Ele chega no bar trazido por um membro de nossa equipe. Estava mal, um pouco doente. Pergunta: “Mas afinal, o que vocês querem? Não tenho muito para falar”. Aos poucos, pelo interesse em se conversar sobre o carnaval, vai se soltando, sem se importar com as luzes e a câmera. Saca, então, do bolso um samba enredo que havia feito há pouco para o carnaval daquele ano: “Mas não vai dar, já estou muito velho e o bloco não vai sair…”. Resignou-se o fundador das Mariquitas, que foi uma das melhores escolas de samba da região de Pelotas e Rio Grande.
Em Rio Grande, no Bar do Dejair.
GT: Então, a gente já sabe por que estamos aqui? Vamos conversar sobre o carnaval de Rio Grande e do Sopapo. Seu Sidi, como é teu envolvimento com o carnaval, desde que ano, como é que começou?
Seu Sidi: Olha, eu fui envolvido no carnaval desde os meus onze anos. Lá em casa, como eram conhecidas as famílias antigamente, que cada uma tinha suas entidades, então, lá em casa, nós éramos os Bracistas. Meu avô presidiu o Rancho Carnavalesco Braço. É, presidiu o Braço umas cinco vezes. Então, nós todos ali nascemos no carnaval praticamente. Eu mesmo nasci em um dia de carnaval. Bem, a gente ali, então, viu os primeiros acordes. O Braço, naquela época, tinha orquestra. Não era só batucada, tinha orquestra mesmo: sax, trombone, pistão…
GT: Metais?
Seu Sidi: É. Vamos simplificar. Metais tinha bastante mesmo. Era um cordão, era lindo de se ver. E não existe mais.
GT: E Sopapo, tinha nesta época?
Seu Sidi: Não, não tinha. Só tinham os surdos. E Sopapo não tinha. E estes treme-terra também não tinham. Tinham uns surdos grandes.
GT: Eram bem diferentes os estilos de música?
Seu Sidi: É, era tudo marcha. Não tinha samba, era só marcha.
GT: E o senhor se recorda de quando foi que viu pela primeira vez o Sopapo, como é que foi?
Seu Sidi: Eu vi que ele surgiu na Escola de Samba General Vitorino. E, por intermédio de algumas amizades, inclusive o próprio Sardinha, que mais tarde veio a ser meu compadre, ele é padrinho do meu guri e foi nosso regente lá nas Mariquitas… O pessoal da extinta General Vitorino depois passou para as Mariquitas. E, então, foi ali na General Vitorino que eu vi o Sopapo. Eu estava em cima de uma viatura, em frente onde hoje é o Banco do Rio Grande do Sul, eu estava em cima de uma viatura, porque tinha muito povo naquela época e, de cima de uma viatura, eu via perfeitamente a Vitorino desfilando. E foi umas das primeiras escolas de samba. E aí eu vi o Sopapo com o Chinês vindo batendo. Depois eu fui saber a procedência, de como é que eles tinham aquele instrumento, porque todo mundo ficou de boca aberta. Aquilo só tinha em Havana, o cara só via em filme, e aquele dia tive a oportunidade de ver na Vitorino. Aquilo veio do empréstimo de um cidadão. Na época eles chamavam de gringo, um americano que emprestou para eles, americano ou inglês. Eu acredito que aquele instrumento foi adquirido em algum lugar de Havana, Cuba. Por lá. E, quando ele veio para cá, eles vieram para o frigorifico, a Swift, e ele trouxe e aproveitou e emprestou para o pessoal.
GT: Não era como esse aí? (referindo-se ao Sopapo que está ao lado do Seu Sidi, produzido pelo Mestre Baptista)
Seu Sidi: Não, não, não. Ele era de taloeiro, feito tipo aqueles barris de vinho.
Dejair: Tipo aquelas tinas que tinham antigamente, com ripas de madeira. E aí formava o tambor.
GT: Estilo barril?
Seu Sidi: É, tipo barril. Todo de madeirinha. E, então, era o Chinês que batia.
GT: E, nessa época, então, este era o único Sopapo que existia?
Seu Sidi: Era.
GT: Mas depois começou a entrar alguns outros?
Seu Sidi: Depois entrou a Vila Isabel, que foi o cidadão lá da Cidade Nova que fez um para Vila Isabel. Aí, o regente da Vila Isabel, depois que foi padrinho nosso e levou o esquema… Fomos lá e falamos com este taloeiro e fizemos um para as Marequitas, onde o Pássaro Azul começou a bater ele. O da Vila Isabel não veio… O Pássaro Azul veio, mas não veio o Sopapo.
Dejair: O Pássaro saía antes na Vila Isabel?
Seu Sidi: Na Vila Isabel, batendo o Sopapo. E já era bem falado como um dos melhores batedores de Sopapo. Depois, eu conheci em Pelotas um cidadão batendo Sopapo, o nome dele era Luís, mas sabe como é estes nomes artísticos aí…
GT: Boto?
Seu Sidi: Isso, Boto. Mas ele não batia igual ao Pássaro. Respeito a memória dele, parece que hoje ele é falecido, mas ele batia um Sopapo força. O que é diferente. Ele era um moreno muito grande e então tinha uma força nos braços danada, dava cada lapada no instrumento… E não é isso aí. O Pássaro era mais na manha.
Dejair: O Pássaro era mais na cadência.
GT: Tinha uma história que ele batia com uma mão só?
Seu Sidi: Isso, mas batia com as duas. Uma ele marcava e a outra ele fazia… Ele ritmava, e nós que estávamos lá na frente sentia quando ele parava o instrumento lá atrás. Depois, e agora eu vou contar um fato pitoresco para vocês, quando o Sopapo começou a sair fora e ele já não queria mais tocar o instrumento, todas escolas estavam terminando com o Sopapo, e ninguém queria mais Sopapo e tal… Eu fiz para ele (Pássaro Azul) um surdão. Um rapaz me conseguiu um tonel na Ipiranga, um tonel de breu, e aquilo ali era uma folha de aço galvanizado muito fininha, bem fino mesmo, tipo um papel. Tanto que não se tornou um instrumento pesado para ele, embora ele fosse grande e ter resistência para carregar. E aí ele abandonou um pouco o Sopapo e saiu com aquele… Mas não se adaptou com baqueta, ele batia com a mão.
SV: Batia no surdo com a mão?
Seu sidi: É, batia com a mão.
GT: O senhor sabe me dizer, Seu Sidi, por que as escolas decidiram acabar com o uso do Sopapo?
Seu Sidi: Eu acho que é natural. Tu nem sabe por onde, que pé que acabou… E eu fiquei muito triste. Quando eu vi, nós já estávamos envolvidos com aquele negócio, nós tínhamos três Sopapos, e sabe o que é que eu fiz? Eu serrei aqueles Sopapos, pois eles são muito grandes, e aí comecei a presentear os terreiros. Não fiz distinção. Tinha um terreiro amigo lá, eu dei um. Um amigo tinha um terreiro lá, dei outro… Cortei eles no meio, pois eram muito grandes, e hoje tenho visto nos terreiros aí, e não importa para eles que é grande, entendeu? Não importa para eles se for grande.
Dejair: Mas naquela época…
Seu Sidi: Naquela época eles queriam pequeno. Então eu marcava e cortava. Dei todinhos de presente, porque foi abolido o Sopapo. E foi onde eu fiz para o Pássaro Azul este treme-terra. E, agora, esses anos atrás, fomos presenteados pela Educação e Cultura com um Sopapo destes. E aí estamos voltando com ele…
GT: Aos pouquinhos tu achas que está voltando?
Seu Sidi: Tá voltando. O pessoal está gostando, e ele é ritmo. Nossa banda não saiu, deu um fracasso, que eu estou espinhando para ver o que aconteceu, e nós íamos sair com dois destes aqui (Sopapos). O André e o filho do finado Bidi… Iam sair três, pois eu tenho um, mas aquele é propriedade minha mesmo. Tem um que é da escola, o que está rasgado… E eu até vi no Dejair, ali. Aquele instrumento está rasgado ali embaixo, e, quando tu for trocar, eu vou te pedir, tu não coloca fora. Se tu puder me dar um pedacinho… Porque este couro de cavalo não é sopa para tu achar, e eu vou ver se consigo remendar ele. Eu tenho certeza do que eu vou fazer, ele vai perder uns 20% ou 30% de ritmo. Ele vai perder, mas eu vou ajeitar ele.
Dejair: Mas, de repente, numa das nossas idas lá no Baptista a gente consegue…
Seu Sidi: É, no Baptista a gente consegue. Para mim fazer teria que ser a barrigueira, que é fina, porque, se for do lombo, eu não vou pegar, porque não vou ter condições. Eu não vou ter e dificilmente alguém vai ter. Tem que deixar de molho no vinagre três dias. Ele tem que ficar tipo um merengue para tu poder manusear ele, senão…
SV: Foi o senhor que fez seu Sopapo?
Seu Sidi: Não, eu sei marcá-lo por que marco na folha, entendeu? A gente faz aqueles repeniques, cuícas cônicas, mas na folha, o que é fácil de dobrar. O que eu estou achando meio difícil é este aqui (Sopapo). Este aqui está me provando que é difícil de virar. Tu pega o inverso da madeira, é difícil. O Baptista é profissional, e eu queria descobrir. Não vou tirar o mérito do Baptista, pelo contrário, ele vai pegar até mais mérito comigo. Eu não vou tirar o pão dele, não vou fabricar isso aqui. É só curiosidade de saber.
GT: E tu, Dejair? Esta história de ter este espaço onde todo o sábado, todo fim de semana, o pessoal se reúne… É um outro lado da cultura do carnaval?
Dejair: É. A gente, quando começou, quando tivemos essa ideia, foi de resgatar… Antigamente eles faziam no Bar do Bira. Aqui tinha um cidadão, já falecido, que era estivador. E, aí, então, na minha juventude, as pessoas iam ali, e, de uns anos para cá, não existia mais isso. Então eu tive essa ideia até para reunir os amigos, os camaradas do nosso tempo e a juventude que não participou disso. Então, aos sábados, a partir das 16 horas, nós fizemos este pagode aqui na nossa casa. Dia de semana ela funciona normalmente como lancheria, café e xerox e, aos sábados, para descontrair e reunir os amigos, nós fizemos o pagode.
GT: E movimenta bastante?
Dejair: Movimenta, movimenta. Nós tínhamos outra casa, que era específica de pagode, que era a Casa de Bamba, mas aí teve que fechar, problemas com vizinhança e tal…
GT: E como é a história desse Sopapo aí?
Dejair: O Sopapo veio parar aqui pois eu conheci o Baptista por uma casualidade. Eu fui a Pelotas, eu e um amigo meu, pois eu sou despachante previdenciário, e fui a Pelotas e encontrei o Seu Baptista perto do Hospital Santa Casa. Este amigo meu era conhecido dele de infância, aliás, ele conhecia o Leandro, amigo meu, e o Leandro reconheceu ele, porque ele era motorista da Penha aqui em Rio Grande. Reconheceu ele, e aí ficamos conversando, e ele perguntando como é que estava o carnaval aqui em Rio Grande. Eu falei que nós tínhamos esta casa aqui onde se fazia pagode, e ele ficou de aparecer aqui em Rio Grande, como veio aqui. A primeira vez ele veio e trouxe a cuíca dele e tal. Da outra vez ele veio e chegou para mim e perguntou: Dejair, não queres um Sopapo? Eu faço Sopapo lá em Pelotas, e tu não queres um Sopapo para manter na tua casa lá e manter a tradição do Sopapo? Respondi que para mim seria uma satisfação. Aí ele trouxe.
GT: E o pessoal toca bastante?
Dejair: Toca. Usamos bastante o Sopapo. Agora mesmo no carnaval nós fizemos um bloquinho e saímos com ele. Andamos no Centro e no bairro Getúlio Vargas. Demos uma volta com o Sopapo. A primeira vez até, nós fizemos o nosso bloco aqui motivados pelo Sopapo. Eu, por apreciar, vi muito o Pássaro e o Peri, que também tocava Sopapo.
GT: O pessoal que tocava Sopapo era meio famoso então?
Dejair: Ah, era…
GT: Famoso que eu digo de todo mundo conhecer e respeitar…
Dejair: Exato.
Seu Sidi: É, realmente é verdade.
Dejair: Uma das falhas do não prosseguimento desse instrumento, eu acho, foi porque tinha aquelas pessoas… Como nós citamos… Tinha o Pássaro, o Peri, que também tocava no final, mas os caras respeitavam tanto, idolatravam tanto o instrumento que não teve ninguém a coragem de seguir. Não é como um surdo. Eu toco um surdo e estou cansado, então dou para outro. Não, o Sopapo tu pegava ele e ia até o final.
Seu Sidi: Até o final…
GT: E o Sopapo marcava o samba?
Dejair: E aí se extinguiu por causa que não teve outras pessoas com qualidade para substituir aqueles… A meu juízo, né?
GT: Com relação a este samba de hoje, samba de roda, pois isto é samba de bloco, de rua. O samba de roda, tu sentes que tem uma diferença tocado com o Sopapo?
Dejair: É, ele preenche, dá mais firmeza no som…
Seu Sidi: Dá mais firmeza, exatamente…
Dejair: Pelo menos aqui dentro, quando a gente faz aqui o pagode, o pessoal tem gostado. Aqui, quem toca para nós é o Geraldo. Tu conhece o Geraldo, Sidi? Geraldo, um cara alto, tu sabe quem é…
Seu Sidi: Da vida devo conhecer.
Dejair: O Rudi, o Rudi acho que é parente teu, Sidi? Não é? O irmão daquela guria que trabalha no Fórum ali.
Seu Sidi: Sim, o Rudimar Collares. Ele sabe tocar.
GT: Não é qualquer um que toca o Sopapo, né?
Dejair: Aqui, desta época aqui, desta turma nova do pagode, eu só vi dois até agora. Um que a gente sabe que é consagrado, que é o André Brizolara, que toca. E sei o Rudi e o Geraldo, que tocou aqui, não conheço mais ninguém.
Seu Sidi: É, os outros que eu conheci quase todos morreram.
GT: Tem história aí que falam de duelos de Sopapos que faziam nesses blocos? Que o Pássaro Azul com o Boto, eu acho… Vocês escutaram falar dessa história? Tem um pesquisador aí que nos falou, nos comentou essa história.
Seu Sidi: Não.
Dejair: O que eu me lembro, que eu assisti… Assistia naquela época é que o carnaval, as escolas passavam e aquele arrastão atrás. E o Pássaro com uma mão ele batia e com a outra ele protegia a escola.
Seu Sidi: O Sopapo, por exemplo, lá nós chegamos a ter 4 Sopapos. Onde o melhor mesmo que batia era o Adão (Pássaro Azul). Aí tinha o Adão Careca, tinha o Seu Bahia, que depois foi para Bahia, e tinha um outro que batia.
Dejair: Seu Bahia, o estivador?
Seu Sidi: Isso. Tinha quatro Sopapos, e então eles ficavam atrás e não deixavam aquela gama de gente que vem ali sambando entrar, porque senão entravam escola a dentro. Tinha muita gente que vinha ali atrás, que era sambista, admirador da nossa escola, que às vezes ajudava a fazer parede, pois o povo que vem lá atrás vem que vem né(risos). E tu não pode tirar, porque são admiradores, e os que não são vêm na corrida do samba…
SV: O senhor conheceu o Pássaro Azul?
Seu Sidi: Conheci, o nome dele é Adão Afonso Silveira.
SV: Fala um pouco dele aí para nós, Seu Sidi.
Seu Sidi: Ele trabalhava com móveis. Trabalhou muitos anos e se aposentou. Era profissional em lustres, trabalhava com móveis e se vendia muitos móveis naquela época. Ele trabalhou muitos anos nisso. Conheci ele desde menino, jogamos futebol juntos na época, do profissional, e depois no carnaval.
SV: E ele era da Vitorino e foi com o senhor para as Mariquitas?
Seu Sidi: Não, ele era da Vila Isabel, e a Vila Isabel fechou e eles foram para as Mariquitas.
GT: Como é que ele tocava o Sopapo, de lado? Normalmente a gente vê que o pessoal carrega ele na frente.
Seu Sidi: Olha, ele colocava em qualquer lado. Não tinha feição para ele, sabe? Botava aqui (lado direito), botava na frente, sabe como que é? Vinha, às vezes, só com uma mão batendo, marcando. Ele era canhoto. Vinha sempre com um lenço enxugando o suor, porque ele suava muito. Hoje eu até tive vendo aí no médico o porquê do suor nas mãos e na cabeça, mas isso é outro papo, é medicina(risos)… Mas para ele não tinha feição. Colocava em qualquer lado.
GT: E tem Sopapo em terreira?
Seu Sidi: Tem, tem. Eu faz muito tempo que não vou, muito tempo mesmo. Eu presenteei aí uns dois ou três e acredito que ainda tenha, se eles cuidaram do instrumento como eu gosto de cuidar, ainda deve ter…
GT: E eles eram deste tipo assim? (referindo-se ao Sopapo que está com eles)
Seu Sidi: Não, eles eram menor, o diâmetro em cima.
SV: E por que o senhor cortou, Seu Sidi?
Seu Sidi: Eu não cortei por minha vontade, foi o próprio terreiro que me pediu. Ele era muito grande, e eu cortei, dei de presente. Cortei, cortei e dei de presente, porque os caras não tocaram mais.
Dejair: Sim, sim.
Seu Sidi: E aí é que eu tô te dizendo. Deixaram de tocar o Sopapo. Por exemplo, o Pássaro Azul passou a tocar o treme-terra que eu fiz para ele, um tremendo treme-terra tipo este aqui (Sopapo), só que era bem levianinho, que até uma moça pegava ele. Fui eu que fiz para ele, e ele passou a sair com ele e largou o Sopapo. O Sopapo dele eu dei de presente, só que eu não lembro para quem. Dei para um terreiro. Mas como fazem muito anos, eu não lembro. Dei o Sopapo do Adão Careca, dei o do Seu Bahia… Nós tínhamos uns três ou quatro Sopapos.
GT: O senhor fez quantos Sopapos?
Seu Sidi: Não, eu nunca fiz Sopapo. Aquilo tudo era serviço de taloeiro. Era aqueles assim… Com as madeirinhas…
GT: Tá, então o senhor está me dizendo que os Sopapos que o senhor serrou e deu não eram desse tipo aí, do Mestre Baptista?
Seu Sidi: Não, não. Estes aqui estão aparecendo agora. Na nossa época não tinha isso aí, era tudo serviço de taloeiro. Não tinha este tipo de Sopapo aqui.
GT: Esse aí com a folha de compensado?
Seu Sidi: Acredito que não tivesse profissional na época que fizesse este aqui. Virar a madeira como ele tá virando… E eu vou te dizer, senão os caras faziam, porque este aqui é mais leviano que aqueles do taloeiro.
Dejair: Aquele era madeira grossa, né? Maciça.
GT: O Sopapo original é de tronco de árvore…
Seu Sidi: É, eu já ouvi falar isso aí, inclusive por ti.
GT: A gente está pesquisando. Isto vem dos escravos que estiveram nas charqueadas… Não se carregava ele, o pessoal tocava sentado em cima.
Seu Sidi: É. Independente do Sopapo, eles também faziam aquele tipo de castanholas, que eles bloqueavam aqueles troncos e batiam neles, eles davam para tirar um som. É verdade ou não?
GT: Isso aí a gente não viu. Sempre vimos que é com a mão e com a pessoa sentada em cima…
Seu Sidi: Gustavo, vai em frente que tu vai encontrar, vai em frente que alguém vai te dizer isso aí. Eles eram dotados de mais aptidões, veja bem. Eles “ocavam” para fazer o Sopapo e “ocavam” para fazer uma percussão.
GT: No tronco mesmo?
Seu Sidi: É, no tronco mesmo. Eles deixavam ele oco e que ele dava o tom tipo aquelas castanholas, entendeu? Vai em frente que alguém vai te fornecer esses dados.
GT: Sim, na lateral dele sai o som…
Seu Sidi: Isso. Eu agora mesmo estou tentando… As castanholas até desapareceram e eu andei procurando estes marcos de postes, aqueles antigos, que eram feitos daquela madeira meia marrom… A Grabiúva e o Grape. E então eu fiz umas castanholas de Grape. Quem fez… Eu dei as coordenadas todas para o Dino, e ele fez elas. Eu fiz o desenho para ele, fiz isto aqui (desenha no papel que está em cima da mesa), entedeu? Olha aqui, Gustavo. Essa é a castanhola e ela é feita de Grape e tem um som… Eu queria arrumar destes marcos que a madeira é Grabiúva e aí tem outra tonalidade, melhor que a Grape. Tem o Angico, que a gente também faz, mas a castanhola boa é o Grape e a Grabiúva. A gente queria fazer igual como se faz com o Agogô, fazer de três tonalidades, e eu vou fazer. Então, eu moldei uma agora e eu não quero ela assim (volta a desenhar no papel), eu quero ela cônica. Eu tenho ela lá em casa e nem me lembrei senão eu ia mostrar o molde que eu fiz de cartolina e montei ela e estou para levar no carpinteiro e nós vamos fazer, montar… Vamos ter que colar e estamos com medo é que a cola não resista.
GT: O senhor é um ativista do carnaval em Rio Grande?
Seu Sidi: Fui. Eu agora estou perdendo as forças.
Dejair: Foi um dos pioneiros aqui.
Seu Sidi: Desde os meus 11 anos a gente já era carnavalesco. E lá em casa meu avô foi presidente do Braço 5 vezes. Aquela época dava gosto de ver o carnaval, duas horas da tarde os Ranchos já estavam na rua. O Braço, o Oriente… E, então, aqui tinha o Oriente, Braço, Só Sai de Dia e o Recreio, que era só sociedade. Os cordões que saíam na rua, o Encarnado, Branco e Preto… Eram o Só Sai de Dia, que só saía de dia mesmo – o nome dizia tudo. Tinha aquela gíria, e aquela época era meia preconceituosa, e então aquele cordão Só Sai de Dia era só branco. E branco bom, eles eram bom mesmo. Aí tinha o Braço, que era só moreno. Tinha o Oriente, era só moreno também, uns meio descascados, e tinha aquela rivalidade. E tinha o Olha Para Lua, de branco também. Tinha o Paquetá, que era moreno também. Então, quando saíam esses cordões, aí era uma loucura. O carnaval começava às 2 horas da tarde e então saíam até 7 ou 8 horas, e o pessoal tinha umas entidades que faziam comida para aqueles componentes que moravam longe, porque 9 horas já estava na porta lá, que 9 horas tinha saída de novo. O Braço tinha que ir à praça… A prefeitura e o prefeito, naquela época, abria a prefeitura, subiam lá em cima, e hoje tu vai ali a prefeitura está fechada. E nem querem carnaval ali perto deles. Os anos foram mudando, e eu falei agora há pouco ali pro Ramon: “Pô, Ramon. O carnaval da Colombo não é vocês que vão fazer, é o povo que faz…”.
Dejair: Sim.
Seu Sidi: Aquilo ali é o povo que faz, aquilo ali é um prêmio para o povo. O povo é que quer, não é carnaval para os presos dentro das entidades. Aquilo ali é um prêmio pros caras que saem fora das entidades. Se tu vai para uma entidade, tu tem que ir com a tua camisinha, calça, sapatinho, assim… Na segunda-feira, tu vai do jeito que tu quiser, pode ir com a tua pipa de bebida e vai tomando que ninguém vai te dizer nada, ninguém tem nada a ver com isso e nem a policia e nem ninguém. Já na entidade, ali, tu está privado disto aí, tens que sair… Então, o que eles mais tiraram foi o carnaval da Colombo. Tiraram o carnaval da Colombo, ora!!! Ah, por quê?! Vai ter?! Não teve. E eu até guardei este documento que ele me deu. E isto aqui é para provar que (tira um documento da carteira) ele marcou para nós dia 21. Olha aqui, assinado por ele. E está aí embaixo, lá do gabinete da prefeitura…
GT: “Saída dia 16/02 e dia 21/02”…
Seu Sidi: E está assinado embaixo! Eu disse para ele: “Faz na Colombo!”. E aí ele liberou a Colombo, mas aí… Tirou o carnaval da Colombo, tirou 70% do carnaval rio-grandino. Deu pra ele. Isso, Dejair e Gustavo, são chamados de os mentores do carnaval rio-grandino e estão distorcendo o carnaval, e não é eu quem quero, é o povo. A gente vê que os caras são inocentes, eles privam ali as entidades e prendem os caras ali, e todo mundo tem que sair dentro da sua disciplina, mas, na segunda-feira, tu tem que liberar os caras, senão os caras não vão sair mais, e até libera os instrumentos pros caras fazer uma charanga… Eu fazia isso, sempre fiz. “Olha, Sidi, nós vamos para Colombo”. E eu dizia: “Pode ir até para Pelotas, pro Rio, eu tô liberando”. E diziam: “Sidi, não faz isso, eu vai…”. E até bebida! “Libera aí um litro ou dois que eles vão tomar e vão…”. Carnaval é isso aí. O cara quer se despir daquelas coisas, daqueles compromissos, daquelas coisas que aconteceram. O cara quer atirar tudo para o ar. Então, era assim o carnaval. O Dejair… Estás com quantos anos Dejair?
Dejair: Eu estou com 53 anos.
Seu Sidi: Ainda alcançou alguma coisa… Então ainda pegou muita coisa boa no carnaval.
Dejair: É, eu assisti.
Seu Sidi: Tu era daquela turma do Bangu, né?
Dejair: Eu ainda peguei o Camelo, o Bangu…
Seu Sidi: Mas e aí, quando deixou os cordões carnavalescos, veio a bicharada. Os cordões foram abolidos e aí veio os bichos: Camelo, Galo, Gorila…
Dejair: O Galo era da brigada, né?
Seu Sidi: Não. O da brigada era o Tigre. E o do exército era o Quebra Osso. Eu fui servir em 50, e, como eu puxava o Sem Borbulha, os caras me chamaram lá na frente do comandante e do subcomandante para fazer um bloco lá na barra do quartel. E aí eu não aceitei, de jeito nenhum, eu vou arrumar encrenca… Gente que servia naquela época era danada pra caramba. Esses caras na cidade se “fiando”, e ainda coloca a farda em cima. É o tal do preconceito que te digo. E aí acha que é esculhambação, e eu não ia estar segurando este foguete, eu não segurei e aí não tinha quem segurasse. Então não saíram.
GT: E hoje o senhor está nesta de tentar resgatar o carnaval de alguma forma?
Seu Sidi: Olha, Gustavo. Eu vou te falar sinceramente. Eu sofri agora uma grande decepção e eu estou me desvanecendo com o carnaval. Eu acho que já é hora, o momento mesmo de eu parar. Se precisar ir lá no meu bloco, alguém que segure ela, a entidade, e, se precisar de umas tintas – e vão precisar -, porque eu perco na idade, mas ganho no conhecimento, poderei ajudar com alguma coisa. Apesar do carnaval estar sofrendo uma grande evolução, periga as coisas que eu faço já estarem ultrapassadas, mas eu acredito que não, né. Fazer sambas enredo não é qualquer um que faz. E fazer, em si, a apoteose… E tu vê, eu juntei… E eu não quero me enaltecer, mas o momento veio a ser propício, na hora, e nós não tivemos valor, não tiveram, a turma não teve resposta para me dar. E isso não é qualquer um que faz isto aí. Eu fiquei depois impressionado de como é que eu consegui, pois as Mariquitas nasceu de dentro do Sem Borbulha. Nós tínhamos o Sem Borbulha e via passar a General Vitorino, via passar a Vila Isabel, e nós só olhando eles. Aí pensei por que nós não fazemos uma escola de samba, se nós temos um número suficiente de gente? E aí eu, Cabana e Jorge Costa…
Dejair: Negão Cabana?
Seu Sidi: Negão Cabana. Então nós vamos fazer. O Cabana saiu e ele até era regente do Sem Borbulha. E mais o Jorge. E foi aí que nós fizemos as Mariquitas, mas nós não largamos o Sem Borbulha, que era nossa ala para segunda-feira de carnaval. Então, este ano eu consegui me lembrar, fazer o Sem Borbulha, e as Mariquitas eu fiz dois estandartes, mandei confeccionar dois estandartes, um com as Mariquitas e outro com o Sem Borbulha, tanto que tenho até a letra que era o tema enredo, pois às vezes nós chegávamos na frente da rádio e perguntavam: “Como é o samba enredo de vocês?”. Puxa, o cara olhava assim e via nós fardados, cada um de um jeito, carnaval de todos os tempos… Pô, isso menospreza, está entendendo? Então, nós íamos organizados. E, então, olha aqui (tira um papel do bolso), eu fiz um samba aqui. Seguinte: “Carnaval 2010, Bloco Sem Borbulha, fundado em 49, e Associação Recreativa Cultural Escola de Samba Mariquitas”. Eu vim na Barra em 49, quando eu estava servindo, eu vim lá da Barra de a pé, para nós sairmos segunda-feira de carnaval no Sem Borbulha, eu estava de serviço em 49 e eu coloquei aqui, olha (falando da letra do samba): “Mariquitas e Sem Borbulha fizeram combinação/para fazer no carnaval a sua apresentação”. Quer dizer que os dois unificaram, tanto que todo mundo aderiu. Fizemos camisa branca para o Sem Borbulha e fizemos camisa vermelha para Mariquitas: “Mariquitas nunca morreu nem morrerá/e junto do Sem Borbulha vem comemorar/Vem cantar, vem cantar/Vem dançar no Sem Borbulha até o dia clarear/Vem cantar, vem cantar/Vem dançar nas Mariquitas até o dia clarear”. Entendeste? Este aqui foi o samba nosso e nós não conseguimos. Foi muito em cima, e mal ensaiamos, mas ele é pequeno e foi fácil. Eu tinha um mestre de canto na mão, tudo direitinho. Tinha a guria do Gilmar, mas o Gilmar é… Eu não vou menosprezar ele, mas já cheguei à conclusão de que, com o Gilmar, não dá para contar muito com ele, não dá. Ele é muito avoado e ele não leva o… Ele só quer tocar aquelas músicas antigas que dá no trombone, e não é isso aí. E o pessoal até às vezes critica e diz: “Lá vem ele com o ‘Mamãe eu quero mamá’”. Antigamente era, né? O Braço e o Oriente saíam com aquela “Mamãe eu quero, mamãe eu quero”; ”Eu fui às touradas em Madri, parará-tim-bum”. Só marchas. Tinham os cordões, só marcha bonita:”Andorinha, teu verão está longe, longe está o meu amor, eu canto, eu choro…”. Pô, isso aí era do Braço, o Braço era… Eu tinha cabelo, né, Dejair(risos)? O Dejair é da família Camelo e ele vai dizer alguma coisa do Camelo que ele conheceu.
Dejair: O Camelo, eu me lembro quando ia lá no campo do Vila, te lembra nos domingos de manhã, o finado Abelardo e aquela turma toda? Eu me lembro do Camelo.
Seu Sidi: O Camelo foi fundado na sede do Bangu, no corredor da Leal Santos…
Dejair: O pai jogou no Bangu.
Seu Sidi: Eu conheci teu pai, o Maravilha.
Dejair: Dinácio, compadre do Maravilha.
Seu Sidi: Pô, péra aí. Teu pai jogou comigo, Dinácio, zagueiro?
Dejair: Isso, isso…
Seu Sidi: Teu pai era zagueiro.
Dejair: Jogava na lateral esquerda.
Seu Sidi: Não, jogou mais de zagueiro.
GT: Tu jogava bola também, Seu Sidi?
Dejair: Jogava, foi profissional.
GT: O Pássaro Azul era jogador também?
Seu Sidi: Jogava também. Era lateral esquerdo. Dinácio jogava bem também.
SV: O Chinês, não?
Seu Sidi: Olha, o Chinês jogou no time do Bangu. E eu vou falar muito pouco dele, pois eu não gosto muito deste tipo de jogador. Eu gostava da pessoa dele, mas não dele como jogador. Ele era aquele lateral que quer parar o adversário só com pontapé, e aí não diz nada. Ele tem é que jogar, pontapé já era.
GT: E em que posição o senhor jogava, Seu Sidi?
Seu Sidi: Eu? No ataque joguei em todas.
GT: Era goleador?
Seu Sidi: Davam sopa, eu fazia uns golzinhos.
GT: Em qual time tu jogaste aqui?
Seu Sidi: Joguei no São Paulo, joguei no Rio Grandense, joguei no Brasil de Pelotas…
GT: Jogou no Brasil de Pelotas?
Seu Sidi: Joguei. Joguei na época do Caruso, Oswaldo e Taubua. Dario, Siara e Tibirica. Na esquerda, nesse dia que eu joguei, fui eu na esquerda. Gita na meia, Setefolvo, Negrito, meia direita Caizé e ponta direita Mortoza. Me esqueci do lateral direito Tavares. Bah, melhor jogador do Brasil para mim era o Tavares. Eu era engatado no Tavares, ele jogava uma bola. Agora, o resto lá era igual a mim, atirava de qualquer jeito. Mas eu me decepcionei com o Brasil, nós não viemos aqui falar em futebol, mas eu me decepcionei com o Brasil…
GT: Mas isso faz parte também…
Seu Sidi: Bom, nós viemos aqui para falar em carnaval e não em futebol. Vou mudar um pouco. Então, o carnaval rio-grandino está morrendo, eles estão fechando o carnaval. Gustavo, tu via nas ruas os bloquinhos e hoje não se vê. Este ano eu vi na rua um que outro. E não é por ele estar aqui presente, mas vi o do Dejair muito bem arrumadinho, com estandarte, que é o que eu gosto, por mais pequeno que seja, o estandarte retrata aquela turma que vem. Antigamente, tu passava aqui domingo de manhã e já tinha uma turma. Hoje tu não vê mais isto. Tu estava aqui e aí passava três, quatro mascarados lá na frente e falavam… E tu ficava “quem será?”, “me conhece?”. Outro passava lá, três, quatro com um tamborinzinho e uma caxetinha – “pam, pam, pam!” – e ia para a Colombo. Então, tu chegava lá e estava todo mundo naquele vai e vem, sabe? Não tem mais isso. Tu quer tirar aquilo para fora, que tu sofreu no ano, os revés todos que tu sofreu, e tu quer se livrar e hoje não tem como. Hoje tem que ir para um bar escutar um som, uma coisa assim, pois através do carnaval não tem mais como.
GT: A ideia, então, Dejair, é continuar com o bloco?
Dejair: É. A ideia é continuar com o bloco. E o bloco são as pessoas que vêm aqui no pagode no decorrer do ano, aos sábados, e partiu dessas pessoas da gente formalizar o bloco. Foi assim que surgiu nosso bloco.
GT: E o Sopapo junto?
Dejair: O Sopapo junto, já está aqui com a gente…
Seu Sidi: (Olhando para o Sopapo) Já está aí ele…
Dejair: Permanecerá conosco por mais muitos anos, se Deus quiser, e o bloco vai continuar.
Seu Sidi: Eu vou aproveitar o ensejo e te dizer que, se tu precisar de alguma força com o bloquinho, estou aí. Se tu precisar de algum instrumento, tu sabe como é, né?
Dejair: Eu lhe agradeço…
Seu Sidi: A gente esta aí… Uns reco-recos, umas castanholas… Eu vou te dizer uma coisa, eu entendo, pois depois de viver 40, 50 anos dentro do samba… Tu aprende alguma coisa. Tu escuta o som, mas, de música, se tu me perguntar, eu não sei nada. Eu tive a habilidade de fazer aqueles agogôs, e eles chamam de piano aqui, pois eu coloquei uma caneca do lado da outra…
Dejair: Aquele que saía na cintura, quem é que tocava aquele lá?
Seu Sidi: O finado Cruxe, mas depois do Cruxe um guri fazia. Ele esta lá na Negra, eu fui lá hoje. Eu fiz dois, com materiais diferentes, e tu vê a diferença de tonalidades deles. São sete canecas cônicas, cada uma com uma tonalidade, batidas com madeira, pois com ferro não dá a resposta técnica.
Dejair: Amarra na cintura e vai…
Seu Sidi: O Rui pegou e solou: “Eu vou pra Maracangalha, eu vou…”. Gustavo, eu fiquei louco com aquilo ali. Então, eu me emocionei com o instrumento que eu fiz sem saber. O finado Irã foi lá na sede e tocou parabéns nele…
SV: Seu Sidi, eu gostaria que o senhor falasse um pouco para nós do Sardinha, que é um personagem importante…
Seu Sidi: Ah, é. O Sardinha…
SV: O senhor conheceu o Sardinha?
Seu Sidi: João Quadros, o Sardinha, era meu compadre, padrinho do meu guri. Ele era irmão de criação de uma mulher minha e ele já faleceu.
GT: Sardinha faleceu?
Seu Sidi: Sardinha faleceu, e essa que era minha mulher, que era irmã dele, faleceu também. O Sardinha era regente da General Vitorino, fundador e regente da Vitorino. Aí, a escola deles acabou e eu não sei por quê. Ele saía no Sem Borbulha. Ele saía na General Vitorino, que saía toda padronizada, mas, na segunda, ele saía no Sem Borbulha. Saía lá de chinelo, pés descalços, como queria o Sem Borbulha. Não tinha bandeira, não tinha bandeira… Então, quando nós saíamos na noite, ele era o regente. Regente da escola e bom cantor. Ele que puxava o samba da escola. Naquela época nós puxávamos os sambas que eram feitos no Rio: Jamelão, Jair Rodrigues, sambas daquela época. Então, nós cantávamos os sambas daqueles caras. Às vezes, até marchinhas. E o Sardinha era o regente, puxava o samba, e ele também se apresentava em festivais. Teve uma trupe aqui que o diretor era o José, uma Trupe Africana que se apresentava no teatro que tinha ali na União Operária, na Dr. Nascimento, e domingo eles faziam apresentações, cantava Sardinha, a Solange cantava, e o Sardinha era cantor. Eu tinha até um retrato dele. Ele usava um terno completo, uma cartolinha tipo Frank Sinatra, bengala e ele usava para fazer aquelas apresentações. Ele era bom mesmo e cantava bem. Ele que puxava os sambas da nossa escola.
SV: E quem pegou o Sopapo na casa desse senhor inglês? Foi o Sardinha ou foi o Chinês?
Seu Sidi: Bom, eu acredito que foi… O Sardinha não, pois o Sardinha não trabalhava na Swift, e este instrumento saiu da Swift. Quem trabalhava ali era o Chinês, o Dácio. O Dácio era da Vitorino e era muito bem quisto, muito bem quisto. Ele tinha uma simpatia, e aqueles gringos tinham uma simpatia por ele, e ele era afilhado dos homens, como se diz na terra, independente de ser trabalhador, ele caiu nas graças daquela gente. E foi por intermédio dele e do próprio Chinês que arrumaram este instrumento.
SV: Quem trouxe para Vitorino foi o Chinês não foi o Sardinha?
Seu Sidi: Não, não. O Sardinha não foi.
SV: O Sardinha era motorista?
Seu Sidi: Ele era da Texaco, motorista da Texaco. Ele que pegava estes óleos com um caminhão tanque.
SV: Nós pegamos um depoimento de alguém dizendo que o Sardinha era motorista e que foi ele que teria trazido o Sopapo para Vitorino…
Seu Sidi: Não, eu acredito que não, porque ele não trabalhava na Swift. Bom, eu estou te dizendo pelo fato, não é? Quem poderia trazer era quem tramitava ali com aqueles gringos. E quem tramitava ali era o Dácio, que tinha uma afeição muito boa com aqueles gringos, e o Chinês… Fora estes dois, quem disser que trouxe vai ser surpresa para mim. Os que conviviam ali com os gringos eram estes. Eu só não forneço mais dados porque eu não lembro e eu não vou estar forjando fatos para dizer a vocês.