente sobre essa relação entre a cordilheira e o morro. Para além do ELAOPA, como você vê esses intercâmbios culturais e comunicacionais em que as duas rádios estão envolvidas? Frecia Ramírez – Rádio JGM: A Rádio JGM faz parte de diversas redes de comunicação, como a Rede Coral, a Associação Mundial de Rádios Comunitárias e a Associação Nacional de Comunicadores e Meios Comunitários. Participamos de todos esses espaços, e hoje estamos no ELAOPA 2025 porque entendemos a comunicação como uma ferramenta de transformação social. Convidamos todos que estão ouvindo a também se perguntar: o que estamos vendo? E por que não estamos vendo outras coisas? O nosso chamado é sempre para trocar o canal da televisão, desligar os grandes rádios e sintonizar nos meios independentes e comunitários. E, mais do que isso, que cada pessoa possa construir sua própria comunicação — porque nossa voz importa, e precisamos lutar para que ela seja representativa. Precisamos de meios que nos representem, e que fortaleçam, de mãos dadas, a comunicação popular e as organizações de base. Vitor Ramon – Rádio A Voz do Morro: Bom, quer deixar uma mensagem final pra gente? Frecia Ramírez – Rádio JGM: A mensagem final é que possamos replicar esse tipo de encontro em todos os territórios. Que os meios comunitários e independentes se multipliquem e se fortaleçam — e isso só será possível com nossa participação, nos envolvendo, não sendo apenas ouvintes passivos. O chamado é para apoiar esses processos de comunicação comunitária, para entender a comunicação como uma ferramenta acessível a todos — independentemente da idade, da força ou da classe social. Entrevista da Rádio JGM (Chile) com a Rádio A Voz do Morro (Brasil) Vitor …

Rádio comunitária A Voz do Morro participa do XV ELAOPA em Santiago do Chile

Foto destacada: Antônio – Cooperativa de Trabajo Audiovisual Trashumante Nos dias 25 e 26 de janeiro, a rádio comunitária A Voz do Morro esteve em Santiago do Chile para cobrir o XV Encontro Latino-Americano de Organizações Populares Autônomas (ELAOPA). O evento reuniu mais de 400 lutadores e lutadoras sociais na Población La Bandera, na periferia da capital chilena, território marcado pela resistência e pela atuação do Movimiento Solidario Vida Digna, anfitrião do encontro. Foto: Repórter Popular Delegações de mais de 100 movimentos sociais participaram da atividade, com participantes vindos do Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, Paraguai, Estados Unidos e Alemanha. Os debates abordaram temas como território e comunidade, lutas das trabalhadoras do setor público e privado, desafios do movimento estudantil, luta socioambiental e memória, cultura e agitação. Do morro à cordilheira Mais de dois mil quilômetros separam o Morro Santana — ponto mais alto da crista de morros de Porto Alegre — da Cordilheira dos Andes. E foi até lá que nosso correspondente, Vitor Ramon, aportou com seu olhar atento, representando a Rede Coral de coletivos, em uma cobertura colaborativa entre veículos parceiros como o Coletivo Catarse  e o Repórter Popular. Para custear a viagem, uma campanha solidária foi aberta. Além disso, uma ecotrilha foi organizada junto ao Preserve Morro Santana. As iniciativas somadas a apoios do canal Voz Trabalhadora, do Coletivo Catarse e de diversos apoiadores anônimos arrecadou mais de 3 mil reais. Durante a passagem por Santiago, foi possível estreitar laços com outras iniciativas de comunicação popular, como a rádio JGM, também integrante da Rede Coral (experiência que será compartilhada em breve). Mas, para além das ondas sonoras das rádios comunitárias, acompanhamos outra tradição da cultura libertária expressa, com a pintura de um mural em conjunto com os coletivos Brigada Muralista Ana Luisa (Chile), Pinte e Lute (Florianópolis) e o antigo Muralha Rubro Negra (Porto Alegre). A grande arte conjunta com a consigna “Apoio mútuo” ganhou cor nas ruas que deram origem à tradição libertária do muralismo combativo. Nos retoques finais, cada coletivo deixou sua marca na pintura, assinando a construção coletiva. No alto da Cordilheira, a Bola 8 — uma das marcas mais características do Morro Santana — foi pintada como elo simbólico entre territórios distantes, mas unidos pela solidariedade, pela luta e pela arte.   Assista o primeiro vídeo da cobertura produzido pela Voz do Morro sobre o mural pintado em Santiago: Relação histórica e combativa A relação do Morro Santana com o ELAOPA é histórica, com presença marcada desde a primeira edição do encontro, em 2003, junto ao Comitê de Resistência Popular da Zona Leste. O encontro surgiu como alternativa autônoma e combativa ao Fórum Social Mundial, com ênfase na luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), cuja votação estava prevista para o ano seguinte. Já em 11 de outubro de 2009, um mural foi pintado na Vila Estrutural, no Morro Santana, em alusão ao “Último Dia de Liberdade das Américas” — referência à invasão europeia em 1492. A ação foi um desdobramento do VII ELAOPA, realizado naquele ano em Buenos Aires, Argentina. Em fevereiro de 2010, ocorreu o VIII ELAOPA na Colonia de Vacaciones del Sindicato de Artes Graficas, próximo a Montevidéu (Uruguai). O Combate Audiovisual (uma espécie de “braço audiovisual”) da Voz do Morro produziu um documentário sobre o encontro. Em julho daquele ano, uma comissão de uma rádio comunitária uruguaia veio para Porto Alegre conhecer a experiência local, momento em que foi realizada uma transmissão simultânea na Voz do Morro junto as rádios comunitárias uruguaias Germinal e La Villa FM. Além disso, os ELAOPAS de 2019 e  2023 também tiveram coberturas audiovisuais realizadas pelos coletivos Repórter Popular e Coletivo Catarse, que contam com integrantes da rádio A Voz do Morro.