Under The Shadow, um podcast indispensável
Infelizmente é em inglês, ou seja, ainda com acesso restrito ao público daqui, do continente médio e sul-americano. Mas conta a nossa história. A primeira temporada é sobre a Doutrina Monroe, do direito imperialista inventado de se manter a América para os estadunidenses, falaciosamente protegendo-a do neocolonialismo europeu. Um pacto de dominação que varreu por décadas as repúblicas do Caribe – Guatemala, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá – e El Salvador, empilhou corpos e deu vez a diversas ditaduras sanguinárias como que se mantivesse um quintal agroexportador exclusivo aos yankees – entre outras coisas, claro. Essa doutrina completou 200 anos, e o jornalista estadunidense Michael Fox, dando sequência em uma parceria de muitos anos, trouxe a série para ser trabalhada com o Coletivo Catarse, que realizou checagens de fatos e toda a produção de som (edição e desenho). Ao longo de 13 episódios (alguns com 2 partes) e materiais bonus, é possível entender como a política do expansionismo dos Estados Unidos, baseada em ideologia e com fins econômicos, literalmente destroçou uma área paradisíaca do continente americano. Numa troca de mensagens realizada em setembro, realizamos uma conversa com Mike, perguntando de onde teria vindo a ideia de realizar o Under The Shadow, como que ele executou o trabalho e se haverá uma segunda temporada. Além de questionarmos a relação da nacionalidade estadunidense dele na exposição de tamanho mal causado por seu país – que segue até os dias de hoje. Michael Fox: “Oi Gustavo, tudo bem? Estou no interior, no norte da Argentina, na província de Santiago de Estero. Tivemos problemas com nosso carro, ficamos acampados num posto de gasolina e, agora que arrumamos amigos, uma família argentina que nos convidou para ficar na casa deles… Eu vou até fazer um show de violão e muito violino. Cara, eu nem sei o que está acontecendo mais. Essa é a vida na estrada fazendo esse podcast. Eu estive no Paraguai agora, já trabalhando na segunda temporada, em Assunção, onde tem o Arquivo do Terror, que são documentos que foram achados em 92, que comprovam que existia o Plano Condor. Esses são documentos que darão base para a temporada dois, que é sobre América do Sul e, em particular, o Plano Condor, que foi organizado pelos Estados Unidos. Eu estive num lugar de memória em Assunção, que é o Museu da Memória. Ali que é um centro de assuntos técnicos da polícia. Mas ali era um lugar de detenção, das pessoas. Tinha celas atrás, uma prisão, que ainda existe. E era um lugar de tortura, cara. E quem ensinava como torturar era um gringo. Os documentos mostram que este cara esteve lá por dois anos, de 56 a 58. O gringo tinha um escritório do lado da sala de tortura. Ele estava lá para ensinar exatamente isso. Então, esse é o nível, e estamos falando sobre… Voltando lá nos anos 50. Então, sim, vai ter a temporada dois. Sim. É muito importante a gente não esquecer essas coisas. E tua pergunta, o que significa pra mim, que sou cidadão norte-americano, que está fazendo isso… É que muito da população norte-americana não entende. Eles não sabem isso, não sabem essas histórias. Então, isso fica nos livros de história. Ficam em livros que ninguém lê, que só os acadêmicos sabem – ou seja, nem eu, nem a maior parte deles. Então, eu estou tentando fazer algo real. Estou tentando levar pessoas para os lugares para ver, para tocar, para sentir que eles estão ali. É algo que realmente eu tenho em mãos nesse podcast, uma ideia de que seja uma máquina do tempo. Eu sei que tu brinca com isso, cara. Com aquela coisa de Michael J. Fox, Back to the Future – afinal, esse é meu nome, né? Mas é essa ideia, eu quero levar quem ouve para os lugares que essas pessoas não podem ir. As coisas que os Estados Unidos têm feito são inimagináveis, e nós temos que compreender. Temos que contar essas histórias e temos que lembrar disso tudo na Centro-América e na América Latina. Eles falam muito sobre a memória histórica. Isso é resgatar as coisas ruins do passado para reconhecer no presente, para assegurar que nunca mais aconteçam, né? Isso é mais ou menos o que estou tentando fazer com esse podcast, mas contando em inglês para um público norte-americano. Primeiramente, para que entendam todo o mal que tem feito e segue fazendo o nosso governo. Essas não são coisas do passado, são coisas no presente! E é por isso que eu volto para o passado. E volto para o presente para contar o legado em cada caso. Como vimos na Centro-América, em Honduras, o legado terrível, mais profundo em cada lugar que entram os Estados Unidos. Cada lugar onde há ingerência, cada lugar onde eles geram um impacto… E o que temos, então? Uma enorme quantidade de imigração de pessoas indo para os Estados Unidos. A crise migratória da fronteira com o México, por exemplo, essa enorme quantidade de pessoas que estão viajando para lá, é tudo por causa do próprio papel dos Estados Unidos. As sanções ilegais internacionalmente dos Estados Unidos contra a Venezuela, por exemplo, é a razão do que está por trás da grande maioria da migração venezuelana que temos visto nos últimos anos. São cerca de 8 milhões de pessoas! Os Estados Unidos entraram e destruíram a economia brasileira. A venezuelana. Do mesmo jeito que destruíram a economia chilena, por exemplo, lá nos anos 70. Naquela época, justo antes do golpe contra Allende para destruir a economia. E eles fizeram no Chile a mesma história, né? Fizeram na Nicarágua nos anos 80 e fizeram na Venezuela, aqui, nos últimos anos. E assim é a realidade. 8 milhões de venezuelanos fugindo do seu país por causa do crime econômico e correndo para os Estados Unidos. Depois, os Estados Unidos chamam de crise migratória, mas nunca olham para seu próprio umbigo. E, bom, é meu próprio governo. E eu, como norte-americano, sinto a necessidade …