Nas asas da espera

Por Eliana Mara Chiossi. Todo dia, o sol vem iniciar a rotina no aeroporto. Verdade? Não. Aeroportos nunca param. Sempre encontrei neles algum consolo para noites de insônia. Quando nada mais resolvia, descia até a garagem, entrava no meu carro, colocava música alta e saía cantando pelo asfalto. Até chegar, estacionar e parar no primeiro café.

Céu Azul

Por Eliana Mara Chiossi. Olho para esta mulher iniciante na felicidade. Admiro seu gesto de bravura, enfrentando a estrada e rindo para o destino. Qual a história deste dia? Até quando o rosto limpo, exibindo este sorriso quase ingênuo, vai manter esta aparente leveza? No meio da estrada, o vestido vermelho,  esquecido pela pressa, vai revelar a falta, vai destampar a caixa e os medos vão saltar, descontrolados.

Zabriskie Point: olhos cansados de ver e ouvir demais

Por Eliana Mara Chiossi. Um texto, se escrito de acordo com a lógica convencional, tem início por uma letra maiúscula e termina com um ponto final. Um texto curto pode ser comparado a um voo doméstico que tem cidade de origem e cidade de destino. Posta a comparação, já não serve. Se o voo tem uma ou mais conexões deixa de ser curto. Ocorrendo atrasos, a duração se altera. Os atrasos podem ser causados por causas técnicas, meteorológicas, catastróficas, terroristas ou de causas não catalogadas. O caminho de um texto pode passar por uma série de turbulências, tantas quantas estiverem dentro do corpo do autor.

Sofrimento tem régua?

Por Eliana Mara Chiossi. Piedade Se eu amasse Hitler, eu seria uma santa. Teria, para meu pobre ditador, colo, perdão e sopa quente. Se eu amasse Hitler, arranjaria um jeito de ser surda. E falaria com ele apenas de assuntos banais como a textura do morango e a beleza dos cristais. Para evitar pesadelos e higienizar a memória dos relatos do horror que meu amado praticava, eu iria me transformar, pouco a pouco, numa estátua, pedra dura e condensada. No dia último de ser gente, morte tantas vezes desejada, teria na expressão do meu rosto, prévio monumento, a gravação terrível da certeza de que, ainda sendo Hitler, aquele homenzinho odioso era meu filho e era humano.

Facebook: cartografia múltipla para o dia das mulheres

Por Eliana Mara Chiossi. Trindade O caldeirão reluzia. Há tempos sem utilidade. O exílio forçado de tantas irmãs e amigas. Acima do fogão, uma sequência de vidros inclassificáveis. Era preciso sentir o aroma para traduzir seus poderes. Não sei explicar o início de tudo, daquele final de tarde anunciando a tragédia. Águas reservadas por sete dias, na recolha sistemática de orvalho e asas perdidas de libélulas. A ação planejada dos ventos e a influência exata dos movimentos da lua. O choro das mulheres violentadas furava nossos ouvidos. Nossos lábios estavam selados. O caldeirão continha água e fervura insistente. Lá fora, no quintal repleto de árvores nervosas, muitos homens aguardavam. Nada prendia seus corpos. E ainda assim, não se movimentavam. A substância do medo dava contorno ao ar. No centro do pátio, ainda em transe, ela dizia palavras antigas. Deu a ordem tão esperada. Os trabalhos foram iniciados. Sobre a cabeça de cada um deles, água fervendo e rezas seculares.

Sete coisas que ameaçam o coração e você nem imagina

Por Eliana Mara Chiossi. Na fila do caixa, vi esta revista e me chamou a atenção o fato de que os temas eram conhecidos, quase batidos. Fiz um teste. Decidi levar a revista e não abri. Enquanto escrevo a primeira parte não sei o teor da matéria sobre as ameaças ao coração que nem sequer imaginamos. Passada a quarta-feira de Cinzas, que é a data fatídica e também monótona onde desfilam pelos jornais e noticiários de rádios e tevês aquelas mesmas notícias, repetidas a cada ano, quase sem um mínimo de alteração: estradas lotadas e trânsito lento na volta; número alto de acidentes e infrações de trânsitos; afogamentos, homicídios, turistas assaltados, escolas de samba que perdem pontos, escolas de samba que sobem a pontuação, os premiados do Oscar, algum evento trágico mundial (neste caso a crise na Ucrânia), eventos que ficam em suspenso e retomam à cena logo na quinta-feira, aeroportos lotados, consequências de atrasos nos ônibus.

Passeio aéreo com lupa

Por Eliana Mara Chiossi. Hoje é terça-feira. E a crônica semanal tem de estar publicada. E até agora não estou certa de qual tema trabalhar. Talvez possa dizer que não haja tema. Penso em sair de casa para tentar encontrar alguma inspiração. Talvez ir até o aeroporto. Talvez até a rodoviária. Ou ao Mercado Municipal. Fazer umas fotos e escrever sobre as fotos. Escolher fotos que fiz e falar sobre elas. Se eu pudesse, gostaria de conversar com pacientes terminais, com presidiários. Também sei que encontraria material com velhinhas felizes num asilo bonito, crianças de alguma escola legal, desenhando e fazendo pinturas.

Na Arena, o meu primeiro Grenal

Por Eliana Mara Chiossi. Fica bonito quando certos acontecimentos em nossa vida são cercados de simbolismos. Dessa forma, viram histórias pra contar. Os fatos que me levaram até a Arena num domingo começaram quando um amigo querido me levou para conhecer o Olímpico. Depois de alguns meses, há algumas semanas, expressei meu desejo de conhecer a Arena do Grêmio e também de assistir a um Grenal, e o editor me sugeriu que fosse tema da crônica. E, logo no domingo dia 9, realizei meu desejo e colhi impressões incríveis dos tricolores.

A borboleta é monita

Por Eliana Mara Chiossi. A menina da foto,  acho que se chama Sônia ou talvez Mônica. Eram tantos alunos já descontrolados, sem a presença da professora titular. A professora substituta parecia assustada e preferiu ficar assistindo. Estavam agitados. Com expressões de que algo poderia explodir a qualquer momento. Bastava olhar para os olhos da  professora substituta. Mas estavam sentados, ainda em posição convencional e isso garantia uma certa ordem.