“É noite. Paira no ar uma etérea magia…”
Gilka Machado (1893-1980), foi a maior representante feminina do simbolismo no Brasil. Poeta carioca, nascida numa família de artistas, lançou seu primeiro livro em 1915, causando alvoroço na crítica desde já. Tinha a admiração de grandes escritores como Jorge Amado, Olavo Bilac e Carlos Drummond Andrade e venceu o concurso de melhor poetisa do Brasil, em 1933, concorrendo com nomes como Cecília Meireles. No entanto foi duramente criticada por muitos setores da sociedade pelo teor sensual de seus versos e desvalorizada por sua condição social. Gilka foi uma precursora – ou “a antecessora”, na palavras de Carlos Drummond Andrade – usando de um erotismo espiritualizado para falar de desejos, anseios e aspirações da mulher, tirando-a da condição de objeto do homem e apresentando-a protagonista de si mesma. O projeto Língua Lâmina teve início em 2019, quando três artistas independentes (Alexandre Malta, Lorena Sánchez e Thali Bartikoski) idealizaram a elaboração de um sarau a partir da literatura erótica feminina no Brasil. A proposta inicial era apresentar um compilado de diversas autoras, de variadas épocas. Ao direcionar-se o trabalho de pesquisa para a busca das mulheres pioneiras na poesia erótica no país, se chegou na vida e obra da poeta Gilka Machado. Foi idealizado, assim, o sarau sensorial “A Língua Lâmina de Gilka Machado”, onde as palavras do universo gilkiano jogam frequentemente com os cinco sentidos, proporcionando experiências sensoriais ao público, apresentando assim mais concretamente sua poesia essencialmente simbolista. O sarau chegou a estrear no início de 2020 no espaço do Guernica Bar, mas infelizmente teve as atividades suspensas por conta do isolamento social provocado pela pandemia do Covid19. Durante o período de isolamento, o grupo continuou pesquisando e desenvolveu ações de forma virtual, com videopoesias realizadas de forma caseira pelos três artistas e entrevistas a outras estudiosas da escritora Gilka Machado. O sarau retomou as apresentações presenciais no fim de 2022 com o elenco inicial, se apresentando em palcos alternativos e de forma independente. Em meio às pesquisas e discussões, realizadas durante e posteriormente ao período de isolamento, foi desenvolvida uma nova concepção em relação ao produto final do projeto. Na pesquisa histórica, identificou-se um grande número de escritoras latino-americanas, contemporâneas de Gilka Machado, todas mulheres pioneiras em seus países com uma escrita ousada e libertária – outras línguas-lâminas que podiam ser somadas. E no desejo dos artistas suscitou a necessidade de transpor o sarau para a condição de espetáculo. Optou-se pela criação de um monólogo e a formação de uma equipe técnica incorporada à atriz em cena, utilizando de recursos como o audiovisual, a dança, a iluminação e a trilha sonora cuidadosamente pesquisada. Língua Lâmina então toma a forma de um projeto cuja proposta cênica se desenvolve a partir da intersecção de diferentes áreas artísticas, que convergem para a apresentação de elementos da obra de Gilka Machado e da condição feminina na sociedade, como ser autônomo e criador. As profissionais envolvidas no projeto, sejam artistas ou técnicas, são imersas no universo gilkiano, produzindo harmonicamente elementos em suas especialidades individuais que convergem coletivamente em direção a uma representação da poética para além da palavra. Todo esse processo, somado a atuação e provocações da atriz em cena, devem proporcionar sensações e estímulos no público O formato em monólogo teve a sua estreia em março de 2023, no evento Elas por Elas, do espaço cultural Cuidado que Mancha. Língua Lâmina participou em junho de 2023, no XXX FESTIVALE – FESTIVAL NACIONAL DE TEATRO DO VALE DO PARANHANA, em Rolante/RS, recebendo os prêmios de Melhor Atriz e Melhor Texto Original e as indicações de melhor espetáculo, direção, figurino, cenografia e trilha sonora. Fez, também, apresentação no Salão Mourisco na Biblioteca Pública do Estado. O Coletivo Catarse/Ponto de Cultura e Saúde Ventre Livre apoia Culturalmente o Língua Lâmina e tem, na equipe, duas coperadas Lorena Sánchez (atuação e produção) e Têmis Nicolaidis (videoprojeções), que assinam, também, a direção coletiva do espetáculo nessa nova fase.