Na tarde de segunda, 24 de setembro, as mulheres originárias do Rio Grande do Sul e suas apoiadoras e apoiadores ocuparam a Praça Montevidéu, no centro da capital, e realizaram a primeira Marcha das Mulheres Indígenas de Porto Alegre.
A mobilização iniciou por volta das 14H com feira de artesanato local das comunidades. No final da tarde, o ato teve início com as manifestações dos povos presentes, tanto um coral guarani quanto um grupo de dança kaingang.
Depois de ecoar seus cantos ancestrais no território invadido pela cidade, as lideranças começaram a fazer ouvir também suas demandas e reivindicações. Em meio à fumaça das queimadas que sufoca o país, Angélica kaingang iniciou sua fala trazendo o contexto da emergência climática, que “começou junto com a invasão dos territórios indígenas”.
Uma das lideranças da Casa do Estudante Indígena da UFRGS, Angélica reforçou a importância da demarcação dos territórios indígenas e o respeito aos modos de vida originários, não só no contexto das aldeias, mas também da universidade. Além de ocupar os espaços da universidade, a estudante ressaltou também a necessidade dos povos estarem dentro da política partidária, destacando a candidatura da Cacica Iracema, que concorre a vereadora pela Rede.
Kuja (curandeira/xamã), parteira, cacica, mãe, avó e liderança kaingang lutando para se tornar a primeira vereadora indígena de Porto Alegre, Iracema falou em defesa da natureza. “Precisamos fortalecer nossas árvores, nossas matas, nossos rios, nosso território”. Além disso, reforçou a força da cultura indígena, presente nos hábitos do povo brasileiro, mesmo que invisibilizada. Como exemplo, lembrou da origem indígena do chimarrão e concluiu:
“Nós somos originários deste País, o Brasil é nosso!”
Já Carmen, indígena mbya guarani, reforçou que a luta das mulheres indígenas também é em defesa dos direitos de todas as mulheres, e concluiu: “juntas somos mais fortes”. Também esteve presente no ato Tamyres Filgueira (PSOL), candidata a vice prefeita de Porto Alegre na chapa com Maria do Rosário (PT). A candidata reforçou o compromisso assumido por sua chapa em defender os direitos dos povos originários.
O ato denunciou também o genocídio vivido pelos Guarani Kaiowa no Mato Grosso do Sul (MS), que tem vivenciado ataques a tiros nas aldeias resultando em indígenas mortos e feridos. Outra pauta importante destacada foi a luta contra o Marco Temporal, tese jurídica que limita a demarcação a locais que já eram ocupados pelos povos no ano de 1988, ameaçando também reavaliar territórios já demarcados. Segue abaixo a carta coletivo na íntegra com todas as demandas do movimento:
“Carta coletiva da Primeira Marcha de Mulheres Indígenas de Porto Alegre
O Encontro de Mulheres Indígenas para a Marcha das Mulheres em Brasília já ocorre há alguns anos, mas no ano de 2024 é o marco da primeira Marcha das Mulheres Indígenas em Porto Alegre.
As lideranças indígenas já vem buscando esse espaço pelo direito, pelo bem viver, acesso à saúde, à educação, à moradia e a demarcação dos seus territórios ancestrais, para proteção do meio ambiente e da sua cultura.
O direito está no papel e só, não está na prática. Nós mulheres indígenas marchamos com nossas lideranças e os jovens indígenas, que são nosso legado, cobrando respostas dos nossos governantes.
Chamando para todas as mulheres e os companheiros de luta pelo Bem Viver de todos os Povos e da nossa comunidade.
Neste dia chamamos atenção para a terceira reunião de conciliação referente ao processo do Marco Temporal e o total absurdo que isso significa para os direitos dos povos indígenas, garantidos pela Constituição de 1988, e reafirmado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Exigimos compromisso com recursos, com a reforma e a entrega da Casa do Estudante Indígena (CEI) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); além da política afirmativa para o ingresso de estudantes indígenas nas Instituições de Ensino Superior e os Institutos Federais.
Cobramos o compromisso com a demarcação dos territórios indígenas de Porto Alegre e o Rio Grande do Sul; compromisso com a educação e saúde indígena nas comunidades sem território originário demarcado.
Compromisso com a criação de uma Casa de acolhimento para Mulher Indígena em vulnerabilidade em Porto Alegre.
Compromisso com a criação de uma Secretaria dos Povos Indígenas em Porto Alegre, que se proponha a coordenar as políticas e fazer articulações com as demais secretarias, sendo isso uma medida extremamente fundamental, visto que, temos hoje o Ministério dos Povos Originários, uma Secretaria destinada aos mesmos, seria o equivalente em nosso município.
Este espaço deve ter o protagonismo indigena bem como sua ampla e direta participação.
Queremos o compromisso da criação de um Centro de Referência Indígena em Porto Alegre, que possa ter ambiente de exposições culturais e arqueológicas, sala multimídia, e local de descanso e acolhimento.
Buscamos o reconhecimento e respeito dos
nossos corpos-território, pois nossos territórios fazem parte de nós mesmos; de participação ativa na vida política e social da cidade.
Somos a resposta para a crise climática que bate as nossas portas e como na enchente de maio, invadiu nossas casas e nossa cidade. Somos os guardiões da natureza e sabemos que olhando para o passado essa terra era indígena, e olhando para o futuro, com esperança de dias melhores, Porto Alegre, o Rio Grande do Sul e o Brasil, precisam voltar a ser indígena, se reconectarem com a Mãe Terra, abraçarem a sustentabilidade e reflorestarem nosso meio ambiente.”
Texto e fotos: Bruno Pedrotti.