Gilberto Amaro do Nascimento é o homem dos 150 anos – não revela jamais a sua idade. Na sua caminhada de vida de artista e ativista, tem feitos que marcaram a história cultural do Rio Grande do Sul: fundou a Praiana, primeira escola de samba de Porto Alegre, e idealizou o CABOBU, um festival que retirou do esquecimento um dos ícones da cultura afrodescendente do extremo sul do Brasil, o Sopapo. Percursionista nato e filósofo contemporâneo, como o classifica Mestre Baptista, é homem de opiniões fortes contra os “burocratas” do Estado, a quem culpa pela não continuidade da produção cultural autêntica das regiões brasileiras.

Foto: Rafael Correa

Na sua casa, em Porto Alegre.

GT: Então tá, Giba. Vamos começar pelo começo. Pode inciar contando a história do Giba Giba com o Sopapo, indo lá para Pelotas…

Giba Giba: A história com o Sopapo… A história do Sopapo, como eu vou dizer, é de amor à primeira vista. Quando eu via os caras tocando o Sopapo… Aquele som daquele instrumento… Eu ficava olhando, acompanhando. Aí, eu vim pra Porto Alegre, não trouxe Sopapo nenhum, nem pra tocar. E, por acaso, fundamos a escola de samba. E, por acaso, mais de cinquenta por cento da turma da escola de samba era de Pelotas. E, por acaso, nós botamos o Sopapo nas escolas simplesmente por uma razão, uma influência cultural.

GT: Era a primeira escola de samba de Porto Alegre?

Giba Giba: É, neste formato de escola de samba, foi. Pode ser que tivesse outras coisas com nomes de escola de samba, mas não eram. Os blocos de Porto Alegre eram grupos carnavalescos…

SV: Bambas não era escola?

Giba Giba: Era Grupo Carnavalesco Bambas da Orgia. Todos eram grupos carnavalescos, saíam só tocando marcha. Era uniforme, todos os grupos saíam tocando marchinha. E a fantasia também era uniforme, do porta-estandarte a… Não tinha porta-bandeira, não tinha mestre-sala, não tinha nada disso.

GT: E não tinha Sopapo nesses outros?

Giba Giba: Não, não tinha. O pessoal nem sabia o que era, aqui não tinha. Nem a gente sabia que aqui não tinha. É por isso que a cultura é uma coisa fantástica, porque ela não tem rótulo, ela não tem “isso é assim, isso é assado”. Ela é o jeito de cada lugar. E, quando as pessoas saem daquele lugar e vão pra outro, elas levam aquele jeito. É aí que vão ser formando as coisas, como qualquer coisa: a cultura alemã, a cultura italiana… Eles vão ali, ficam ali, eles não vão dizer “nós vamos fazer isso, nós vamos aquilo”. Não, já está feito ao natural, tudo foi feito com naturalidade. Perdeu a naturalidade quando começaram a enquadrar, a regulamentar todas as coisas que eram espontâneas. E aí foi descaracterizando e tal. E, depois, o processo cultural que se desenvolve com a racionalidade do dia a dia passou a ser controlado, perdeu seu efeito natural, perdeu sua espontaneidade. E é por isso que está esta conflagração brasileira de ninguém se entender. Porque está todo mundo… Foi mexido o jeito de ser de cada lugar, alterou o ecossistema existencial. Porra, merda! E é foda!

GT: Como é que tu vês a contribuição deste tambor aí? Eu me lembro de uma frase que tu dizes numa outra entrevista, que a gente fez lá na Universidade, quando tu percebeste que não tinha mais Tambor de Sopapo… Antes de começar, antes de tu montares o CABOBU, e aí a gente fez aquela entrevista na Universidade, se lembra? A gente levou uma galera… E aí eu me lembro de uma frase tua: “Eu vi que não tinha mais Sopapo nas escolas de samba de Pelotas e pronto: está em extinção a matriz cultural do samba da minha terra”. Essa frase, pra mim, é muito forte, é muito simbólica. Como é que esse tambor se transforma na matriz cultural do samba?

Giba Giba: Não é uma questão de se transformar. É quase que, praticamente, inconsciente. É como se fosse, por exemplo, o cara do Sopapo. Ele não nasceu assim: “Vou fazer o Sopapo pra ser o instrumento…”. Não. Cada região tem os seus tambores, a sua maneira de ser, o seu jeito de ser. E esses tambores, a maneira de ser, eles são confeccionados com a sua influência regional, com o que tem ali. As pessoas sempre dizem assim: “E esse instrumento aí, veio da África?”. Não, da África não veio absolutamente nada. Da África só veio a memória. Só, né?! A cultura africana é um barato por causa disso, porque os caras chegaram aqui zeradinho, sem nada, só com o paninho do corpo em cima. E reconstruíram a África fora da África, com a sua cultura, com tudo isso. Isso que é importante. E essa reconstrução é que faz parte dessa naturalidade. Quer dizer, em cada região do Brasil onde os negros foram espalhados… E aí ia ficando cada lugar com o seu jeito. É por isso que eu falo que, às vezes, as pessoas querem unificar o carnaval. Eu digo: “Pô, o carnaval só é unificado numa coisa, ele é unificado na alegria, na fantasia, na espontaneidade”. Mas não no enrijecimento de uma categoria. Cada lugar com o seu jeito de ser. E, quando o cara perde o jeito de ser, ele perde duas vezes, ele perde aquele jeito natural que ele era e jamais chegará a ser o outro. Então, é uma coisa que é assim. O Sopapo não é uma coisa misteriosa. Ele é um fundamento, acredito eu, de um instrumento que foi criado assim… Por exemplo, em Pelotas, quando a gente era criança, a gente criava um monte de instrumentos sem saber o porquê. Em cada zona da cidade, era normal: “Vamos fazer um bloco de carnaval? Vamos!”. Era isso. “Como vamos fazer? Quem sabe fazer tambor? Eu sei, eu sei!”. Aí, chegava no curtume que tinha em Pelotas, e os caras davam o couro pra gente, e cada um fazia um instrumento com a sua habilidade. Se o instrumento ficasse bom, o cara repetia. E aquilo ficava. Quer dizer, essa é a cultura, sabe como é?! E eu acredito que o Sopapo é um desses fenômenos, assim como tem aquele tambor do candombe. Quando ele nasceu, depois ele foi se solidificando. Assim como a Praiana. Quando a Praiana veio com aquele jeito de carnaval, era aquele jeito, ela sozinha. Ela não saiu pra ganhar, nem pra perder. Saiu só pra fazer o carnaval. Só que foi uma revolução geral. E aí todo mundo já se transformou em escola e tal. Mas ela tinha que ter ficado… Acredito eu que a gente perdeu uma grande oportunidade de fazer o carnaval e as escolas do jeito da gente, pra ver o jeito que seria. Essa seria talvez a contribuição da Praiana, de fazer com o jeito mesmo do Rio Grande do Sul. Como tem o jeito de Minas fazer, como tem o jeito de Recife, como tem da Bahia. Cada lugar tem um jeito. Agora, se tu vai querer fazer do jeito de um outro lugar, aí tu tá ferrado, porque jamais tu vai fazer do jeito de outro lugar.

GT: Tu estás te referindo à “carioquização” do carnaval?

Giba Giba: Não é que seja “carioquização”. Porque eu acho assim… Cada lugar tem o seu jeito. Cada um tem o seu jeito, não é igual. Não é questão de ser melhor nem de ser pior, é que não é igual.

GT: Sim. O Baptista diz muito isso: não adianta imitar porque a gente não vai conseguir fazer do jeito deles…

Giba Giba: Claro. E o pior é que tu perde aquele know how que tu tinha. Eu sou do tempo de quando o Herivelton Martins, o Risadinha, foi passar carnaval lá em Pelotas, porque lá tinha aquele ritmo e tal. Ele não ia passar lá pra ver o ritmo que tinha no Rio, ele ia lá pra ver o ritmo que tinha lá. Porque, se não fosse, ele ficava no Rio. É que nem se tu quer fazer igual ao fulano… Então não. Então chama o fulano, não é?! Como uma vez eu estava fazendo um show, e um cara chegou e disse: “Vem cá, tu não vai cantar o Chico?”. E eu digo: “Bah, eu adoro o Chico, eu amo o Chico, só que eu não tenho o mínimo de talento de chegar e fazer a coisa que ele faz. Agora, vamos combinar o seguinte: o dia que tu quiser ouvir o Chico, tu contrata ele. O dia que tu quiser me ouvir, tu contrata eu. O dia que tu quiser ver o Antônio, tu contrata o Antônio. Agora, tu não contrata o Antônio pra querer ouvir o José”. Claro, tu casar com uma mulher que é parecida com a fulana… Então casa com a fulana, entende?! É um conjunto de coisas que a gente não se flagra. Quer dizer, isso é que é cultura. Então, nós estamos fodidos porque nós burocratizamos a espontaneidade, e a espontaneidade burocratizada é uma merda.

GT: E me diz uma coisa, Giba. Só pra nós continuarmos nesta história do carnaval. O Sopapo embalava muito, lá em Pelotas, o carnaval de rua mesmo. O pessoal diz muito, em Pelotas e Rio Grande, isso: “A gente sabia qual era o bloco que estava vindo, qual era o pessoal saindo, só pelo tambor”. Era o jeito que os caras tocavam. Cada escola tinha uma característica de tocar o instrumento. E daí tinham os grandes sopapeiros…

Giba Giba: Claro, tinha. E a própria escola tinha a sua identidade. Tu ouvia e sabia. Assim como Porto Alegre também tinha. Os blocos de Porto Alegre também tinham uma identidade: tinham os Comanches, o Seresteiro, o Céu Azul, o Bambas da Orgia, o Embaixadores do Ritmo, os Cariocas… Quer dizer, todos esses blocos, todos esses, os Xavantes, Aimoré e tal. Todos eles, qualquer um deles, tu ouvia e tu identificava: “Aí vem vindo os Xavantes. Aí vem vindo os Comanches”. Só de ouvir. E eles não combinavam de fazer diferente, é que já era diferente ao natural. Não é que fosse diferente: era característico. É como três irmãos, três pessoas iguais, mas diferentes. E qual é a diferença? Bom, a diferença é a subjetividade da existência. E é isso que, digamos assim, não sei, a tecnocracia, a burocracia, seja lá o que for, não entende. Até é bom, porque não entende até pra sua própria sobrevivência. Porque o dia que eles entenderem isso eles não sobrevivem mais, porque são duas linhas paralelas que não se encontram mesmo.

GT: E nós percebemos com essas entrevistas que a gente tem feito que o Sopapo estava no cerne desta caracterização dos blocos lá de Pelotas…

Giba Giba: É, das escolas. Porque tinham blocos que não tinham o tambor, era normal. Por exemplo, não me lembro da Girafa da Cerquinha, que é um bloco tradicional até hoje, eu não me lembro se eles tinham o Sopapo na Girafa, acho que não tinha. Porque a Girafa cantava marcha, e o Sopapo não é bom pra marcha, o Sopapo é bom pra samba.

GT: Então ele estava mais nas escolas? Ele era marcador? Tem uma diferenciação de como ele é usado hoje pra como era antigamente. Porque falam do surdo de terceira, que foi sendo substituído…

Giba Giba: É, o Sopapo é mágico. Ele é fascinante. Claro, tinham os tambores, surdos, tamborins, tal, tal e tal. E o Sopapo, como ele é batido com a mão, aí ele faz a segunda, terceira, quarta, quinta. Aí ele faz tudo. E por isso que é importante que cada um toque a mesma música com o seu jeito, com o mesmo fim. Essa é a coisa mais maravilhosa, ele tem uma identidade. Por exemplo, a Praiana tinha dez sopapeiros, dez “nego” sovando. Aquilo vinha bonito. Um vinha do lado do outro, o outro mais do lado e tal. E o cara vinha, como eu vou dizer, é quase como uma confraria, uma identidade dos Orixás, uma batida de todo mundo tocando pro mesmo santo. E a gente só olhava um pro outro e já sabia: “Aquela outra”. E fazia assim com a cabeça e tal. E isso aí tudo… Não tem partitura pra isso. Só tem…

GT: Sentimento.

Giba Giba: Sentimento! E é por isso que é cultura. Não tem cópia, não tenho como copiar, o cara nasceu ali e vai sendo aquilo. É como o cara ser chinês, nasceu na China e vai até o final. Tu não vai botar outra coisa nele. Por isso que a humanidade fica uma merda. Porque ela intervém, ela é intervencionista no jeito de ser dos outros, na maneira de ser dos outros. E daí dá o conflito, essa é a história da humanidade. É isso que nós aqui não entendemos. Até as pessoas que mandam em nós não entendem isso. Tanto não entendem que eles mandam. E, se entendessem, não mandavam, obedeciam. Porque eles, os políticos, estão lá não é pra mandar, estão lá é pra obedecer. E eles estão mandando, porque já está invertido. Porque é uma procuração que a gente deu pra eles, a gente não deu o poder, a gente deu uma procuração pra eles fazerem o que eu quero, não pra eles fazerem o que eles querem. Tá tudo mudado. E dentro dessa confusão…

GT: Tu não dás o poder.

Giba Giba: Claro, tu não deu o poder pra ninguém. Ninguém tem. Mas o cara usufruiu daquilo e depois fica fazendo o que acha que tem que fazer. Perdeu aquele senso da convivência, conviver contigo e tal. Quer dizer, ainda bem que tu pensa diferente de mim. Os caras demonizam quem pensa diferente. “Não, ele é isso porque…”. Ótimo! Porque quanto mais gente pensar diferente mais a gente constrói coisas diversificadas. Agora, o sentido maior disso tudo é a brasilidade. Nunca ouvi dizer: “Isso aqui é bom para o Brasil”. O cara sempre diz assim: “Isso é bom para uma parte”. Não, uma parte é uma parte com um todo, aquela parte sozinha não significa nada. Tu tá lutando pra ser íntegro, pra ser inteiro, como tu vai ser uma parte? E de dizer que a tua parte é que é a certa, só de dizer isso tu já é um ditador. Se eu disser que a minha parte é que é a boa e a tua é uma porcaria… Porra, eu sou um ditador! Eu não tenho a mínima capacidade de convivência com ninguém. E se eu não tenho a capacidade de convivência com ninguém, como é que eu vou querer administrar alguma coisa? Administrar todo mundo só porque eu quero, que acha como eu acho? Eu digo isso porque isso aí enrabou a cultura, que terminou com tudo. Aqui em Porto Alegre a gente fazia trezentos blocos em qualquer lugar. Eu digo em Porto Alegre, mas é em qualquer lugar. Era fazer um bloco de carnaval e não precisava de absolutamente nada. Nós: “Vamos fazer um bloco? Qual o nome do bloco?”. A discussão era entre nós. “É bloco carnavalesco ‘tatata’”. E pronto. “Vamos fazer uma reunião onde? Na tua casa, na casa de quem?”. Fazia uma reunião. “Que dia que nós vamos sair? Tal dia”. Pronto. Não tinha problema nenhum. Não dava briga, não dava morte, não dava confusão, não dava nada. Aí o cara fala: “Bom, agora tem a associação disso, a mensalidade disso, ‘papapa’… Sindicato…”. Pronto, terminou! Porque todas as pessoas disso não tinham absolutamente nada a ver com… Como é que é aquela coisa do primário? Que era o que a gente estava fazendo. Já tinham outros caras lá que não tinham nada a ver, já estava discutindo: “Não, porque tu tocou pro ‘pipi’ e agora tu não vai tocar pro ‘papá’. Agora tu tocou pro ‘agá’ e…”. Entende?! Isso aí foram os caras daqui que colocaram ali. E aí fodeu. E o que criou? Criou o clientelismo. Eu, pra me enquadrar em alguma coisa, eu tenho que ir por ali, por aqui, sabe como é? E, antes, o processo do Estado, de modo geral, de todo o Brasil, a única interferência que ele tinha com relação a qualquer atividade cultural era só não atrapalhar. E, agora, os caras atrapalham. Até porque os caras não são do ramo.

GT: Tu não achas que isso aconteceu porque aumentou o número de pessoas?

Giba Giba: Não, é proporcional. Se fosse assim, Tóquio seria a cidade mais suja do mundo. E é a mais limpa, porque as pessoas não botam um pedacinho de papel na rua. As pessoas levam o lixo pra casa, tu não vê um lixo na rua. Agora, os duzentos anos, o bicentenário do Chopin? Na terra dele, na praça, nas ruas da cidade, tem um dispositivo eletrônico, tu senta ali e aperta um botão e ouve a obra do cara, sentado na rua! Quer dizer, uma multidão. Aqui, tu bota um telefone na rua e os “nego” quebram. Os caras vão pro futebol e incendeiam! Mas antes a gente ia para o futebol, ficava todo mundo junto, todo mundo brincando, cansei de passar pela torcida do Grêmio: “Êêê!”. E eles: “Êêê!”. Tudo legal. E vice-versa. Nunca teve um… Eu me lembro do primeiro Grenal que eu assisti na Baixada. E eu nem sabia o que era Grenal, sabe? Recém tinha chego em Porto Alegre e, quando vi, entrei lá e tava vendo o jogo e nem me incomodei. Eu tinha uns dez anos, tava lá no campo da Baixada meio assim sem saber direito. Não conhecia as ruas da cidade. “Como é que vai?”. “Vai por aqui, vai por ali…”. Cheguei e entrei. Tu saía nas ruas, tu saía sozinho, tu andava só nas ruas. Não tinha interferência. É por isso que eu digo: “Cuidado que eles já nos viram… Sociedade Cultural Beneficente Recreativa e Escola de Samba Cuidado Que Eles Já Nos Viram”. Porque, quando a tecnocracia, a burocracia, te vê, eles já criam uma coisa. E aí tá fodido. Porque, por exemplo, faz a lei disso, a lei daquilo, contra isso, contra aquilo… E aí tá fodido. Quanto mais lei tem, mais crime existe – é ao contrário! Claro, se tem quinhentas leis, tem quinhentos crimes. Então, nós estamos fora da lei em alguma coisa. Tem excesso de lei, um monte de lei, uma anula a outra. Se tu parar, acontece alguma coisa, mas se tu não sei o quê… E aí, no final, não dá em nada. Ela só vai valer quando ela é sumária. A diferença nossa, por exemplo, com aqueles lugares que falei é que a lei lá é sumária: tu fez, “pá!”, é isso, seja o que for, não tem história. Não sei se está certo ou errado, a única coisa é que tu sabe o que acontece. E aqui só acontece com um coitado qualquer.

GT: Giba, voltando um pouco, pra gente falar dos sopapeiros. Quem tu conheceste de sopapeiro bom? Quem eram os grandes sopapeiros que tu conheceste? Vamos falar disso antes de entrar no CABOBU…

Giba Giba: Isso é difícil. É difícil porque sabe quando tu convive com os artistas? De tão natural que é tu não registra. Não era uma coisa excepcional. Era do tipo: “Toca aí, pega o surdo”, e tal. Quem sabia, sabia. Agora tem oficina disso, daquilo… Tudo isso não é natural. Por que não é natural? Porque as oficinas são boas, mas eu digo que não é natural porque tiraram a gente da rua. Por exemplo, tinha o Dunga, o Caloca, o Pássaro Azul, Boto, o Bucha, Wilmar, o Pandorga, Zé Carlos, Vassourinha, Banha… Eu falei esses nomes, mas acontece que eu falei esses nomes e devem estar faltando mais uns dez ou vinte, ou mais até. Eu até botei no projeto, porque eles eram artistas sem saber. Como na casa da Dona Leotina, que eu ia todos os dias ali e ficava tocando. E agora que eu vejo… Porra, tinha quinhentos mil artistas ali no meio, mas ali era tão natural que não era como se fosse artista.

GT: E esse pessoal que tocava Sopapo tinha uma certa notoriedade, não tinha? Por exemplo, o Pássaro Azul, que a gente viu em Rio Grande… Porra, o cara era uma…

Giba Giba: Claro, o Pássaro Azul, o Boto, o Valcredo, o Banha, o Bucha… Esses caras eram “artistão” mesmo. Claro, tinham uma notoriedade. Eles tocavam e tinham carisma. Aquela história do carisma, aquilo que é subjetivo… Toca e tem o carisma. Tem cara que toca e não tem o carisma. Tem cara que não joga nada, mas tem uma balaca que tu: “Bah, esse cara e bom!”. E o outro corre que nem louco e é isso. Então, eu acho que o que a gente tem que resgatar é a naturalidade das coisas. Enquanto a gente não resgatar o jeito de ser, e o Estado ficar no lugar que ele tem que ficar, não vai adiantar absolutamente nada. Porque o Estado é que tá fora do lugar. Vê uma coisa: os caras inventaram o trabalho infantil escravo. Olha que loucura! Cem por cento da minha turma – cem por cento da minha turma! -, brancos, pretos, pobres ou ricos, todo mundo trabalhava com doze, treze, quatorze anos. Era status trabalhar, não era miséria trabalhar. Eu ficava louco pra fazer quatorze anos e poder trabalhar. Não era pra comer, porque eu morria de fome, era status. Em casa era assim: “O filho do fulano trabalha”. Era status. A gente tinha orgulho de trabalhar e estudar. Uma sociedade que tem isso, ela está pronta. O problema é que o Brasil estava caminhando pra se tornar uma sociedade, uma nação legal. E aí desmontaram, deram uma paulada, foderam. O cara que começou a construir o Brasil… Sabe quem foi? Foi o Getúlio. O cara que fez todas as leis trabalhistas, todas as leis legais que tinha, e aí desmancharam pra dizer que fizeram. Aquilo tava prontinho, não precisava de mais nada… Sindicato, nada. O cara trabalhava e, quando fazia seis meses, já estava garantido no trabalho. Se o cara te botasse na rua, ele te indenizava, não tinha Justiça do Trabalho, não tinha nada. Era tudo ao natural, era sumário. Não tinha discussão. Nós tivemos que acomodar politicamente as coisas, botamos a política na frente das coisas. O Brasil tem quinhentos e dez anos, velho. Era, tinha e foi… Se era bom, era, tinha e foi. Por que que não é?

SV: Deixa só eu te fazer uma pergunta pra completar o raciocínio pra chegar no CABOBU. Tu contas no teu projeto a origem do Sopapo, e eu queria que tu contasse pra nós. Qual a tua ideia? De onde surgiu o Sopapo? Claro, ele vem da África, mas me refiro em Pelotas, especificamente, com aquela imagem, aquela aquarela que se tem, aquela festa com eles tocando…

GT: 1861.

SV: Inclusive tem na capa do projeto. Queria que tu me contasse de onde tu achas que esse instrumento surgiu ali. Em Pelotas ou em Rio Grande? Porque há uma discordância.

Giba Giba: Eu acho, inclusive, que é difícil tu chegar e dizer que foi primeiro aqui ou primeiro ali. Porque Pelotas e Rio Grande são irmãs siamesas. A influência cultural… Como eu vou dizer? Um deriva do outro. Se surgiu em Pelotas ou se surgiu em Rio Grande, não tem como… Por exemplo, aquela reprodução daquela aquarela que tem ali é de um pintor que pintou o Rio Grande do Sul. A importância dele é como a de Debret para o Brasil. Ele foi pintando tudo aquilo ali em 1861. Então, se ele registrou em 1861 é porque vem de antes. Porque ele já registrou aquele quadro ali e poderia ser em Pelotas ou em Rio Grande. Aquela região não era tão demarcada como é hoje. Já criaram não sei quantos municípios. Naquele tempo tinha Pelotas e Rio Grande e, depois, tinha aqueles lugarzinhos como Capão do Leão, Cascata… Tudo ali era subsede do município. E Pelotas e Rio Grande tinham um intenso intercâmbio cultural. No fim de semana se ia de trem pra Rio Grande ou vice-versa. Acontecia um baile em Rio Grande, “vamos pra Rio Grande!”. A escola de samba de Rio Grande ia pra Pelotas. O outro ia pra Rio Grande. Quer dizer, sempre foi assim, aquela mistura. E essas decisões todas eram decisões tomadas simplesmente pelas sociedades. Não tinha estatal no meio, não tinha “pede licença pra não sei quem e pega ali, abre ali, fecha…”. É muito difícil tu chegar e falar em uma coisa sem falar na outra, porque a decadência dessa coisa tá ligada diretamente à intervenção.

GT: O Pássaro Azul ia tocar em Pelotas então. Eles iam de trem, não iam?

Giba Giba: A General Vitorino… E aí ia todo mundo para estação esperar a chegada dos caras, e eles desciam e era aquela zoeira. Todo mundo sambava ali no Rio Grande. Ali naquela praça de Pelotas, naquele redondo. Os “nego” dançavam naquela praça. Terminava o carnaval e não tinha uma planta quebrada, velho. E agora tu vê. Agora, o “nego” tem que proibir tudo. Tu cuida, os caras quebram, arrebentam tudo. E era o quê? A educação. A facilidade que o cara tinha pra estudar comparado com hoje… Não dá nem pra comparar. Pra chegar em uma escola, naquela época, tu não estudava só se não quisesse. Era só tu chegar na escola e dizer: “Quero estudar aqui”. E tu ficava. Meu pai, eu, qualquer um. Meu pai chegou no Patronato e saiu de lá formado. Não tinha polícia, não tinha partido de nada… “Porque tu é isso, tu é aquilo, eu sou isso…”. Esse “blablablá” é que é foda, velho, não tem nada a ver! E, quando começou a ficar assim, eu comecei a ver a decadência. Começou a desmanchar. Tudo que era natural deixou de ser natural. E quando deixa de ser natural tu já não sabe mais o que tu vai falar. É a mesma coisa com os índios. Eles andam tudo nus e, quando tu bota roupa em um, pronto, tá fodido. Aí o cara já ficou com vergonha de estar nu. Então, tudo aquilo era natural, uma coisa fantástica, a cidade vivia… Havia respeito. Um cara sozinho, se tinha uns guris brigando, o cara chegava com uma barbinha, só de ter a barba branca, e dizia: “Vamos parar de brigar aí”. E os “nego” tudo “vupt”! Podia ser valente, podia ser porrada, dizia: “Sim, senhor. Desculpa”. Faziam bailes e festas nas casas das pessoas: “Bah, vai ter festa na casa do seu fulano”. E ia todo mundo dançar. Daqui a pouco chegava um velho: “Terminou o baile”. E todo mundo: “Sim, senhor”. Hoje em dia nem dá pra pensar. Tu coloca trinta na tua casa pra cantar e dançar… Não dá pra fazer. Já começa que o vizinho chama…

GT: Vem a polícia, estão fazendo muito barulho…

Giba Giba: Pois é, tá uma loucura. Então, com é que eu vou conceituar as coisas, como é que vou colocar as coisas, isso e isso, aquilo e aquilo, dentro dessa confusão geral? Eu tenho dificuldade para responder as coisas porque não são respostas isoladas. Não é: “Isso e aquilo, então…”. Não é. Isso tudo começou quando chegou o vilão. E daí pronto. Quando chega o vilão, especialmente convidado, aí fodeu! Fodeu tudo, esse que é o problema.

GT: Vamos falar um pouco do CABOBU, Giba. Como é que surgiu a ideia de tu montares o CABOBU? Como aconteceu?

Giba Giba: Quando eu vi que tava esse lance assim… Era primeiro de maio, eu ia chegando em Pelotas pra tocar no Parque do Trabalhador e ia conversando com as pessoas o que a gente tá conversando agora. Que tinha isso: “Agora vocês vão chegar lá e vocês vão ver que tem Sopapo, que tem o samba, que tem isso, que tem aquilo”. Aí cheguei lá e não tinha. Aí eu falei para os guris: “Cadê?”. E os guris nem sabiam do que eu estava falando. Os guris de lá não sabem do que a gente está falando. E eu digo: “Opa! Tá muito mais sério do que eu imaginava, tá pior do que pensava”. Foi daí que eu digo: “Bah, como é que nós vamos resgatar isso?”. Eu digo: “Porra, vamos fazer um projeto”. Aí eu falei pra Sônia Duro, eu aprendi a falar Sônia Duro… Porra, ela é foda. Aí eu digo: “Pô, Soninha, vamos…”…

GT: Que ano foi isso, Giba? 1997?

Giba Giba: Não. Foi acho que em 1992 ou 1993. Não lembro.

GT: Mas tu chegaste a Pelotas e…

Giba Giba: Quando é que o Pila foi secretário?

GT: Em 1998.

Giba Giba: O Pila, em 1998?!

GT: Foi, foi em 1998, no ano em que o Olívio ganha o Governo. Então é 1999, 2000, 2001 e 2002.

Giba Giba: Então foi em 1999, 1998. porque, antes disso, eu ficava conversando com o Pila e tal esses papos que a gente tá tendo agora, a mesma coisa. Aí, quando o Pila pegou, ele me chamou: “Tu vai ficar comigo aqui”. Então tá. Eu digo assim: “Só se eu fizer isso”. E ele disse que ia ser o projeto número um da secretaria. E foi uma batalha pra gente fazer aquilo. Quer dizer… Integralmente a gente não fez até hoje. Porque nem ele conseguiu fazer. Tu sabe a história, nem vamos falar. Pra tu ver como é que é. “Pô, esse cara vai resgatar e os outros vão se flagrar…”. Mas, se não é pra se flagrar, então não faz!

GT: Então, a motivação é esta: tu chegas lá em Pelotas, e os caras não sabem o que é Tambor de Sopapo.

Giba Giba: É, a gurizada, que são os herdeiros, os seguidores das coisas. E então eu digo: “Vamos fazer um projeto. Quem será que sabe fazer? Será que tem alguém que sabe confeccionar Sopapo e tal”.

GT: Como é que tu chegas no Baptista?

Giba Giba: Tem a escola de samba lá em Pelotas, tem o Fragata, a Dona Iraí, mãe do Ben Berardi, que é uma grande dama pelotense, presidente de honra, eterna presidente da Unidos do Fragata. O Ben Berardi disse pra mim assim: “A minha mãe conhece o cara que sabe fazer”. E foi a Dona Iraí que me apresentou o Mestre Baptista. E aí nós fizemos um projeto, conversamos, eu e a Sônia Duro, conversamos com o secretário pra ele ver. O Pila era arejado, viu como é que era, e eu disse: “Vamos fazer uns quinze Sopapos”. E a Sônia disse: “Não, vamos fazer quarenta!”. E tinha que fazer um convênio com a Prefeitura de Pelotas – aí é que vem a grandeza da coisa. Porque o Pila era supra, não queria nem saber de nada, era a cultura em primeiro lugar. E a Prefeitura de Pelotas abraçou o projeto, o diretor do Colégio Pelotense abraçou o projeto, cedeu a escola pra tudo o que a gente queria fazer.

SV: Quem era o diretor?

Giba Giba: Era o Eduardo Brodi Nogueira, o Adinho! Bah, o Adinho fez assim: “Olha, a chave da escola tá aqui, está aí o teatro, está tudo aí, vocês podem fazer o trabalho durante todo o ano aqui, a sala que vocês quiserem”. Quer dizer, foi um conjunto de pessoas que sacaram e controlaram. E aí o Adinho me apresentou a Maritza, uma bailarina maravilhosa e tal. E ela preparou a escola de dança. Enquanto estavam preparando a escola de dança, o Mestre Baptista estava confeccionando o Sopapo… As oficinas todas assim, sabe, juntas, durante todo o ano. E nos finais de semana eu ia lá em Pelotas, no Colégio Pelotense, pra ver o andamento do projeto, se estava andando e tal. E já ensaiando. E quando chegou no final do ano estava tudo pronto. Quer dizer, o Sopapo e o CABOBU são um pretexto pro resgate cultural de todo o Rio Grande do Sul, não é do Sopapo, não é o instrumento, o tambor. O tambor é o agregador, o símbolo. Como o tambor foi o primeiro instrumento de comunicação do homem aqui na terra. E eu botei como símbolo pra gente se comunicar culturalmente com a cidade. É um pretexto que eu tinha de todo o Rio Grande retomar a sua cultura real, a sua cultura regional, cada um com a sua, era esse o pretexto. Então o que seria o CABOBU? Seria essa festa dos tambores… Então, o tambor é que é o agregador. A cultura africana, ela é agregadora, pacificadora, harmoniosa, maravilhosa. Imagina se fosse ao contrário a escravidão? Se fosse ao contrário a escravidão, até hoje os brancos estariam matando os negros, pois se foi o contrário, e são eles que continuam, entende? Pra tu ver a índole africana, e eles vendem o contrário. Então, esse símbolo de agregação é o símbolo do tambor africano, ele que dá o toque de brasilidade pro Rio Grande do Sul. E por isso que eu digo que é um projeto estatal, porque seria o quê? A cultura do Rio Grande do Sul, porque se ela fosse suprapartidária, não tem nada a ver com partido, é cultura, ela faria o seguinte: fazia um convênio com cada cidade do Rio Grande do Sul, cada uma, para sua manifestação. Digamos assim, Tapejara, eu não chegaria na cidade de Tapejara e diria: “Vocês fazem isso, vocês aquilo”. Não! Chegava na Secretaria de Cultura e perguntava: “O que vocês têm na cidade?”. “Nós temos isso e isso”. “Então vocês se preparem para o grande encontro cultural do Rio Grande do Sul, que é a festa do CABOBU, no dia tal e tal”. E, então, chegava no final do ano em Pelotas, que seria a sede, receberia, digamos, duzentas ou trezentas cidades, ou quinhentas, ou dez ou vinte cidades do Rio Grande do Sul. E cada uma com a sua representatividade cultural. Não é cada um com um tambor, é cada um com o seu jeito de ser.

GT: O tambor só como manifestação daquele lugar?

Giba Giba: Claro, Pelotas era com o tambor porque Pelotas era do tambor. Rio Grande também. Cada um com a sua. Fortalecia tudo. É aí que dá a identidade cultural. Aquele mosaico que você via, você via uma festa da cultura do Rio Grande do Sul, sem imposição de nada, completamente democrático. Claro, o Sopapo como fio condutor, porque o tambor iria chamar. O tambor chama, não tem quem fique parado com o tambor. Essa é a diferença. E o que aconteceria? Aconteceria de o Rio Grande do Sul vestir a camiseta verde e amarela para o resto da vida.

GT: Legal. Não deu pra fazer do jeito que tu querias, mas o que gerou esse projeto?

Giba Giba: Esta conversa que nós estamos tendo aqui agora!

GT: Mas especificamente… Foram duas sessões e…

Giba Giba: A gente fez a primeira edição: Caçapava, São Lourenço, Rio Grande, Dona Francisca, Porto Alegre, Arroio Grande… Todas as cidades concentraram as delegações no Colégio Pelotense. Cada uma com a sua delegação. Foi uma coisa lindíssima. E mais a turma de Pelotas junto, que nós juntamos, e ficou uma bateria de uns duzentos tambores, trezentos tambores. Tinha sopro, cavaquinho, violão. E cada delegação destas com sua representatividade pra todo mundo na cidade. Só não entrava quem não quisesse. E aí fizemos o cortejo desde o Colégio Pelotense até a Praça do Pavão e, quando chegamos na Praça do Pavão, encontramos com o resto da sociedade de Pelotas que estava lá e subimos todo mundo em direção ao centro da cidade. Porra, foi “duca”, do diabo!

GT: E os quarenta Sopapos no cortejo?

Giba Giba: Não, não tinham quarenta Sopapos no cortejo. Tinham uns vinte. Porque ainda foi distribuído em praça pública vinte Sopapos. Na segunda edição, a gente repetiu a mesma forma, e era pra ser um evento institucional, como a Festa da Uva, como tem a Fenadoce… Só que… Eu vou omitir essa parte porque…

SV: Mas e daí o Sopapo não ia virar lei também e cair nas mãos dos burocratas?

Giba Giba: Não, é uma coisa institucional. A Festa do CABOBU… Como tem festa de tudo quanto é lugar.

SV: Institucional da Cultura e não do Estado?

Giba Giba: Sim, claro. E daí ficava uma festa como é o Porto Alegre em Cena. É questão de visão. Visão de quem está com a faca e o queijo na mão. Só que quem está não tem essas coisas, e a gente fica malhando em ferro frio.

GT: E pra tua música, Giba, qual a contribuição do tambor, pra musicalidade nas tuas obras?

Giba Giba: É total.

GT: Como é que tu compões com o tambor? Que relação é esta que tu estabeleces com ele que tu já chegas aqui, batuca. Como tu enxergas isso? É pra não ser objetivo mesmo, pra gente viajar bastante…

Giba Giba: Porque o ritmo é uma coisa da própria vida. Tanto que tem o biorritmo, arritmia, disritmia, quer dizer… Já faz parte da própria vida. Por exemplo, quando a natureza tá fora do ritmo, dá terremoto, maremoto. E, quando tá tudo andando dentro do ritmo… É por isso que tem arritmia, disritmia… E o ritmo é a essência da coisa, tudo que tu fizer do ritmo tem tambor. Mesmo que tenha o compasso, tem o tambor. Por isso que a África é a mãe, por isso que a África é a primeira de todas. E até isso já dá inversão: se a África é a primeira, se a África é a mãe de todas as coisas e a África que tá na “m”… Alguma coisa muito séria tá acontecendo. Está invertida a posição. Até porque as pessoas não querem perder o poder. Quando tudo for, digamos assim, quando a justiça chegar a dar a César o que é de César, aí vai ficar tudo legal. Está desequilibrado, porque está tudo fora do lugar. Quem está mandando é quem não tinha que mandar. Aliás, ninguém tinha que mandar, tinha é que conviver, e as pessoas confundiram conviver com mandar.

GT: Quer dizer que quem dá o equilíbrio pra ti, na tua obra, é o tambor?

Giba Giba: Claro, é o ritmo, é o tambor, que é o pai de todas as coisas, os Orixás, é o Rei, é o Congo, é o reinado do tambor. Porque a vida tá sempre no ritmo, ela anda no ritmo. Quando estremece alguma coisa, o que que dá? Terremoto, maremoto, vulcão… E, quando a Terra tá em harmonia, ela está em harmonia. Por isso que tem o ritmo, biorritmo, arritmia, disritmia. Por isso que tem um monte de louco que diz assim: “Ah, eu estou completo em contato direto com a natureza”. E fica parado… E o cara é louco. Mas o cara não é louco, ele tá ali na natureza, ele tá legal. O índio, ele tá ali, ele convive. Nós é que vamos chegando: “Não, nós temos que botar o rio pra lá, tirar daqui e botar ali”. Porra, e aí queremos que fique tudo legal. Não vai ficar legal! “Vocês que estão aí, não podem ficar aí”. Aí vocês estão bem acomodadinho ali, legal, batendo um papo… “Não, agora tem uma lei que vocês não podem ficar sentado aqui, tem que ficar sentado ali”. E vocês têm que ficar rindo, tem que dizer: “Bom, agora é lei isso, é lei aquilo”. E aí tu fica todo descaracterizado. É por isso que tá todo mundo nervoso, tá todo mundo agredindo o outro. Tu não se dá conta, mas tu não seguiu o teu ciclo natural que tinha que ter seguido. Interferiram em ti, tem interferência em nós. E como ninguém está se entendendo, ninguém sabe a causa disso, perderam a reflexão. Eu entro em conflito contigo, com o outro ali… Sabe quando todo mundo fala, todo mundo grita, todo mundo briga, e daí ninguém tem razão? E a razão não é discutível, a razão é a razão. Nós chegamos em um ponto em que não adianta simplesmente. Eu digo assim: “Pô, tu é gremista ou colorado? Colorado? Então não é”. O fato, o concreto, deixou de ser concreto. Os “nego” transformaram o abstrato em concreto em detrimento do fato. Essa é a burocracia. E aí nós temos que dar vida para o inexistente. Os caras chegam assim: “O governo fez isso, fez aquilo, me deu aquilo, me deu isso”. Mas como que o governo dá isso? Ele não tem nada. De quem que ele tirou, quem deu pra ele? Ele não tem nada. Ele tem que chegar lá e me obedecer. É como se tu me desse uma procuração. Se vocês me nomeiam representante, eu tenho que cuidar o meu interesse ou o de vocês? É o de vocês! Eu tenho que prestar contas pra quem? Pra vocês! Eu não tenho que prestar contas pra um grupo que é uma parte. Se tem essa inversão e se é essa inversão que está mandando em nós, é matemático, é científico, o resultado tem que dar nisso que tá dando! Não pode dar outro.

Edu Nascimento (filho do Giba): Eu quero fazer uma pergunta. Eu queria saber qual é a tua alegria em tocar o Sopapo na tua música. É importante até porque influenciou o projeto do CABOBU, e a importância das pessoas que vieram a participar do CABOBU de fora do estado, de todo o Brasil. O que isso te influenciou, qual a importância das pessoas que vieram e viram o CABOBU? Parece que veio o Naná Vasconcelos… Artistas consagrados que vieram pra cá participar desse projeto importante. E boto isso no teu trabalho, os músicos que tu tocas, o CABOBU, o Sopapo, como é que ele é tocado, como tu expuseste esse projeto pra convencer, ou são teus amigos que vieram pra cá pra mostrar o Sopapo, a importância do projeto, do tambor pra festa do CABOBU e pro Giba Giba?

Giba Giba: Tu falou uma coisa interessante. Em primeiro lugar está a alegria de tocar o tambor. Isso é uma coisa que a gente já nasceu ali em casa. Tocava colher, tocava tambor, tocava de tudo quanto é jeito. E, quando eu vi a primeira escola de samba lá de Pelotas, que é a Estrela do Oriente… “Vem meu amor/é demais minha dor/deixaste o nosso lar tão de repente”… Eu digo: “Deus o livre! Está aí o Sopapo”. E depois eu vi o Boto tocando, vi os caras do Sopapo. E aí eu me apaixonei. E aí eu tinha uns 15 ou 16 anos, e o Boto chegou pra mim e disse: “Olha, tu vai tocar este instrumento”. E eu digo: “Oba!”. Eu fiquei cheio de razão. Até que as coisas se fizeram naturalmente até o ponto que eu falei, de fazer esse projeto do CABOBU com essa grandeza. Mas foi tão transcendente, porque foram três dias de festa, que vieram essas pessoas dessas cidades todas, veio gente do Rio de Janeiro, veio o Paulo Moura, Haroldo Costa, Djalma Correia, Naná Vasconcelos… E toda essa turma completamente encantada com esse movimento. Inclusive vendo que o Rio Grande do Sul tava com aquele toque de brasilidade, porque parecia que não tinha negro, parecia que não tinha cultura brasileira no Rio Grande do Sul. E essa foi a grande contribuição. E lamentável foi a interrupção do projeto porque, eu não sei, daí é especular, pessoas que queria se adonar, não sei… Eu sei que o reflexo foi tão profundo que o Paulo Moura e o João Donato agora gravaram um CD, Dois Panos para a Manga, e compuseram uma música com o nome de Sopapo. Porque nesse lance da confecção dos 40 tambores foram distribuídos 20 tambores em praça pública para que todas as pessoas vissem ou levassem os instrumentos. E pra distribuir pela cidade pra ele começar a ser usado. Então, o Djalma Correia ganhou um, o Paulo Moura ganhou um, o pessoal das escolas de samba cada um ganhou, os visitantes ganharam… Foram 20 tambores distribuídos. E aí está plantada a semente. Só que as respostas que eu tenho que dar pra tudo isso seriam respostas práticas do acontecimento que ia se fazendo em si. Ele foi interrompido bruscamente e virou uma teoria de uma coisa que seria automaticamente. Quer dizer, ele ia se refazendo. Por exemplo, em um dia tinha 10 cidades representadas lá em Pelotas. A intenção era que tivessem 200 ou 300. E, se tivesse continuado, chegaria a esse ponto. É aí que entra o lado burocrático, estatal, que meio que interrompe. Porque a gente não pode fazer nenhuma interferência em uma cidade sem ter o aval do Estado, da cidade. A gente tem que pedir licença pro Estado, licença pra prefeitura pra ocupar as ruas. Tem que ter esta sustentabilidade. E é aí que entra o lado que a gente fica meio assim… O entrave, sem dar uma resposta objetiva. Porque isso era um sonho nosso. O Edu falou uma coisa legal, dizendo assim: “A alegria que a gente teve foi incomensurável, foram três dias de festas, de sonho, um sonho concretizado”.

Edu Nascimento (filho do Giba): E qual a impressão que eles tiveram de ver o tambor, que foi criado aqui no Sul, não sei se poderia dizer assim, qual a influência, o que eles acharam? Por que tem um troca…

GT: Tem uma questão do Naná Vasconcelos que não quis tocar o tambor…

Giba Giba: Foi uma brincadeira que ele fez. Porque ele viu os instrumentos, todo mundo tocando… “Toca aí”. E ele: “Não, não. Não vou botar a mão nisso aí, que eu não sei… Pode estar benzido!”. Foi nesse sentido. Eu mesmo, pra botar a mão no instrumento do Naná, eu perguntei: “Posso tocar?”. “Pode”. E aí eu toco. Depende, eu não sei se eu posso tocar naquele instrumento ou não. Foi nesse sentido: “Eu vi aquilo ali, parece um Orixá”. Esses rituais assim que são só para os iniciados.

Edu Nascimento (filho do Giba): Esse é um ponto legal, porque de repente o Naná viu como um ritual. Ele é percussionista e, como ele viaja pelo mundo todo, cada região do Brasil ou do mundo tem o seu tambor. E, como o Rio Grande do Sul não tem uma característica de tambor aos olhos do Brasil, é isso que eu queria saber, a impressão do Naná, do Djalma, do Paulo Moura… Como eles viram o Sopapo? A impressão deles?

Giba Giba: Foi de paixão, um ritual. É o mestre, né?! Por exemplo, o Ney Lopes fez o Dicionário Banto do Brasil e incluiu o Sopapo.

GT: Virou verbete.

Giba Giba: É. O Paulo Moura e o grande Maestro João Donato estavam na casa do Carlos Manga, o Sopapo tava do lado, e o João Donato perguntou: “Olha, que tambor é este? Que instrumento é este?”. E aí ele contou a história do tambor, está no encarte. Este ritual foi assimilado por 90% ou 100% de todos os artistas que compareceram, estiveram e sentiram, inclusive. E disseram que é uma festa que tem que se reproduzir no Rio Grande do Sul. Aliás, por sinal, o Rio de Janeiro, São Paulo e tal estão esperando a terceira edição do CABOBU, de tão impressionante que foi. Só falta nós aqui no Rio Grande do Sul enxergarmos esse fato. Mas, quando eu disse “eu não tenho muita coisa pra falar, eu estou cansado de dizer, de falar e tal”, é porque a gente vem batendo na mesma tecla. E, então, às vezes eu tenho a impressão que eu estou sendo repetitivo. E eu mesmo me chateio de estar falando a mesma coisa, falando, falando… “Falta aquilo, falta isso, não anda…”. Se fosse em qualquer outro lugar do Brasil já tava rolando. Ao invés da gente estar sentado e conversando, a gente tava tocando na rua. Se fosse na Bahia nós não estaríamos falando, a gente estaria fazendo. Por exemplo, a pedra fundamental, quando foi largado o primeiro e o segundo CABOBU, automaticamente, ele já se realimentava ao natural.

GT: Mas essa é a tendência no Rio Grande do Sul, de se extinguir essas coisas. Isso remonta ao início do Positivismo aqui, que entra pra limpar a história, limpar a contribuição do negro na história do Rio Grande do Sul…

Giba Giba: É, eu acho que é uma coisa política.

Edu Nascimento (filho do Giba): Claro. Aproveitando essa coisa política, falando da tua influência como Giba Giba e Banda… O condutor da tua banda é o Sopapo, então tu influenciaste um monte de gente. Duas bandas, que eu sei, que tocam – ou tocavam, não sei se tem ainda – são a Bataclã FC e o Serrote Preto.

GT: A gente vai falar com o pessoal, vamos falar com o Serraria também. Que tem influência direta…

Giba Giba: Sim, é isso que estão fazendo. Essa parte já não é do meu domínio. Quer dizer… Já é uma gratificação, a semente já está andando, estamos regando essa semente. Por exemplo, antigamente os pioneiros não tinham consciência do pioneirismo, e o que está acontecendo é que a gente está retomando a consciência, forçadamente, porque ao natural ela se desenvolvia.

GT: Mas e, se não fosse fazer o CABOBU, talvez o tambor tivesse sumido mesmo, não ia ter tambor espalhado…

Giba Giba: Claro.

GT: O Baptista está fazendo um monte de tambor e ele não fazia tambor. Ele disse que sabia, que estava no sangue, mas ele começou a fazer há dez anos. E hoje ele é o maior construtor de Sopapo do Brasil.

Giba Giba: O Fischer escreveu uma crônica sobre o Sopapo, eu tenho aí a crônica dele. É legal, e ele diz assim: “Giba, depois disso você pode dormir tranquilo pro resto da vida que tu não precisa fazer mais nada”. O Fischer escreveu isso aí.

GT: E são ações praticas, não é, Giba? É juntar as pessoas na praça pública e produzir o tambor.

Giba Giba: Exatamente. O que que sobra disso, qual a referência que tem, se tu faz a coisa voltada pra cultura real, o resultado é esse e ele se faz naturalmente. Se tu planta a semente, e a semente é verdadeira…

GT: Sim, porque a gente parte de uma realidade de que o tambor está sumindo. Tu chegas lá em Pelotas e vês que a gurizada não sabe o que é o Sopapo. Monta-se o CABOBU, e é uma pena que ele não siga como uma festa mesmo, que nem tu planejavas, mas se coloca de uma hora pra outra 40 tambores na rua, bota na rua, e, a partir disso, já deve ter se produzido o quê? Mais uns 100 nesses dez anos?

Giba Giba: É, acho que é. Lá em São Paulo, lá em Campinas, já foi feito mais um outro, ao vivo, foi um barato!

GT: E isso é o resultado direto da intervenção.

SV: Só, antes de terminar, queria que vocês falassem da questão da religião e do uso do Sopapo na religião, no ritual da cultura negra. Queria que tu falasses disso, por que tu falas que Sopapo na mão de negro é religião. E queria saber dessa relação que existe com a religião. Ele era tocado para os rituais, quais rituais?

Giba Giba: É que geralmente as baterias… Eu sempre digo que o samba real é o samba-religião, porque ele é derivado da religião. Chega o navio negreiro e ali os negros com a sua cultura, amontoados, um em cima do outro. Pra eles sobreviverem, eles mantinham a cultura deles na cabeça, dançavam jongo, todos esses rituais africanos, jongo, umbigada, samba de roda. Tudo batido com as mãos e com os pés no navio. E vêm os Orixás, as batidas, os tambores… Dali foram saindo os derivados. Todo o ritual africano é derivado disso daí. Por isso que as batidas das escolas de samba no Rio, Salgueiro, Mangueira, Portela… Cada uma tinha a sua batida. É como tocar pro santo. Pra quem é leigo, o cara toca pra Bará, Oxum, Odê, Oti… Cada um tem a sua (batida), tem os sons-fundamento. Se tu tá tocando para um santo, e eu entro tocando pra outro santo, o cara sente. Eu não sei tocar pra todos os santos. O Boto, eu fui saber há pouco tempo, que ele era um Babalorixá… Ele tinha todos os toques de todos os santos na mão.

GT: E no Sopapo isso?

Giba Giba: Não, ele tocava, ele tinha… O toque, depois, é o derivado.

GT: Tava na musicalidade.

Giba Giba: Ele era um Alabê legítimo. E o grande código da percussão exatamente é o cara tocar pro mesmo santo. Quer dizer, as levadas… E essas levadas que tem é tu que tem que descobrir tocando. O meu primo, aquele que faleceu, o João Carlos, tocava uma viola na Banda Itinerante. Eu disse pra ele: “João Carlos, eu tenho um samba que eu fiz, eu acho que é legal pra Academia”. “Pô, legal Giba. Agora vamos ver se teu samba está enquadrado dentro do ritmo da bateria da escola”. Porque tu compor pra uma escola não é a mesma coisa que tu compor pra outra escola. Porque cada uma tem a sua identidade. E essa identidade se formou com a naturalidade cultural daquele jeito. Não era diferente porque queria. Tipo os Comandos fazerem uma batida dos Seresteiros. Eu saí nos Comandos e depois saí nos Seresteiros, e os Seresteiros, a sede era na minha casa. A sede era lá em casa, e eu saía no outro, nos Comandos. E era batida diferente, mas eram os mesmos instrumentos. E saiu diferente, porque era… A identidade não tem explicação. Por exemplo, o Salgueiro é Xangô, da Justiça, e cada escola tem uma, e é pela levada dela. Eu não sei qual é o santo de cada escola.

SV: Mas e no terreiro, na religião?

Giba Giba: Na religião… A religião africana é fantástica. Eu não sei se tem alguma outra religião que transcenda, que tu consiga te comunicar de um país pro outro sem nunca ter visto ninguém e fazer igual. Sem tu ler um livro… Como é que pode? Por exemplo, na Rota dos Orixás, o cara está lá na Nigéria, faz o ritual lá e tá conversando com o cara lá no Recife. Sem nunca terem se visto, fazem o mesmo ritual, sem ter um livro, sem ter uma gravação, um filme, sem ter nada. Como é que pode? É a única no mundo que tem isso. Porque os outros todos são dogmáticos, tem livro, tu lê… Na África não tem nada. Os caras saíram da África completamente nus, só com um pano enrolado no corpo. Angola, Congo, Benguela, Monjolo, Cabinda, Mina… Aquela história da música do Jorge Ben, “Angola, Congo, Benguela, Monjolo, Cabinda, Mina, Quiloa, Rebolo. Assim como são os homens, os enviados de Oxalá… Eu quero ver… Quando Zumbi chegar…”. Quer dizer, quando os caras chegavam aqui tudo misturado e separavam: “Tu é Angola, tu é Congo, Benguela…”. Quer dizer, misturavam pra não ter a mínima possibilidade de se comunicar. E, mesmo assim, eles se comunicaram, não só aqui entre eles no Brasil como em todo o mundo. Porque em todo o mundo o negro é igual. E isso é foda. O Pierre Verger, que tem o livro dos Orixás, fotógrafo francês, morou quarenta anos na África e mais quarenta anos na Bahia. Um branco francês, foi iniciado por Ogã. Ele esteve aqui em Porto Alegre, e eu tive o prazer de trazer ele em 1983. Veio o Pierre Verger, o Haroldo Costa, o Ney Lopes, foi no Projeto Feitoria. E ele fez uma exposição aqui no estúdio de arte com as fotografias dele. Então, ele fotografou na Nigéria um ritual dos Orixás e depois fotografou em Recife o mesmo ritual. Igual. Como é que pode? Sem nunca terem se visto, sem nunca alguém dizer se é assim ou assado. Aqui não disseram pra eles que era assim. Eu tenho a fita do cara na África conversando com o outro lá em Recife. E isso é um dos dados que atestam a nossa sobrevivência aqui na Terra, a sobrevivência africana. Mesmo com toda essa desdita, todo mundo contra e tal, e a gente sobrevivendo na manha. Por isso que o negro diz “na manha”. As gírias que a gente tem, o jeito de dizer, isso tudo é negro, pra se defender do ataque. Porque a gente cria as coisas, e os caras vem e “pum”, assume, descaracteriza e ficam mandando na gente. É por isso que eu estou meio deslocado no carnaval, o cara fica meio descolocado. Porque de repente eu não entendo mais de carnaval, não entendo de samba, não entendo de mais nada. Não que seja academicismo, é acadêmico, mas é um acadêmico popular, não é uma academia ariana. É uma academia existencial, do mundo, humana, brasileira, africana. Essa que eu acho que é a cultura real.

Edu Nascimento (filho do Giba): A cultura virou o “bastantão”.

Giba Giba: “Bastantão”, exatamente.

Edu Nascimento (filho do Giba): De vez em quando dá pra colocar o arroz e feijão, que é comum a todos, mas esqueceu de botar uma proteína… Então, bota um arroz com feijão que todo mundo come. Não desvalorizando o arroz e feijão, mas…

Giba Giba: Então a gente está correndo atrás de querer saber como é que é a cultura. Quanto mais o cara vai entrando e querendo saber como é mais ele vai afundando na contradição, porque é uma contradição. Ao mesmo tempo que o cara está impondo uma coisa, se tu tá impondo, tu já tá terminando com aquilo. Se tu impõe teu pensamento, impõe tua posição… E tudo isso nos tirou aquela convivência democrática… Que palavra horrível, horrível porque não é, não tem democracia. A gente não sabe conviver com a democracia. Por exemplo, a gente é intolerante, e, se tu é intolerante, tu não é democrático. É ou não é?!

GT: Bom, Giba, tá mais que bom.

Giba Giba: Bah, falei demais!

SV: Quando que foi Giba Giba e Banda?

Giba Giba: Bah, desde 1960 e poucos…

Edu Nascimento (filho do Giba): Pode ser o único negão no Brasil tocando um tambor pesadão, cantando e tocando e a banda atrás.

Giba Giba: É, talvez seja o único no Brasil.

SV: Já é uma coisa difícil, ainda mais no Rio Grande do Sul…

Giba Giba: Exatamente, talvez esse seja o maior ineditismo até. Porque tu tocar e cantar é difícil, mas bater e cantar é muito difícil. Tu pendura aquele negócio pesado em cima, aí tu tem que respirar, aí tu dá umas porradas em cima, bate, e aí tu respira e canta e dança!

Edu Nascimento (filho do Giba): Negro bom não incomoda!

Giba Giba: Eheheheh!

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