1° Encontro de Cineastas Indígenas CORAL Porto Alegre

Entre os dias 10 e 13 de outubro, aconteceu em Porto Alegre o 1° Encontro de Cineastas Indígenas. Sediado na Retomada Gãh Ré do Morro Santana, o encontro foi promovido por diversas organizações, incluindo o Coletivo Catarse/Ponto de Cultura e Saúde Ventre Livre, o fotógrafo e cineasta guarani Vhera Xunú, além dos Pontos de Cultura Africanamente e Quilombo do Sopapo, com apoio da Witness Brasil e do Preserve Morro Santana. O projeto “CORAL Porto Alegre – Escola de Audiovisual Multicultural” foi contemplado no Edital de Apoio a Redes e Projetos de Trabalho Colaborativo do IBERCULTURAVIVA, Programa de Cooperação Intergovernamental.Além disso, também faz parte da Rede CORAL, articulação que reune quase 30 coletivos de mais de 10 países de Abya Yala que fazem uso do audiovisual para acompanhar lutas pela defesa da terra, dos territórios e bens comuns.

Sim, é uma introdução grande e cheia de nomes e agentes. Mas, só através dessas redes de apoios e produção que tal encontro foi possível. E a lista ainda não está completa pois muitas outras pessoas e organizações deram seu suporte e participaram das atividades propostas. Essas serão nomeadas a seu tempo, conforme forem se assentando as ideias, informações e vivências.

Quinta, dia 10 de outubro foi quando os primeiros participantes começaram a chegar na Rodoviária de Porto Alegre ou na sede do Coletivo Catarse: Fernando e Juscelino Xokleng da TI Ibirama/SC; Maurício, Zoraide Kófej e o filho Abner, da Retomada Kógūnh Mág de Canela/RS; Vherá e sua família (Cris, a esposa, o menino Kuaral e o bebê, ainda sem nome Guarani) da Tekoa Pindo Mirim (Viamão/RS). Esta chegança representa três dos povos que formam a cultura e a territorialidade da Região Sul, e somam-se na luta de todas as nações indígenas do Brasil: Xokleng, Kaingang, Mbya Guarani.

Antes, na quarta à noite, Viviane Kaingang havia ido direto para Retomada encontrar suas parentes, junto com seu marido Márcio – em kaingang Kakopri – e suas filha Marciely Fuá e o pequeno Liam Jagtyg. Mais tarde chegou Ademas, pescador direto de Niterói/RJ, que após visitar a Retomada foi repousar na casa do Vitor Ramon, morador do Morro Santana que faz parte do Preserve e da rádio comunitária A Voz do Morro. A dupla representava o 1° Encontro da rede CORAL, realizado em Paraty, outubro de 2022. Vanessa, Kaingang da TI Mangueirinha chegaria somente no sábado de madrugada, depois de muitas adversidades na estrada. Participando desde o início também a Amália, apoiadora que trabalha junto às mulheres da Retomada de Canela.

Reunidos ao redor do fogo ou na cozinha da Retomada, fomos nos conhecendo pessoalmente e conversando sobre as expectativas para os dias que viriam. Logo mais o jantar foi servido e o descanso chegou, em preparação para os dias intensos que viriam.

Na sexta o dia começou com uma café coletivo. Enquanto uma parte da produção providenciava o restante da alimentação para as próximas horas houve a organização de uma roda de abertura entre todos presentes, com as boas vindas da Cacica Gâh Té e uma pequena apresentação. Depois foi a vez de Bruno/Ponto de Memória Catarse e Ademas/Projeto Maretórios apresentarem suas experiências de trabalho em arquivamento e preservação audiovisual – projetos construídos ao longo de um ano de trabalho com apoio da Witness Brasil – , apresentando sugestões, projetos e apontando caminhos e metodologias que podem ser replicadas entre os os participantes. Trocas de experiências seguiram-se até o almoço.

Depois deste a roda se restabeleceu e o foco foi a trajetória de cada um no audiovisual, suas motivações, seus propósitos. De mão em mão, passava o mate amargo, unindo diferentes povos, culturas e territórios, nem o carioca Ademas ficou de fora. E foi um mosaico muito rico de experiências, com diversos relatos de revelações e chamados para que os comunicadores, com suas câmeras, pudessem contar suas histórias e fortalecer as lutas pela defesa dos diferentes territórios e modos de vida presentes.

Num dos intervalos, Vitinho trouxe uma reflexão sobre o quanto o audiovisual potencializa a ancestralidade da história oral dos povos indígenas. Lembranças, histórias recentes, imagens, sons, tatuagens do Nando Xokleng que contam uma tarde de enfrentamentos com a polícia no ATL. Emoção por estar fazendo um filme, no caso de Fuã, Kaigang de Canela. Empoderamento com a suas descobertas após a primeira cobertura de uma Marcha das Mulheres Indígenas, em setembro do ano passado, como nos relatou Vân Kafej, jovem que pertence à Retomada e que participou dos encontros.

Uma conversa de mais de 2h e 30 minutos em que a troca de vivências fortaleceu vínculos e nos projetou as potencialidades do encontro. Depois, um café e um descanso para preparar a mostra de filmes da noite. No intervalo, uma trilha ao Morro Santana conduzida pelos fòg Vitinho e Gustavo, que após um pequeno “desvio de rota”, levou a galera para uma linda vista de Porto Alegre, com direito a arco-iris no topo da pedreira. Na volta, infelizmente uma chuva um pouco mais forte prejudicou o andamento da mostra de filmes e e em consenso reorganizamos a mostra para o dia seguinte.

Sábado pela manhã, depois do café, foi a vez das mulheres presentes no encontro, indígenas e não indígenas, tais como Têmis e Cris dos Pontos de Cultura Ventre Livre e Quilombo do Sopapo, terem seu momento de trocas de experiências.

Enquanto isso, uma parte da equipe buscava equipamentos pois o sábado amanheceu ensolarado; e, desse modo, foi possível montar os equipamentos para o Cinema na Pedreira, atividade que estava inscrita no projeto e que mobilizou agentes locais e militantes do meio ambiente. Juntar equipamentos no Coletivo Catarse, buscar o gerador que proporcionaria energia para a projeção e o som, garantir iluminação para a segurança de quem se aventurou a subir a pequena trilha que leva até a pedreira do Morro Santana – território em disputa pela especulação imobiliária e o descaso da prefeitura com as coisas do meio ambiente – foram algumas das demandas realizadas a tantas mãos pela equipe.

Tudo isso foi possível por conta da mobilização de parceiros dos projetos Preserve Morro Santana, Ser Ação, Comuna Sagrado Formigueiro, professores e alunos da Uniritter/FAPA, moradores da comunidade, capoeiristas do Ponto de Cultura Africanamente, que lá estavam com o Mestre Guto, Quilombo do Sopapo, que levou para toda gente a peça de teatro “Na trilha das Andarilhas”, com bonecas gigantes e muita música. Aliás, foi essa música e a voz de 4 mulheres negras que ecoaram, junto ao tambor, pelo grande anfiteatro “natural” que é a Pedreira do Morro Santana. No entardecer as imagens se fortaleciam nas histórias contadas e cantadas, nos trazendo reflexão, ancestralidade e otimismo.

Foi com esse otimismo que encaramos o problema que enfrentaríamos depois da apresentação. Era hora de rodar os filmes selecionados. Tudo armado, todos à postos, o nosso gerador se recusou a participar da atividade. Depois de várias tentativas decidimos desmontar e levar as coisas de volta à Retomada e lá passar os filmes. Outro desafio vencido pela coletividade que ali se formou. Se havia frustração era pouco percebida. Energia para deslocar equipamentos e sentimentos era a tônica para seguir o plano e assim foi feito. Passamos uma série de produções de nossos convidados e também um corte especial contando a história de 2 anos da Retomada Gâh Ré, produzido pelo Coletivo Catarse.

Nos alegramos ao ver o Márcio, Fuá e Mauricio atuando na telona, contando as histórias do seu povo em “A araucária e gralha azul“. Nos arrepiamos com a trilha sonora de “VÃNH GÕ TÕ LAKLÃNÕ” e vibramos com os raps do Nando. Admiramos a força da Gah Ré ao enfrentar o racismo institucional que tanto tentou impedir a comunidade de acessar seu direito originário. Reverenciamos o profissionalismo dos guarani de Maquiné no trabalho com a Juçara e cuidado com o sul da mata atlantica registrado por Vherá. Nos indignamos com as queimadas no Morro Santana retratadas por Vitor Ramon e pelo não enfrentamento do problema pelo poder público. Ouvimos as memórias de Robinho, mestre da pesca artesanal em Itaipu pelas lentes do Ademas. E por fim, encerramos a noite com chave de ouro celebrando dois aniversários, de Letícia e Viviane.

Domingo chegou com sol e calor e nas nossas conversas avaliamos o encontro e projetamos o futuro: realizar o 2° Encontro, fazer encontros itinerantes, construir um site, um documentário, fortalecer as mídias já existente, fazer oficinas e festivais… potencializar no ATL do ano que vem a presença, as lutas e pautas dos indígenas do Sul do Brasil. Por fim, um grande churrasco e a despedida com gosto de até logo.

Assim foram, mais ou menos, esses dias de encontro: diversidade de narrativas, línguas, cores e percepções e ao mesmo tempo similaridades de desafios, histórias, cosmovisões e territorialidades que se complementam, se enriquecem e se fortalecem, com coragem e alegria. Tal como as crianças que se conheceram e aprenderam juntas a brincar, filmar, e quem sabe também criar novos mundos.

Texto: Marcelo Cougo, Bruno Pedrotti e Luis Gustavo Ruwer.
Fotos: Amalia Brandolff, Bruno Pedrotti, Billy Valdez, Giulia Sichelero, Fuá, Vankafejj, Nonoé.

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